
Reforçar: Um programa com ‘músculo’, mas sem foco, para mostrar na campanha eleitoral
O Reforçar é um programa com instrumentos úteis, mas que falha na calibragem e foco, sendo o seu sucesso menos dependente do montante anunciado e mais da sua execução eficaz.
O programa Reforçar é a resposta do governo de gestão para minorar os impactos da guerra tarifária de Trump, pelo menos foi assim que foi anunciado o pacote de 10 mil milhões e euros (M€) de ‘dinheiro novo’. A conclusão a que chego é que, mais do que uma resposta aos problemas específicos colocados pela guerra tarifária, parece ser uma forma do Banco Português de Fomento (BPF) mostrar serviço na resposta às necessidades gerais de financiamento da economia, além de acenar com um montante generoso durante a campanha eleitoral e não querer ficar atrás da resposta de Espanha.
Se o eleitoralismo é dispensável, um BPF funcional é importante. Mas, se o objetivo era apresentar um pacote ‘multiusos’ para financiamento ampliando o papel do BPF, então o programa deveria ter sido apresentado como tal.
Talvez por isso se designe “Reforçar”, em consonância com a verba associada, pois uma resposta dedicada à questão das tarifas apontaria para um valor bem menor – sendo todo ‘dinheiro novo’, como anunciado, então supera essa componente do pacote de Espanha, cuja economia é bem maior que a nossa – e um nome mais apropriado como “Redirecionar” ou “Relançar” – mais em linha com o pacote espanhol, que se designa “Plan de Respuesta y Relanzamiento del Comercio Exterior”.
Analisando o programa na ótica de resposta à guerra tarifária, a calibração é errada, pois o montante elevado para investimento não se coaduna com a redução da nossa procura externa, quer no mercado dos EUA, devido às tarifas, quer no resto da União Europeia (UE), pelos efeitos negativos dessa política nas economias europeias. A justificação que encontro é procurar atender, sobretudo, às necessidades de financiamento das empresas para executar projetos do PRR e PT-2030. A guerra tarifária parece ter sido um pretexto útil para tal.
1. Resumo detalhado do Programa Reforçar
O Programa Reforçar contém medidas para apoiar a competitividade e exportações das empresas nacionais, contemplando uma dotação de 10.085 milhões de euros (M€) assim repartida:
1.1. Linhas de Financiamento do BPF, 8.685 M€ (6.855,4 M€ para investimento, ou 79%, e 1.829,6 M€ para fundo de maneio, ou 21%):
- Reforço e reprogramação das linhas BPF Invest EU (modelo de pré-aprovação e contratação automática): 5.185 M€ (maio-25), dos quais 84% para investimento (4.355,4 M€, até 5 M€ por empresa de 12 a 144 meses) e 16% para fundo de maneio (829,6 M€, até 2 M€ por Empresa de 12 a 48 meses). Assim, juntando a dotação inicial de 3.555 M€ ao reforço introduzido, o total de linhas de garantia BPF Invest EU passa para 12.240 M€.
- Criação da linha BPF Invest Export PT para Empresas Exportadoras: 3.500 M€ (junho-25), dos quais 2.500 M€ para investimento – incluindo 400 M€ em subvenções: conversão de financiamento em subvenção consoante os resultados –, ou 71%, e 1.000 M€ para fundo de maneio, ou 29%.
1.2. Seguros da Agência de Crédito à Exportação, 1.200 M€ (junho-25):
- Reforço dos Seguros de Crédito à Exportação com disponibilidade de novos plafonds para procura de novos mercados e reforço dos mercados tradicionais.
- Bonificação parcial dos prémios de seguros de crédito à exportação para novos mercados.
- Arranque da integração da Agência no BPF e construção de parcerias com bancos promocionais de outros países, com destaque para Espanha, Alemanha, França e Reino Unido.
1.3. Incentivos à Internacionalização (AICEP, IAPMEI e COMPETE), 200 M€:
- Internacionalização das PME, 150 M€: aumento da presença internacional das PME através da participação em feiras e eventos internacionais, e da realização de ações de prospeção e marketing externo (projetos desenvolvidos individualmente ou com entidades associativas).
- SIAC (Sistemas de Apoio a Ações Coletivas) Internacionalização, 50 M€: reforço da realização de campanhas de promoção internacional e prospeção conjunta de novos mercados (projetos desenvolvidos por entidades associativas ou agências públicas com competências na área).
O Programa Reforçar será ainda complementado por avisos de candidatura no âmbito do PT-2030 e do PRR, no valor de 2.640 M€, nas seguintes áreas:
- Investimento produtivo, 2.235 M€: projetos com escala de investimento muito significativa em setores fundamentais para a transição energética.
- Inovação e descarbonização (255 M€): projetos que visem a redução de emissões de gases com efeito de estufa, a eficiência energética, bem como a adoção de tecnologias avançadas (IA, robótica, etc.).
- Internacionalização (80 M€), junho-setembro 25: apoio a ações de promoção e marketing, de reforço da presença das empresas em certames internacionais e de conhecimento e acesso a novos mercados. Entre junho e setembro está prevista a abertura de Avisos de Concursos de Internacionalização para empresas exportadoras visando a procura de novos mercados, com opção de investimento.
- Qualificação e formação (70 M€): qualificação dos modelos de negócio e do capital humano.
Chamo a atenção que não foram mencionados requisitos de acesso ao programa fora os já adstritos aos instrumentos previstos, ao contrário do que aconteceu com as linhas Covid-19 – que requeriam limiares mínimos de quebra das vendas –, o que torna o “Reforçar” um programa ‘multiusos’, como já referido.
2. Análise de pontos fortes e fracos do Programa reforçar
Nesta parte, faço uma análise objetiva dos principais forças e fraquezas do pacote apresentado.
2.1. Pontos fortes
- Adaptação ao contexto externo e envolvimento de stakeholders: embora a resposta do governo não tenha sido imediata, teve em conta os problemas da crise tarifária e envolveu as confederações e associações empresariais no desenho da resposta. Foi ainda referido que teve em conta as discussões em torno da resposta europeia, mas o governo de Espanha atuou antes.
- Abordagem abrangente nos instrumentos: a diversificação de exportações, a principal resposta possível das empresas a esta crise, exige financiamento para investimento (como adaptação de produtos a novos mercados) e fundo de maneio (para fazer face aos custos numa situação de quebra de vendas, sobretudo nos EUA, e diversificação de mercados), seguros de crédito à exportação (para fazer face aos riscos da aposta em novos mercados, em particular no caso de países emergentes) e promoção externa (como presença em feiras e promoção conjunta). A antecipação de concurso do PT-2030 e do PRR em áreas relevantes também faz sentido, nomeadamente para Internacionalização – onde deverá estar previsto apoio para marketing digital, se não estiver no pacote –, qualificação /formação (preparação para novos mercados), inovação (de produto, modelos de negócio e organizacional, para resposta a novos mercados) e investimento (uso das linhas de financiamento do BPF na componente não subvencionada).
- Foco nas PME: ao destinar uma parte significativa dos recursos às PME, o programa reconhece o papel vital destas empresas na economia portuguesa e a maior fragilidade face a uma situação de crise por comparação com empresas de maior dimensão, com mais recursos.
- Componente de premiação: é positiva a conversão de financiamento em subvenção consoante os resultados, embora apenas na linha BPF Invest Export PT e de forma limitada.
- Agilidade das linhas BPF Invest EU: modelo de pré-aprovação e contratação automática.
- Impacto reduzido e diferido nas contas públicas: a componente de subvenção é bastante limitada e os mecanismos das garantias e seguros de crédito também mitigam os custos potenciais, que serão diferidas e dispersos no tempo, baixando o impacto nos orçamentos anuais.
2.2. Pontos Fracos
- Complexidade na implementação: a diversidade de medidas, instrumentos e entidades a articular pode gerar desafios na coordenação e execução eficaz do programa. Desta vez, o BPF aparece como grande protagonista e elemento integrador do Programa, o que poderá ser uma vantagem, mas a sua capacidade (e meios) para operacionalizar instrumentos desta envergadura e complexidade será posta à prova. Experiências anteriores – como a subutilização das linhas Covid-19 – devem ser aprendidas, sob pena de repetir erros no escoamento dos apoios.
- Risco de atraso na resposta devido à burocracia: a gestão de múltiplas linhas de financiamento e incentivos pode resultar em processos burocráticos complexos para as empresas, especialmente as de menor dimensão. Embora seja prometido um modelo ágil nas linhas BPF Invest EU, a experiência de programas de apoio anteriores (como os da pandemia) mostra que a burocracia excessiva tem sido um empecilho ao atrasar a resposta às necessidades das empresas. Esperemos que não seja o caso, mas a eficácia do programa está condicionada à disponibilidade e gestão eficiente dos fundos europeus, como o PT-2030 e o PRR, que têm requisitos e processos próprios, dependendo de uma máquina administrativa que tem sido ineficiente.
- Risco de baixa execução das verbas do pacote: em programas de apoio anteriores, como os da pandemia, apenas uma pequena fração dos fundos disponíveis foi efetivamente utilizada, indicando possíveis entraves burocráticos ou falta de informação. Neste caso, o risco de baixa execução tem a ver, também, com o elevadíssimo montante do pacote. Mesmo sendo um programa ‘multiusos’, como o apelidei, por não serem referidos critérios específicos de acesso, que permitam associar a execução aos problemas levantados pela guerra tarifária, temo que o montante seja excessivo face ao conjunto das necessidades de investimento das empresas, numa altura em que se aproxima o fim do PRR e as contratualizações estão adiantadas – o problema é mesmo a máquina burocrática e os pagamentos, cujo adiamento poderá apenas justificar necessidades de financiamento pontuais –, e atendendo ao período de menor procura externa e incerteza face às tarifas, que tem o efeito de adiar investimentos e o recurso ao PT-2030.
- Não resposta a setores específicos mais afetados: um dos defeitos de ser um programa ‘multiusos’ é não atender a problemas em setores mais afetados pela guerra das tarifas. Por exemplo, o setor dos vinhos, que tem sido impulsionado pelas exportações para o mercado norte-americano, poderá sofrer bastante com as tarifas, assim como o calçado. A meu ver, o programa deveria contemplar apoios específicos, incluindo verbas a fundo perdido de valor limitado (mas com possibilidade de reforço futuro) para um conjunto de setores particularmente afetados, acessíveis a partir de limiares mínimos de quebra das vendas, como na pandemia. Poderá ser ainda preciso apoiar outros setores afetados por possíveis novas tarifas de Trump, bem como setores muito dependentes de importações dos EUA alvo de eventuais contra-tarifas da UE.
- Reforço da solvência empresarial: tendo o programa um grande envolvimento do BPF, considero estranho que não tenha sido usado o Programa de Recapitalização Estratégica do BPF, atribuindo condições específicas ainda mais favoráveis em setores particularmente afetados. Poderia ser uma alternativa aos apoios a fundo perdido acima sugeridos mantendo a lógica do programa com um forte envolvimento dos instrumentos do BPF. Fica a ideia.
- Necessidade de evitar duplicações e dispersões e esclarecer as empresas, sobretudo as PME: a coexistência com os instrumentos do PRR e do PT-2030 levanta dúvidas sobre a fronteira entre programas, podendo gerar duplicações ou dispersão de esforços, bem como suscitar dúvidas às empresas com menos capacidade técnica para navegar este ecossistema de apoios, exigindo-se, por isso, um esforço de clarificação e informação junto do tecido empresarial.
- Falta de mecanismos de avaliação e monitorização: Importa garantir que o programa integre mecanismos de monitorização contínua – em articulação com as confederações empresariais – e flexibilidade para reorientar verbas ou ajustar critérios consoante a evolução do contexto económico e comercial, algo que não foi referido.
3. Comparação com o programa de Espanha
O contraste com o programa espanhol de mitigação do impacto das tarifas é particularmente elucidativo. O “Plan de Respuesta y Relanzamiento del Comercio Exterior” do governo de Espanha tem uma dotação total de 14.100 M€, da qual 7.400 M€ representa ‘dinheiro novo’ – abaixo do total de 10.085 M€, toda verba nova, do programa português, mesmo tratando-se de uma economia cerca de quatro vezes maior. Esta desproporção levanta dúvidas legítimas sobre a calibragem do Programa “Reforçar”.
O pacote espanhol foca-se na reorientação das exportações, na promoção da diversificação geográfica e na mitigação dos efeitos diretos das tarifas impostas pelos EUA, com medidas ajustadas à natureza da crise, incluindo verbas específicas para o setor automóvel e linhas de capitalização para as empresas mais afetadas.
Em contraste, o programa português parece ter sido construído com uma lógica de maximização de impacto mediático e eleitoral, optando por uma escala financeira que ultrapassa, e muito, a magnitude do problema específico em causa, numa lógica que apelidei de ‘multiusos’. A inspiração do montante parece ter vindo de Espanha, mas o resultado é bem diferente – temos um programa com ambições mais vastas, mas bastante menos focado, sem atender aos setores e empresas mais afetadas, que poderão precisar de apoio suplementar para se manterem viáveis.
4. Sumário e conclusões
O Programa Reforçar apresenta-se como uma iniciativa ambiciosa e financeiramente robusta, dotada de instrumentos variados e com um potencial relevante para apoiar a competitividade externa das empresas portuguesas. Os seus principais méritos residem na agilidade prometida para algumas das linhas do BPF, na cobertura abrangente das necessidades típicas de um processo de diversificação de mercados — do financiamento ao seguro de crédito e à promoção externa — e no reconhecimento da importância das PME na economia nacional. O envolvimento das confederações empresariais e a articulação com fundos europeus também demonstram uma preocupação com o alinhamento institucional.
Contudo, estes méritos contrastam com falhas significativas no desenho e comunicação do programa. O montante elevado como resposta à guerra tarifária com os EUA não se sustenta, sobretudo para investimento, contrasta com o impacto económico direto e indireto do conflito, que reduz a procura externa e requer algum investimento novo para reorientar exportações, é verdade, mas menos em termos globais, pois muitos investimentos já previstos serão reduzidos ou adiados face à incerteza. A ausência de critérios de acesso ligados a quebras de vendas ou a setores específicos mina a eficácia do programa como resposta dirigida, tornando-o, na prática, um instrumento genérico de financiamento empresarial (‘multiusos’), com alto risco de sub-execução. A comparação com o programa espanhol torna ainda mais evidente a falta de foco e a oportunidade perdida de apoiar de forma cirúrgica os setores mais vulneráveis.
O dinamismo demonstrado pelo BPF é de saudar – é, por isso, com expectativa que o quero ver a gerir um pacote com este tamanho generoso e se é capaz de articular os vários atores de forma eficaz –, tal como a intenção de antecipar instrumentos de apoio num contexto de incerteza. Mas era importante que essa ambição fosse acompanhada por uma maior clareza estratégica: se o objetivo era reforçar o financiamento empresarial em geral, então o governo devia tê-lo assumido sem recorrer ao pretexto da guerra tarifária. Tal transparência seria desejável para os agentes económicos e a opinião pública.
O Reforçar é, por isso, um programa com instrumentos úteis, mas que falha na calibragem e foco, sendo o seu sucesso menos dependente do montante anunciado e mais da sua execução eficaz e da capacidade de o adaptar, em tempo útil, às reais necessidades do tecido empresarial, que já poderiam ter sido melhor atendidas nesta ‘versão de arranque’, como aqui procurei evidenciar.
Deixo aqui várias sugestões de melhoria do programa, como apoios a fundo perdido limitados (mas ajustáveis) para setores e empresas mais afetadas, em complemento ou alternativa a linhas de recapitalização do BPF com condições ainda mais favoráveis do que as existentes – de modo a evitar o encerramento de empresas viáveis afetadas pela guerra comercial promovida por Trump –, além de um esforço de comunicação às PME dos vários instrumentos (incluindo a clarificação das delimitações necessárias para impedir a duplicação e dispersão de esforços) e a introdução de mecanismos de avaliação e monitorização, tendo em vista uma melhor execução.
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Reforçar: Um programa com ‘músculo’, mas sem foco, para mostrar na campanha eleitoral
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