O país necessita para a sua viabilidade do regresso da política e do regresso das políticas. Soluções estruturadas com vista a corrigir as debilidades da nação.

A campanha eleitoral em Portugal não é a democracia militante em movimento. Se a campanha eleitoral é a tradição degradante de uma caravana sem política, então que se acabe com a tradição que está a acabar com a política.

A campanha eleitoral é sinónimo de velhas tácticas, velhos vícios e novos riscos. Ninguém quer falar dos riscos porque o único risco que os políticos reconhecem é a derrota de não serem eleitos. Quando a política é a auto-celebração das qualidades que ninguém reconhece, a democracia está em risco pela hipocrisia e abrem-se as possibilidades para todas as soluções não democráticas, mas tão genuínas como legítimas. Genuínas e legítimas porque consagradas pelo escrutínio dos votos. Diga-se a propósito que a hipocrisia é o único vício público que não pode ser tolerado porque a confissão de um hipócrita será sempre um acto de hipocrisia. Os políticos têm de perceber que o valor da liberdade é o vínculo invisível que liga os portugueses e os políticos no empreendimento democrático. Os políticos têm de reconhecer que a ambição do poder é apenas o vínculo inconfessável da vaidade individual destituída de qualidades. A campanha eleitoral é a ambição em movimento e a democracia em ornamento.

Quando a esquerda, com um olhar moralista de um antropólogo cosmopolita e de braços cruzados, exibe cidadãos portugueses que vivem sem água e sem luz em bairros sociais inumanos, a esquerda não está a fazer política porque está a explorar a miséria. Quando a direita com um olhar abençoado de um católico cosmopolita e de um sorriso em Cristo se passeia junto a um santuário ou se mistura na penitência dos peregrinos, a direita não está a fazer política porque está a explorar a religião. Estes actos não aproximam os políticos dos portugueses, apenas mostram a fotografia dos políticos em contacto com os portugueses.

O contacto pretende eliminar a distância, mas a distância é a norma da política nacional. Para que os portugueses se reconciliem com os políticos, os políticos têm de ir ao encontro dos desejos e ansiedades dos portugueses – Em política é necessário seguir um povo para se poder liderar um país. Se tal não acontece abrem-se todos os instintos do grande impulso populista. A campanha eleitoral é um arraial triste que invade o país com cenas retiradas de um filme neo-realista com as legendas trocadas de uma comédia de maus costumes.

A campanha eleitoral contemporânea tem o formato das campanhas dos caciques locais onde se distribuía aguardente antes do cabrito com batatas. Só que os meios de comunicação modernos e digitais expõem a miséria moral do adro da aldeia à dimensão inteira de um país. A pobreza e a riqueza. O poder e a dependência. A normalidade e a festa. Os portugueses adoram a atenção dos políticos. Os políticos odeiam a atenção dos portugueses. Leio algures ao ritmo laico do tédio da campanha eleitoral – “Os políticos ocupam-se quase exclusivamente a enganar-se e a enganar-nos, estando eles próprios, para nossa desgraça e desgraça deles, enganados. Os políticos não vivem no mesmo lugar em que nós vivemos, com as mesmas regras e os mesmos fins. O que nós achamos falso ou irracional, eles acham verdadeiro e lógico; o que nós achamos imoral ou indigno, eles acham com certeza conveniente e necessário; o que para nós chamamos princípios ou moral, eles consideram pretensão, irrealismo ou comédia”.

Nesta associação de contrários, neste desencontro democrático, a política em campanha é a encenação de uma proximidade estéril onde promessas são transaccionadas por votos na configuração de um Portugal perfeito. À esquerda é o discurso de que não há esquerda sem a violência tranquila da justiça social. À direita é o discurso de que não há direita sem a mudança tranquila de uma orbital reformista. Nem reformas nem revolução, tudo não passa de um slogan de campanha paralelo ao destino da nação. Na realidade o que sobra e o que conta para consumo imediato são os fantasmas da direita radical, o medo da direita tradicional, o pânico da esquerda radical, o esgotamento da esquerda tradicional, a apologia do voto útil à esquerda, a insinuação do voto útil à direita, mais o voto que conta, a diferença que vota, a rotina artificial dos “votómetros” diários em horário nobre. Na realidade o que sobra são o sobe e desce das campanhas e dos comentários com classificações e notas em consideração à novidade do dia ou ao escândalo da hora. Quando não há política, restam as sondagens.

O país necessita para a sua viabilidade do regresso da política e do regresso das políticas. Soluções estruturadas com vista a corrigir as debilidades da nação. A campanha eleitoral não pode ser um momento delirante de alienação colectiva ou de indiferença democrática. O “escapismo colectivo” é o exemplo da adolescência politica. Quem quiser fazer um catálogo de monstros só tem que guardar as palavras que a campanha nos oferece – zombies e vampiros não são política, mas fantasias totalitárias. Ao longe ainda se consegue ouvir o eco – Pois que viva Portugal.

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Fantasias em campanha

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