Travão na procura arrefece negócio do alumínio em 10% no arranque do ano

Setor intensificou travagem dos últimos trimestres, com quebra no mercado alemão e francês a justificarem descida. Incerteza provocada pelas tarifas está a inibir novos investimentos.

O setor do alumínio e do aço foi o primeiro a sentir as tarifas de Donald Trump, com o republicano a impor taxas aduaneiras de 25% sobre as importações que chegam aos EUA. Mais um fator de incerteza que está a pesar nos negócios da indústria do alumínio, que baixaram 10% no primeiro trimestre do ano, arrastados, sobretudo, pela quebra da procura na Europa.

“É muito difícil correlacionar a instabilidade que se sente hoje na nossa indústria apenas e só com a questão das tarifas”, explica José Dias, em entrevista ao ECO. O presidente da Associação Portuguesa de Alumínio (APAL) reconhece que “a indústria tem sido já afetada nos últimos dois anos por uma baixa considerável nos consumos“. Um travão na procura justificado pela “quebra na produção dos dois maiores mercados exportadores, nomeadamente França e Alemanha, em relação à qual a indústria portuguesa, naturalmente tem-se ressentido”.

O setor tem vindo em decréscimo e estimamos que este primeiro trimestre tenha havido uma redução de cerca de 10% na atividade geral na indústria do alumínio.

José Dias

Presidente da APAL

Num arranque de ano que foi marcado pelo prolongamento da quebra registada nos trimestres anteriores, José Dias admite que “o setor tem vindo em decréscimo e estimamos que este primeiro trimestre tenha havido uma redução de cerca de 10% na atividade geral, em relação ao último trimestre“, quantifica José Dias, realçando que a travagem sentida pelo setor foi “mais acentuada e mais visível” a partir do segundo trimestre de 2024.

O presidente da associação que representa o setor do alumínio realça, porém, que seria uma “incorreção” atribuir a quebra do primeiro trimestre às tarifas, cujo impacto a associação ainda está a avaliar. “A situação deste primeiro trimestre ocorre em linha com aquilo que já tinha vindo a acontecer nos últimos dois trimestres de 2024, onde se verificou uma quebra bastante considerável nos volumes de produção, essencialmente dirigidos para os dois mercados e com as quebras mais fortes, que são a Alemanha e a França“, justifica o responsável do setor do alumínio. Com uma faturação na ordem dos 600 milhões em 2024, segundo as estimativas da APAL, cerca de 40% deste valor é gerado através da exportação, sobretudo para a Europa. Para os EUA seguem “apenas” 10%, mas o presidente da APAL admite que o impacto das tarifas pode ir além desta percentagem.

O impacto indireto das taxas “será uma questão muito difícil de contabilizar, porque naturalmente um dos setores para o qual nós temos uma produção muito significativa é o setor automóvel”, outro dos setores que está a sofrer com o aumento dos impostos e sobre o qual já é aplicada uma taxa de 25%, à imagem do que acontece com o alumínio e aço.

Assistindo-se à incerteza [criada pela política comercial nos EUA] torna-se estrategicamente muito difícil às empresas redirecionarem as suas atividades para outros mercados que podem e que irão naturalmente surgir caso esta situação nos Estados Unidos se mantenha ou se agrave, mas que naturalmente irá fazer com que as empresas demorem tempo a reagir e a decidir.

José Dias

Presidente da APAL

“Se não se verificar a recuperação desses mercados principais [França e Alemanha], naturalmente que o cenário [para 2025] não será um cenário favorável nem positivo”, admite o responsável. Em relação aos EUA, José Dias considera que “a grande penalização da questão americana é a incerteza que tem criado, quer nos mercados americanos, mas essencialmente nos mercados globais”.

Assistindo-se a essa incerteza, torna-se estrategicamente muito difícil às empresas redirecionarem as suas atividades para outros mercados que podem e que irão naturalmente surgir caso esta situação nos Estados Unidos se mantenha ou se agrave, mas que naturalmente irá fazer com que as empresas demorem tempo a reagir e a decidir. Portanto, há aqui uma dupla penalização na questão americana. Uma delas é incerteza que cria”, sustenta.

A outra penalização “tem a ver com a imprevisibilidade do decisor que hoje toma uma decisão, amanhã toma outra diferente, que não permita às empresas de alguma forma criarem estratégias seguras e sólidas e direcionadas para aquilo que seja”, lamenta.

Dirigindo-se ao caso concreto da indústria nacional, o responsável associativo do alumínio destaca que “Portugal, felizmente, tem essa capacidade e tem esse reconhecimento internacional de ser uma indústria que produz de forma bastante eficiente e com qualidade. Portanto, dentro das dificuldades, poderão aparecer aqui novas oportunidades”. “O grande dano que está a ser criado é precisamente esta volatilidade das decisões que são tomadas e a incerteza relativamente àquilo que sejam as próximas 24 horas. Isso sim é novo para todos”, reforça.

“O que estará aqui em causa pode ser todo o modelo de globalização a que nós temos assistido nas últimas duas décadas”, nota o presidente da APAL, apontando “duas respostas possíveis”. Uma delas é a Europa concertar-se e mobilizar-se para fomentar o seu mercado interno, refere, acrescentando que “não nos podemos esquecer que o mercado europeu é um mercado que tem uma dimensão considerável, é um mercado apetecível que nas últimas décadas também se abriu ao exterior”.

Aposta na sustentabilidade é oportunidade

Donald Trump, presidente dos EUA, está a inverter todas as políticas na área da sustentabilidade.EPA/JIM LO SCALZO

José Dias considera que “o que estará aqui em causa neste momento é tentar perceber qual será a ação da União Europeia no seu conjunto para que a indústria nacional também perceba exatamente qual é o seu caminho, porque naturalmente temos os mercados tradicionais de exportação exclusiva, eu diria assim, nomeadamente as comunidades africanas, que estão diretamente relacionadas ao nosso país, mas fora isso, a nossa tradição exportadora, a não ser em segmentos muito específicos, está diretamente relacionada com aquilo que é a tradição europeia”, explica.

Por isso, diz, “é importante que a Comissão Europeia se decida também sobre qual é a estratégia a seguir, até porque existem muitas outras coisas em causa, que foram de alguma forma abaladas com com as decisões americanas” como a questão da sustentabilidade.

“Temos seguido ao longo da última década uma orientação estratégica muito orientada para a sustentabilidade e para a redução dos consumos carbónicos, que naturalmente que se for abandonada pelo maior mercado mundial, que são os Estados Unidos, poderá obrigar a reconsiderar também a forma como os negócios, os produtos e as estratégias das empresas europeias podem ou não ser feitas”, destaca. Para José Dias, esta é “uma verdadeira oportunidade para a Europa se colocar numa posição muito privilegiada enquanto geografia pioneira na manutenção desse fator de diferenciação que é a sustentabilidade, mas naturalmente isso terá que ser feito dentro do espaço que verifique e que reconheça essa estratégia como um elemento diferenciador positivo”.

José Dias alerta que, “se os Estados Unidos se mantiverem na senda das últimas decisões, o mercado americano será um mercado que não irá reconhecer nem valorizar produtos e serviços orientados para a sustentabilidade”. A definição da estratégia europeia é, assim, considerada fundamental para permitir “às empresas alinharem, orientarem ou redirecionarem as estratégias que têm para então aí sim perceberem se devem focar nas mesmas estratégias, nos mesmos continentes, nas mesmas geografias ou, se porventura, teremos que assistir a uma alteração total daquilo que era a nossa tradição das últimas duas décadas”.

Mercado nacional ajuda indústria

A nível nacional, José Dias refere que estão em andamento várias atividades ligadas ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) “que estão em curso e que até agora não têm tido nenhuma alteração significativa por parte dos agentes”. “Ao nível dos próprios investidores, a Europa e Portugal, no concreto, podem neste momento estar a ser um destino bastante bastante seguro. Independentemente das nossas circunstâncias políticas, continuamos a ser um país com alguma estabilidade ao nível daquilo que são as decisões, as regras e as leis”, acrescenta.

“Admito que esta inconstância e esta volatilidade dos mercados internacionais possam converter-se também numa oportunidade em Portugal para investidores, nomeadamente ao nível do imobiliário e também ao nível das indústrias”, realça o responsável.

José Dias nota ainda que, apesar do momento de desaceleração vivido pelo setor, “para já, na nossa indústria, não [há despedimentos]. Pelo menos relevantes, não”. “Somos uma indústria muito resiliente que tem conseguido sempre que necessário encontrar dentro daquilo que são as oportunidades de negócio, encontrar outras soluções, outros mercados pelo menos que permitam manter ou garantir as atividades, naturalmente abdicando de algum do lucro que está diretamente associado com os níveis de produção que conseguem-se ter neste tipo de indústria quando se está a trabalhar com ocupação total ou com ocupação parcial”, explica, acrescentando que o setor tem sempre “muita dificuldade em fazer grandes alterações” nas suas equipas, “porque sobrevive com recursos humanos que requerem muita formação ao longo do tempo”.

Empresas otimistas para 2025

Apesar do arranque de ano negativo, as empresas estão otimistas para o negócio. Um inquérito realizado pela ERA Group, consultora especializada em otimização de custos, junto dos associados da APAL mostra que dois terços das empresas antecipa um crescimento dos resultados em 2025, com metade destas — 33% — a prever uma subida entre 10% e 30%. Já 24% antecipa uma estabilização e só 10% aponta para uma redução até 10%.

Em relação ao que são as principais ameaças identificadas, 76% das empresas veem a nova administração dos EUA como uma ameaça à estabilidade do setor; 58% continuam a considerar a guerra na Ucrânia como um risco direto à sua atividade; mais de 50% apontam a volatilidade dos custos energéticos e das matérias-primas como o principal desafio à gestão operacional.

Luís Dionísio, partner da ERA Group, atribui estas perspetivas de crescimento do setor ao facto de “estas empresas viverem numa indústria que trabalha para bens de investimento e como tal têm uma continuidade de longo prazo sempre no seu horizonte. Não se assustam com o primeiro balanço”.

Quanto ao momento atual, o especialista refere que “esta é uma crise que as empresas por si só não conseguem atuar sobre o problema que está em causa. Elas podem e devem é trabalhar sobre medidas que mitiguem os efeitos daquele daquele problema. E isso foi claro na última crise”.

Para Luís Dionísio “é claro agora novamente que há que trabalhar na otimização das empresas, na otimização dos resultados, na otimização da eficiência, na otimização dos custos, na otimização das cadeias logísticas“, remata.

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