
O fim do oásis orçamental e as próximas eleições
Crescimento da despesa pública tira margem para brindes eleitorais e tempos de incerteza recomendam cautela.
Os últimos anos foram de bonança orçamental para o país. A inflação e o crescimento do emprego e salários insuflaram as receitas de impostos e as contribuições para a Segurança Social, abrindo caminho ao alívio no IRS, atualizações extraordinárias das pensões e melhoria dos rendimentos dos funcionários públicos.
Com tanta largessse parecia até que tínhamos descoberto “petróleo no Beato”, como na peça de Raul Solnado, ou, neste caso, em São Bento.
O último relatório sobre Perspetivas Económicas e Orçamentais, da responsabilidade do Conselho de Finanças Públicas (CFP), trouxe o país à terra. A nova avaliação da entidade liderada por Nazaré da Costa Cabral é francamente pior do que a divulgada em setembro, quando ainda não existiam as medidas orçamentais para 2025.
O CFP prevê agora uma deterioração do saldo orçamental de 0,7% do PIB em 2024 para apenas 0% este ano (o Governo prevê 0,3%). O cenário agrava-se em 2026, com o país a regressar aos défices. Primeiro com um saldo negativo de 1% do PIB (em parte explicado pelo impacto do financiamento público associado aos empréstimos do PRR) e depois de 0,6% nos anos seguintes até 2029.
O regresso aos défices recorrentes é explicado sobretudo pelo aumento da despesa pública, em particular a despesa com pessoal, decorrente das medidas de valorização salarial de diversos grupos profissionais da função pública, mas também do aumento dos gastos com prestações sociais.
O CFP não é o primeiro a prever uma deterioração das contas públicas. Em dezembro, o Banco de Portugal também apontava para o regresso aos défices, e já a partir deste ano (0,1% do PIB), que saltavam para 1% em 2026 e 0,9% em 2027.
Não são défices elevados. Aliás, se não contarmos com a despesa com juros da dívida pública, o saldo mantém-se positivo durante o horizonte de previsão da entidade liderada por Nazaré da Costa Cabral, permitindo continuar a baixar o rácio de endividamento.
O problema maior está na dinâmica de crescimento da despesa do Estado criada pelos compromissos já assumidos, ao ponto de o país estar lançado para não cumprir a meta enviada à Comissão Europeia em outubro. O Governo submeteu um plano orçamental onde prevê um crescimento médio de 3,6% da despesa líquida entre 2025 e 2028; o CFP estima 4,4% com base nas políticas em vigor. Portugal põe-se a jeito para uma reprimenda de Bruxelas.
Ou seja, o ministro das Finanças parece ter perdido o controlo sobre a dinâmica de evolução da despesa, o que não combina lá muito bem com o conceito de contas certas. PS e Chega também partilham alguma responsabilidade, já que aprovaram no Parlamento medidas com impacto orçamental relevante, como o fim das portagens nas ex-SCUT ou o aumento extraordinário das pensões. Já sabíamos que um contexto de governos minoritários e instabilidade política são terreno fértil para desvios na rota orçamental, face à vertigem de conquistar eleitores antes das eleições seguintes.
Tudo isto significa que o oásis orçamental em que o país viveu nos últimos anos acabou.
“A margem orçamental de Portugal é reduzida e já foi amplamente utilizada, pelo que a gestão da receita e da despesa pública nos próximos anos tem de ser feita de forma prudente, sem comprometer o funcionamento dos estabilizadores automáticos nem a sustentabilidade de longo prazo das finanças públicas”, afirma o relatório do CFP.
É um alerta especialmente pertinente para as próximas eleições, onde os partidos vão querer exibir o tamanho da sua largesse para com os eleitores.
O programa do PS trabalha com uma margem de 1.750 milhões de euros para quatro anos. O que dá para uma só medida emblemática: fazer regressar o IVA Zero aos bens alimentares essenciais. É discutível se não faria mais sentido criar uma espécie de crédito fiscal em sede de IRS para as famílias de menores rendimentos, mas o partido defende que desta forma apoia a redução do custo de vida e uma eventual subida da inflação devido à guerra de tarifas.
Esta sexta-feira foi a vez da coligação PSD/CDS dar a conhecer o seu programa eleitoral e foi mais longe. Só em alívio no IRS são 2.000 milhões, a que se junta o aumento do Complemento Solidário para Idosos para 870 euros, cujo custo não foi contabilizado, e a descida do IRC de 20% para 17% (15% para as PME) que Luís Montenegro garantiu ter um impacto financeiro positivo na receita do estado. Um estudo do economista Pedro Brinca, divulgado o ano passado, conclui que a medida não se paga a si própria. A AD quer ainda acabar com a derrama municipal. O cenário macroeconómico volta a ser esticado face às entidades oficiais, o que aumenta as dúvidas sobre o exercício orçamental, mas Montenegro foi taxativo na apresentação do programa: “Não será connosco que Portugal voltará a ter défice. Não será connosco que Portugal voltará a ter restrições por causa da irresponsabilidade dos governantes”.
O Executivo da Aliança Democrática trouxe mais e não menos Estado e nisso não se diferenciou do PS. O peso da despesa pública no PIB deverá chegar aos 44,2% em 2025, o nível mais alto desde os anos da pandemia.
A manta orçamental ficou curta e a volatilidade da nova era aconselha prudência. Com pausa ou não no aumento das taxas aduaneiras pelos EUA, o dano provocado na confiança terá consequências no crescimento global deste ano.
Quando a economia quebrar — o que acabará por acontecer e este ciclo expansionista já vai longo — o fardo deste aumento de despesa irá criar grandes dificuldades orçamentais, fazendo disparar os défices e podendo obrigar a medidas duras e impopulares, com impacto negativo na economia.
Há ainda que ter em conta o reforço dos gastos em defesa para 2% do PIB, que o primeiro-ministro anunciou querer atingir antes de 2029. Mesmo que Bruxelas já tenha dito que fechará os olhos ao impacto orçamental desta rubrica, será mais despesa, maior probabilidade de défice e mais dívida pública, como antecipa o CFP.
Além do investimento em defesa, é obrigatório salvaguardar a margem necessária nas contas públicas para permitir que o país possa adotar uma política anticíclica quando chegar a próxima borrasca.
Nota: Este texto faz parte da newsletter Semanada, enviada para os subscritores à sexta-feira. Há muito mais para ler. Pode subscrever neste link.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
O fim do oásis orçamental e as próximas eleições
{{ noCommentsLabel }}