ECO da Campanha. Partidos já ‘cozinham’ acordos a uma semana das eleições

Antes da pausa para a bola, Montenegro revive pesadelo com uma década e Pedro Nuno Santos treme com o “perigo terrível” daqui a uma semana. Ventura foi apertado por ciganos e aliviado pelo tribunal.

O alerta de Marcelo Rebelo de Sousa de que só vai nomear um Governo se tiver a “certeza de que tem condições para arrancar com o seu programa” – leia-se, passar o primeiro teste no Parlamento – arrastou a campanha para uma acesa troca de declarações sobre potenciais acordos pós-eleitorais e sobre as condições de governabilidade que conseguirão assegurar a partir de 18 de maio.

No final da primeira semana na estrada em que tiveram de dividir as atenções mediáticas com a escolha do novo Papa, e antes do decisivo dérbi no estádio da Luz entre Benfica e Sporting que obrigou a ajustes nas ações programadas para este sábado, as caravanas arriscam passar os derradeiros dias da campanha a ser ‘ignorados’ por mais 333 mil eleitores: os que se inscreveram para depositar antecipadamente o boletim de voto em mobilidade, já este domingo.

Tema quente

Coligações pós-eleitorais: pesadelo com uma década vs. “perigo terrível” daqui a uma semana

Se “é de evitar um Governo que, logo à partida, não tem condições nenhumas para ser viabilizado”, como advertiu o Presidente da República, então os candidatos quase fizeram fila para tentar convencê-lo, desde já, de que “pode ficar descansado”, como referiu Pedro Nuno Santos em Trancoso, puxando dos ‘galões’ da geringonça.

“Um Governo liderado pelo PS vai garantir estabilidade política ao país e diálogo entre todas as forças políticas. Eu, quando estive nos Assuntos Parlamentares a coordenar negociações com quatro partidos, ninguém acreditava que se conseguisse aprovar um e conseguimos aprovar quatro” orçamentos, recordou o secretário-geral socialista.

Pedro Nuno Santos fez campanha na feira semanal de Trancoso.Lusa

Luís Montenegro até começou o dia a recusar traçar cenários ou a esclarecer se viabilizaria um programa de um Governo PS minoritário. Mas depois do almoço já estava a dramatizar o apelo à mobilização para garantir “o reforço das condições de estabilidade e de governabilidade” para a AD.

“Pensem qual é o Governo que querem para não acordarem, como aconteceu há dez anos, na segunda-feira com um Governo diferente daquele que queriam”, disse em Pombal, numa referências às eleições de 2015 em que a coligação PSD/CDS venceu, mas foi o PS de Costa a formar Governo com o apoio da esquerda.

Enquanto André Ventura continua a acreditar que “o Chega não vai ser muleta” porque “vai liderar esse espaço” à direita, em Aveiro, numa loja de ovos moles onde vestiu o avental e cozinhou o tradicional doce aveirense, Rui Rocha mostrou-se disponível para uma “solução de centro-direita, reformista e estável do ponto de vista político”.

O líder da Iniciativa Liberal falou numa “oportunidade única”, ao passo que Pedro Nuno Santos vê na chamada coligação ADIL “um perigo terrível para o país”.

À esquerda, o porta-voz do Livre valorizou o aviso de Belém, traduzindo-o da seguinte forma: “Toda a discussão acerca de quem é que fica em primeiro é completamente espúria; a discussão essencial é quem é que assegura condições de governabilidade”.

“O que estamos a discutir não é quem é que sai em primeiro. Isso é o que vamos discutir no sábado e depois no outro fim de semana no campeonato nacional de futebol. Mas isto não é a Superliga, chama-se parlamentarismo”, equiparou Rui Tavares.

Mariana Mortágua, coordenadora do Bloco de Esquerda, visitou o Bairro de Aldoar, no Porto, onde defendeu a necessidade de alargar a tarifa social da água e propôs a existência de um mínimo garantido de eletricidade para quem tem rendimentos mais baixos.Lusa

 

A figura

André Ventura, ‘apertado’ pelos ciganos e ‘aliviado’ pelo tribunal

Uma “vitória para o Chega” e para a liberdade de expressão, e “uma derrota” para o primeiro-ministro. Foi assim que André Ventura reagiu à decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa de recusar o pedido de Luís Montenegro para a retirada dos cartazes do Chega (e uma compensação de 10 mil euros) em que aparece ao lado do ex-chefe do Governo socialista José Sócrates e associado ao tema da corrupção.

“Espero que Montenegro retire desta decisão do tribunal, em plena campanha eleitoral, as consequências também de que a liberdade tem de ser para garantir, os direitos têm de ser para garantir, e não pode tentar silenciar os adversários. A luta contra a corrupção também ficou salvaguardada”, reclamou.

A providência cautelar que tinha sido apresentada no final de março pelo primeiro-ministro foi agora indeferida. “Perante este contexto de disputa política e de discussão pública” e em que está em causa “a escolha de decisores políticos”, figurando Montenegro como candidato e o Chega como concorrente, refere a decisão que está “em causa o exercício do direito à liberdade de expressão”.

O tribunal considera também que os cartazes não associam diretamente Montenegro à “prática de qualquer facto suscetível de integrar o crime de corrupção”, “nem se afirma que é corrupto”, apesar de surgir ao lado “de um ex-primeiro-ministro que, não obstante ser arguido em processo-crime, beneficia da presunção de inocência”.

Protesto da comunidade cigana contra a caravana do Chega durante uma ação de campanha em Viana do CasteloLusa

 

No entanto, o último dia útil da semana continuou agitado na comitiva do Chega que, pelo terceiro dia consecutivo, se envolveu num momento de tensão com cerca de duas dezenas de elementos da comunidade cigana. Depois de Aveiro e de Braga, desta feita numa feira em Viana do Castelo, no Alto Minho, com estes elementos a gritarem acusações de racismo, fascismo e incitamento ao ódio.

O momento de tensão relatado pela Lusa aconteceu numa altura em que André Ventura se dirigia ao carro para abandonar o local. “Não têm mais nada para fazer do que vir para aqui a toda a hora? Não têm trabalho para fazer? Vão-se embora, vão trabalhar”, atirou Ventura aos manifestantes. Do lado da comitiva do Chega, ouviram-se expressões como “[vão] para a vossa terra, vagabundos”.

 

Os números

Entre 2019 e 2022, isto é, no período de quatro anos em que Pedro Nuno Santos ocupou o cargo de ministro das Infraestruturas – rendeu nestas funções Pedro Marques, que teve de sair do cargo para encabeçar a lista do PS às eleições europeias; e demitiu-se na sequência do caso da indemnização paga pela TAP a Alexandra Reis –, houve 212 greves no setor dos transportes e armazenagem.

De acordo com os cálculos do ECO, a partir dos relatórios do Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, essas paralisações no setor tutelado pelo atual secretário-geral socialista corresponderam a um acumulado de 27.728 trabalhadores em greve e 52.883 dias de trabalho perdidos.

 

A frase

"Parece-nos que Marcelo Rebelo de Sousa, que se tem remetido ao silêncio no caso de tantas outras circunstâncias recentemente no nosso país, podia ter aproveitado para se manter em silêncio e não apelar ao voto útil no PSD.”

Inês de Sousa Real

Porta-voz do PAN

 

Inês de Sousa Real, porta-voz do PAN, durante uma ação de campanha junto à Casa da Música, no PortoLusa

 

A surpresa

Na campanha da CDU, o dia ficou marcado pela entrada de Arménio Carlos numa ação de rua na Amadora. Um dia depois de o debate ‘descarrilar’ com a greve na CP, quando Luís Montenegro admitiu alterações à lei da greve, o antigo secretário-geral da CGTP veio a terreno dizer que “aqueles que andavam com pele de cordeirinhos já começaram a mostrar a verdadeira pele de lobos”.

O histórico sindicalista, que em fevereiro de 2020 foi substituído por Isabel Camarinha à frente da poderosa confederação dos trabalhadores portugueses, advertiu que “as empresas não podem ser um bunker vedado aos sindicatos” nem obrigar a “deixar à porta” os direitos dos trabalhadores.

“A liberdade sindical é um elemento estruturante da democracia, no qual não podemos ceder e pelo qual temos de continuar a lutar”, rematou.

Paulo Raimundo abraço um operário junto à fábrica da EXIDE em Castanheira do Ribatejo, no concelho de Vila Franca de Xira.Lusa 9 maio, 2025

 

Prova dos 9

"Há aqui uma grande dose de incoerência. Eu não sei como é que se pode governar um país com dúvidas, com hesitações, com ziguezagues tão declarados. É preciso ter estabilidade política e na opinião política.”

Luís Montenegro

Líder da AD - Coligação PSD/CDS-PP

Depois de Luís Montenegro ter falado numa greve “absolutamente injusta” na CP e aberto a porta a alterações à lei da greve ao avisar que “um dia vamos ter de pôr cobro a isto” – o que levou Pedro Nuno Santos a atacar o “autoritarismo” e de uma “ameaça inaceitável” –, o candidato da AD aproveitou o comício de quinta-feira à noite, em Santarém, para atacar a “incoerência” e os “ziguezagues tão declarados” do secretário-geral socialista, remetendo para declarações do rival sobre a lei da greve ou as paralisações a coincidir com campanhas eleitorais proferidas enquanto ministro das Infraestruturas.

Luís Montenegro almoçou com autarcas em PombalLusa

Quais as declarações de Pedro Nuno Santos a que Luís Montenegro fez referência? Em abril de 2019, aquando da greve dos motoristas de matérias perigosas que paralisou o país, o então ministro de António Costa disse, em entrevista à TVI, ser preciso “com cautela, sem pôr em causa direitos constitucionalmente consagrados, refletir sobre a lei da greve, sobre a organização sindical, sobre o abastecimento das nossas infraestruturas críticas, sobre a independência energética de Portugal”.

“Há muitos aspetos que devem ser alvo de reflexão: em matéria de serviços mínimos, como fazê-los cumprir, como conseguir recorrer a alternativas. Temos também de refletir sobre a proliferação quase infinita de sindicatos”, referiu então Pedro Nuno Santos.

Por outro lado, o atual líder socialista, que tem acusado o Governo de ter “falhado na negociação” com os sindicatos, recusando a tese da AD de que esta é uma paralisação com motivações políticas pelo aproximar da ida às urnas, referiu a 24 de julho de 2019 ser “[preocupante] que os atos eleitorais, momentos fundamentais na vida democrática de um país, sejam tidos em consideração quando se decide fazer uma contestação ou uma greve”.

Em declarações aos jornalistas, à margem de uma visita às oficinas da CP em Matosinhos, Pedro Nuno reagia a um vídeo no qual o advogado do Sindicato dos Motoristas de Matérias Perigosas dizia ser preciso aproveitar ser ano de eleições para dar força ao protesto.

Confrontado esta sexta-feira, o líder do PS acusou Montenegro de “misturar alhos com bugalhos”, argumentando que nessa altura “foi uma greve que parou o país, que impediu o abastecimento de infraestruturas críticas e em que os serviços mínimos não estavam a ser cumpridos”.

“Estamos a falar de situações completamente diferentes, que não têm comparação”, sublinhou Pedro Nuno Santos, falando aos jornalistas durante uma ação de campanha na feira de Trancoso, no distrito da Guarda.

Conclusão: correto.

Norte-Sul

Luís Montenegro acordou no mercado municipal de Porto de Mós, teve um almoço com autarcas em Pombal, rumou à Praia do Furadouro (Ovar) e terminou o dia num encontro com jovens no Porto, a propósito do Dia da Europa. Já Pedro Nuno Santos visitou a feira de São Bartolomeu (Trancoso) e passou depois pela Guarda e por Chaves, para acabar num comício em Vila Real.

Nos outros partidos, o Chega rumou a Bragança, a Iniciativa Liberal à zona de Aveiro, o Bloco de Esquerda a Braga e a CDU à Amadora e Vila Franca de Xira, antes de se deslocar até ao Alentejo para um comício em Évora.

Rui Tavares visitou o Politécnico de Setúbal durante a manhã e fechou o dia com um comício em Almada, enquanto Inês de Sousa Real ficou por Lisboa.

Este sábado, as ações de campanha dos dois maiores partidos vão acabar mais cedo por causa do dérbi entre Benfica e Sporting, marcado para as 18h, que pode ser decisivo para o título de campeão nacional de futebol.

O PS terá passagem por Santo Tirso, Vila Nova de Famalicão e Bragança, com o comício a acabar antes do início do jogo. E a AD terminará ainda mais cedo, ao início da tarde em Vila Nova de Famalicão, já depois de passar por Viana do Castelo.

Os liberais só têm agenda até à hora de almoço – a partir das 11h, Rui Rocha vai estar na praia de Santo Amaro de Oeiras para uma “manhã desportiva” – e o Livre também tem a última paragem marcada para as 15h com uma visita e reunião com a YouthCoop, no Cacém. André Ventura realiza uma arruada em Vila Real e segue depois para Viseu.

A CDU arranca em Guimarães e à tarde está já na cidade do Porto, onde vai terminar o dia com um comício na estação da Campanhã. O Bloco de Esquerda vai estar na Associação de Moradores da Bouça, igualmente na Invicta, enquanto o PAN arranca de uma ação de rua em Lisboa para Paredes, onde vai ver um jogo feminino de andebol, seguindo depois para Paços de Ferreira e Porto.

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