Mais salário mínimo, menos salário médio: A ilusão da esquerda que custa empregos

Sem crescimento, não há redistribuição que resista. E sem produtividade, não há salário mínimo que dure.

Com as eleições legislativas à porta e um novo ciclo político em formação, volta à agenda pública a promessa — quase ritual — de aumentos rápidos e generosos do salário mínimo nacional (SMN). Esta proposta, reincidente na narrativa eleitoral da esquerda, é frequentemente apresentada como um imperativo de justiça social, um símbolo de progresso e redistribuição. Mas por detrás da retórica, permanece um facto económico essencial: Os salários não são decretáveis no vazio — precisam de ser sustentados por ganhos de produtividade e inseridos numa estratégia coerente de crescimento económico.

O salário mínimo é, por definição, um preço administrado acima do salário de equilíbrio para muitos trabalhadores de baixa produtividade. Em mercados laborais competitivos, a imposição de um preço artificialmente elevado para o trabalho menos qualificado tem efeitos previsíveis e bem documentados: Gera desemprego involuntário, desincentiva a contratação e reduz oportunidades precisamente para os grupos que se pretende proteger — jovens, trabalhadores com menor escolaridade e aqueles em zonas económicas mais frágeis.

Esta é uma conclusão robusta da teoria económica — e não apenas da tradição liberal ou neoclássica. Mesmo em modelos keynesianos, que reconhecem rigidezes e imperfeições no mercado de trabalho, subsiste a evidência de que se o custo do trabalho ultrapassa sistematicamente a produtividade marginal, os postos de trabalho tornam-se inviáveis do ponto de vista económico. E em Portugal, o problema é agravado por um contexto estrutural de fraco crescimento da produtividade.

Estimativas do Banco de Portugal, da OCDE e da Comissão Europeia apontam para um crescimento do PIB potencial português em torno de 1,5% a 2% ao ano — um valor modesto, abaixo da média europeia e claramente insuficiente para sustentar aumentos salariais reais de forma estrutural. Apesar disto, o SMN tem vindo a crescer a um ritmo acelerado, muitas vezes superior à inflação e à produtividade, o que impõe uma pressão crescente sobre as empresas, em especial as pequenas e médias, que representam mais de 90% do tecido empresarial português. O resultado é uma economia onde os custos salariais aumentam mais rapidamente do que o valor gerado, comprimindo margens, travando investimento e incentivando substituição de trabalhadores por tecnologia, automatização ou simples deslocalização da produção.

As consequências desta política são múltiplas e frequentemente contraintuitivas.

Em primeiro lugar, há um efeito inflacionista direto e indireto: muitas empresas, sobretudo nos setores de serviços, tentam repercutir o aumento dos custos laborais nos preços finais. Isto corrói o poder de compra e reduz os ganhos reais de todos os trabalhadores.

Em segundo lugar, a imposição de aumentos no SMN, sem folga orçamental para ajustamentos salariais em cadeia, leva à compressão da estrutura salarial. Os salários médios e intermédios são contidos, criando um achatamento das remunerações que desvaloriza experiência, qualificação e produtividade adicional. Esta dinâmica é profundamente ineficiente do ponto de vista económico e injusta do ponto de vista social: penaliza os que investem em formação e mérito, e gera tensões dentro das empresas, onde se torna difícil premiar os melhores.

A política de aumentos salariais por decreto ignora não só os fundamentos da produtividade, como desincentiva o investimento — tanto em capital físico como humano. Quando os custos laborais sobem artificialmente, sem que o ambiente regulatório melhore ou haja incentivos à inovação, muitas empresas simplesmente optam por não contratar, ou recorrem a formas precárias e informais de trabalho. Este fenómeno é particularmente evidente em setores como a agricultura, construção ou restauração, onde a informalidade cresce em resposta a normas laborais excessivamente rígidas. Isso enfraquece a base fiscal, mina a sustentabilidade da segurança social e retira proteção a quem mais precisa. Além disso, a atratividade do país para o investimento estrangeiro direto (IDE) fica comprometida. Numa economia globalizada, as empresas escolhem localizações com base em fatores como custos relativos, estabilidade regulatória e previsibilidade fiscal. Um SMN elevado, imposto por critérios políticos e não económicos, transmite sinais de instabilidade e baixa racionalidade económica.

Um dos argumentos recorrentes a favor do aumento do SMN é o suposto estímulo à procura interna: mais rendimento disponível implicaria mais consumo, o que dinamizaria a economia. Este raciocínio ignora os efeitos do lado da oferta: Se o aumento da procura não for acompanhado por capacidade produtiva correspondente — e se essa capacidade for penalizada pelos custos salariais — o resultado é inflação, perda de competitividade externa e retração do investimento.

Pior: se o aumento do consumo for financiado por crédito, inflação ou compressão salarial noutras faixas, o estímulo é ilusório e insustentável. A médio prazo, esse consumo recua e os desequilíbrios aumentam. Do ponto de vista das finanças públicas, aumentos desproporcionados do SMN têm efeitos preocupantes. Por um lado, criam pressões para aumentos na função pública, por via direta ou indireta, encarecendo a folha salarial do Estado. Por outro, levam a maior desemprego ou informalidade, reduzindo a base de contribuições sociais e aumentando a despesa com prestações sociais. O resultado é uma fatura adicional para o contribuinte, muitas vezes invisível, mas inevitável.

Nenhuma política salarial séria pode ignorar a realidade do PIB potencial e da produtividade. Em Portugal, o fraco crescimento da produtividade é consequência de décadas de baixa acumulação de capital humano, reduzido investimento em inovação, excessiva complexidade fiscal e ineficiências institucionais — da Justiça à Administração Pública. Tentar resolver problemas sociais por decreto, através de aumentos salariais, sem resolver estas causas de fundo, é não só ineficaz como contraproducente. A melhoria sustentada dos rendimentos depende inevitavelmente de uma agenda de produtividade: educação técnica e profissional, ambiente fiscal competitivo, reforma do Estado, incentivo à inovação, desburocratização e estabilidade regulatória.

É por isso que é legítimo desconfiar de quem promete tudo a todos sem apresentar uma estratégia realista para criar riqueza. A esquerda portuguesa continua a pedir mais salários, mais apoios, mais transferências — mas sem oferecer em troca as reformas difíceis e impopulares que tornariam essa redistribuição possível e sustentável. Pior ainda, quando oferece “soluções”, estas traduzem-se frequentemente em mais impostos sobre uma classe média cada vez mais pressionada, com salários reais estagnados, serviços públicos degradados e poupança comprimida.

No fim, a fatura recai sempre sobre os mesmos: os que trabalham, investem e produzem. Justiça social, sim — mas com responsabilidade. Sem crescimento, não há redistribuição que resista. E sem produtividade, não há salário mínimo que dure.

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