Comunicação com população foi eficaz ou devia ter sido mais célere? A posição do Governo, críticos e especialistas
Governo defende estratégia adotada e papel da Prestação Civil, embora admite que há sempre espaço para "melhorar procedimentos". PS diz que existiu "apagão" do Executivo na resposta imediata.
A comunicação com a população durante o apagão foi eficaz ou podia ter sido mais célere? O Governo defende a estratégia implementada e o papel da Proteção Civil, a oposição critica a atuação e os especialistas dividem-se. No entanto, há convergência num ponto: existe espaço para melhoria de procedimentos.
Cerca de 30 minutos depois da falha energética que paralisou o país desde as 11h33 horas de segunda-feira, o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, começou a dar as primeiras declarações às rádios, numa altura em que o Conselho de Ministros se preparava para reunir. A voz do primeiro-ministro fez-se ouvir pela primeira vez já durante a tarde, eram cerca de 15h00, tendo sido difundidos posteriormente apelos à população, através da comunicação social, pela Proteção Civil, Sistema de Segurança Interna e Forças de Segurança.
Na linha do tempo das comunicações seguem-se as declarações da REN às 18h30, tendo o primeiro-ministro falado novamente ao país já depois das 20h00, quando a energia começava a ser restabelecida em algumas zonas.
“Tecnicamente há uma diferença entre o saber fazer técnico e o saber fazer comunicacional. Com certeza que, na parte técnica, a gestão da coisa, de criar o gabinete de crise, de reunir o Conselho de Ministros, foi bem feito. Mas em termos de comunicação, as pessoas foram deixadas à sua sorte e fizeram o mesmo que fizeram para lidar com o Covid: correram para os supermercados“, considera o sociólogo Gustavo Cardoso, em declarações ao ECO.
Qualquer uma das entidades, decidiu não falar sem ter a certeza do que se estava a passar, mas a posição é errada. Culturalmente não perceber que em Portugal se espera que alguém diga alguma coisa é não perceber o país.
O especialista em comunicação defende que, durante algumas horas, a população não teve “nenhum enquadramento sobre aquilo que deveria fazer”. “O que aconteceu ontem foi um milagre, porque quando não há ocupação dos espaços de comunicação oficial, quem o ocupa é a desinformação“, argumenta.
“A REN falou tardíssimo, não existiu da proteção civil uma indicação, as pessoas foram entregues a si próprias. A questão é por que isto aconteceu? Do ponto de vista da análise política, qualquer uma das entidades, decidiu não falar sem ter a certeza do que se estava a passar, mas a posição é errada“, considera, justificando que, “culturalmente, não perceber que em Portugal se espera que alguém diga alguma coisa é não perceber o país, já que as pessoas esperam que alguém desencadeie o processo”.
Uma crítica avançada logo na segunda-feira à noite pelo líder do maior partido da oposição, Pedro Nuno Santos. “A gestão de comunicação numa qualquer crise nunca é fácil, mas hoje exigia-se mais informação e celeridade por parte da Proteção Civil“, escreveu o secretário-geral do PS numa publicação na rede social X.
A posição foi reiterada esta terça-feira: “Tivemos um apagão no Governo central. Uma ausência de liderança, de orientação, de apoio, quando o país mais precisava. Recordo que o responsável máximo da Proteção Civil é o primeiro-ministro. Durante horas, milhões de pessoas ficaram sem acesso a informação fiável, sem orientações claras, quando o que se esperava era uma resposta célere e eficaz”, afirmou Pedro Nuno Santos, em conferência de imprensa na sede do PS, no Largo do Rato, em Lisboa.
![]()
"Tivemos um apagão no Governo central. Uma ausência de liderança, de orientação, de apoio, quando o país mais precisava. Recordo que o responsável máximo da Proteção Civil é o primeiro-ministro. Durante horas, milhões de pessoas ficaram sem acesso a informação fiável.”
Antecipando eventuais críticas, assessores de comunicação do Governo fizeram chegar aos jornalistas, ainda na segunda-feira, uma “cronologia do dia“, com as comunicações feitas pelas autoridades. E no arranque de terça-feira, membros do Governo fizeram-se ouvir nas rádios e nas televisões a defenderem a ação do Executivo durante a falha energética.
O ministro da Presidência, António Leitão Amaro, em declarações à rádio Observador, enumerou as comunicações feitas – lista repetida durante a tarde pelo primeiro-ministro – e o argumento de que “houve um esforço de comunicação imediato”. “No sistema que tínhamos hoje o que se recomendava era utilizar todos os meios disponíveis: comunicação social – rádios e televisões -, redes sociais e o canal de comunicação da Proteção Civil. Foram todos estes canais utilizados e foram-no nas primeiras horas“, afirmou o governante.

Perante críticas à atuação da Proteção Civil, nomeadamente na informação aos portugueses, Luís Montenegro ripostou que “o sistema de Proteção Civil funcionou e funcionou muito bem”, explicando que inicialmente as autoridades estiveram focadas no funcionamento das infraestruturas críticas, como os hospitais.
“Foi acionada desde o primeiro minuto uma célula de crise na Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, que foi determinante para coordenar em conjunto com o sistema de Segurança Interna no terreno o acompanhamento de todas as diligências que estiveram em permanência a proporcionar que todos os planos de contingência estavam a ser cumpridos”, explicou no briefing do Conselho de Ministros que decidiu criar uma comissão técnica independente para analisar o episódio.
![]()
"Foi acionada desde o primeiro minuto uma célula de crise na Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, que foi determinante para coordenar em conjunto com o sistema de Segurança Interna no terreno o acompanhamento de todas as diligências.”
Segundo Montenegro, “a Proteção Civil nas primeiras horas esteve sobretudo concentrada nas áreas mais críticas”, uma vez que esta “tem de se preocupar obviamente com a generalidade dos cidadãos, mas era preciso garantir que os hospitais continuavam a funcionar”, bem como as demais infraestruturas críticas.
Neste sentido, justifica que o SMS enviado aos portugueses cerca das 17 horas ter sido rececionado pela maioria já depois das 20 horas “demonstra que as comunicações estavam em baixo e que, portanto, esse meio de comunicação não era eficaz, o que deu razão à opção que o Governo tinha tomado de privilegiar primeiros as rádios, que eram mais operacionais, e depois as televisões”.
Uma posição validada por Miguel Guedes, CEO da GMT Consulting, que considera que, “de uma forma global, a comunicação foi positiva“, dados “os constrangimentos que a própria essência da comunicação tinha”. Para o especialista em comunicação, “a ação do Governo foi tranquilizadora“, uma vez que “tudo o que seja multiplicar locutores serve para causar ruído e instabilidade na população“.
“Na gestão de crise a solução de comunicação não é a anulação do problema. É geri-la o melhor possível com o objetivo traçado”, disse, argumentando que “o Governo não entrou numa especulação de causas para o problema, nem criou expectativas exageradas para a solução”, tendo “o essencial sido assegurado com as comunicações que foram feitas”.
A ação do Governo foi tranquilizadora, uma vez que tudo o que seja multiplicar locutores serve para causar ruído e instabilidade na população.
Para Miguel Guedes, quando Montenegro prestou declarações, transmitiu à população que o Executivo “estava no ativo e a coordenar com as autoridades” a resposta. “Não houve a criação de expectativa depois difícil de gerir. No essencial, houve uma mensagem tranquilizadora e verdadeira”, refere, destacando igualmente o papel do poder local na proliferação de informação aos cidadãos.
Porém, Gustavo Cardoso reitera que ficam no ar perguntas como qual “é a cadeia de comunicação para as situações de risco”, e “quem manda e quem organiza” na gestão de comunicação de todas as autoridades.
Apesar de haver balanços distintos, existe unanimidade de que há lições a retirar para o futuro entre os especialistas de comunicação e os decisores. “As coisas podiam ter funcionado melhor? Pois, estamos sempre a tempo de melhorar procedimentos. Todas as entidades públicas e privadas que colaboram no sistema de comunicações estão sempre disponíveis para aprimorar os seus procedimentos“, admitiu Luís Montenegro.
As coisas podiam ter funcionado melhor? Pois, estamos sempre a tempo de melhorar procedimentos. Todas as entidades públicas e privadas que colaboram no sistema de comunicações estão sempre disponíveis para aprimorar os seus procedimentos.
O incidente de comunicação de Castro Almeida
Ainda nem uma hora depois da apagão, o ministro Adjunto e da Coesão Territorial admitia que a origem pudesse estar num ciberataque, adiantando que estava a afetar Espanha, França e Alemanha. “Há essa possibilidade, de facto”, disse Manuel Castro Almeida, em declarações à RTP3, sobre a possibilidade de ciberataque, ainda que salientando que tinha pouca informação e que a que dispunha não era confirmada.
As declarações feitas num momento em que a informação era escassa depressa ganharam escala, levando o Governo a tentar controlar a narrativa e apressar-se a vincular que não existia qualquer indício de que o apagão se devesse a um ciberataque. Para Gustavo Cardoso, a ideia transmitida é que “os ministros tinham o mesmo tipo de informação que os cidadãos”.
Esta terça-feira, o primeiro-ministro procurou defender Castro Almeida, justificando que o ministro “disse aquilo que podia dizer”, uma vez que naquele momento “não podia afastar nenhuma causa, incluindo essa” e que “não especulou sobre nenhuma causa”.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Comunicação com população foi eficaz ou devia ter sido mais célere? A posição do Governo, críticos e especialistas
{{ noCommentsLabel }}