“A evolução e a mudança só se fazem com as pessoas e através do exemplo”

João Dolores, CFO da Sonae, reflete sobre o papel que a sua função exige nos dias de hoje, passando por áreas como a transformação e a sustentabilidade.

João Dolores é o homem das finanças na Comissão Executiva da Sonae, e está na shortlist para Chief Financial Officer (CFO) do ano, na 37.ª edição dos IRGAwards, cujos resultados serão conhecidos a 22 de maio.

Em entrevista por escrito ao ECO — parceiro dos IRGAwards, da responsabilidade da Deloitte— João Dolores reflete sobre os desafios atuais da função de CFO, nomeadamente num grupo da dimensão da Sonae. Sustentabilidade, financiamento e mudança são alguns dos temas focados pelo responsável.

A edição deste ano dos IRGAwards tem como mote “Embracing evolution, inspiring change“.

Estamos a viver um ciclo de grande instabilidade geopolítica e económica. Como se gerem ciclos de financiamento, que têm uma lógica de médio/longo prazo, com tanta incerteza e tantos choques num curto espaço de tempo?

Temos de estar preparados para viver num cenário de constante incerteza. Para as empresas, isso significa criarem condições para conseguirem desenvolver o seu negócio e criar valor mesmo em situações de instabilidade a nível geopolítico e económico. A preparação para cenários instáveis pode implicar mudanças nos processos de decisão e nos modelos organizativos, novos perfis de risco e de investimento, formação das pessoas, entre muitas outras ações.

A nível financeiro, o pré-financiamento atempado das necessidades, a manutenção de buffers de segurança e a diversificação das contrapartes financiadoras são importantes para estarmos preparados para enfrentar imprevistos e permitir, a cada momento, explorar oportunidades que surjam.

Na Sonae temos uma cultura muito enraizada de estudar permanentemente as diferentes possibilidades para fazermos mais e melhor, também a nível do financiamento. Temos conseguido manter a nossa solidez financeira apesar dos investimentos materiais concluídos nos últimos anos, preservando uma posição robusta de liquidez. Essa disciplina, aliada a uma gestão de portfólio dinâmica, permite-nos continuar a investir, mesmo num ambiente desafiante, no crescimento dos nossos negócios, bem como na sua transformação e digitalização.

De que forma esta instabilidade tem impactado diretamente a sua função?

A instabilidade atual exige que a função de um CFO vá muito além da gestão financeira. Hoje, o nosso papel é cada vez mais o de promover uma organização mais resiliente e catalisadora do crescimento, num contexto de grande complexidade e com um ritmo de decisão mais acelerado.

No meu caso, a instabilidade não afetou o nosso foco em manter a disciplina orçamental, a saúde financeira e a capacidade de investir de forma seletiva, mas determinada. Diria que veio reforçar a necessidade de trabalharmos em conjunto com os nossos negócios e equipas para termos mais agilidade e rapidez, uma cultura de maior antecipação do risco e uma abordagem mais colaborativa entre as várias áreas de gestão. Acredito que é este equilíbrio que nos permite continuar a criar valor, mesmo em tempos de incerteza.

Com que cenário estão a trabalhar em termos de evolução das taxas de juro e das condições de financiamento em sentido lato?

Não esperamos flutuações significativas nas taxas de juro e nas condições de financiamento. O mercado aponta para a ligeira descida ou manutenção das taxas de juro e os spreads estão estáveis, pelo que trabalhamos com base nesse cenário. A robustez dos nossos negócios, a par do nosso balanço sólido e do perfil de dívida conservador, bem como das coberturas de risco de taxa de juro que temos vindo a implementar, permite-nos ter acesso a financiamento em condições adequadas. Temos uma abordagem ao financiamento que combina diversificação de credores, gestão prudente do risco, pré-financiamento das necessidades e planeamento antecipado de cenários para garantir a resiliência no presente e a capacidade de continuar a criar valor no futuro.

Sendo o tema desta edição dos IRGAwards a evolução e a mudança, que papel podem ter os CFO enquanto agentes de mudança dentro das organizações?

O CFO tem de ser o garante da sustentabilidade do negócio, mas também um facilitador da inovação e do crescimento, com o papel de desafiar os negócios e as equipas, estimulando a sua agilidade e dinâmica.

A evolução e a mudança só se fazem com as pessoas e através do exemplo. Por isso, um CFO deve contribuir ativamente para promover a cultura da empresa e envolver-se pessoalmente na propagação dos seus valores. Na Sonae esse papel torna-se natural porque temos um legado forte para respeitar e preservar, uma missão clara que nos orienta a todos na tomada de decisões e uma cultura forte e assente em valores inegociáveis.

Trabalhamos de forma muito próxima e colaborativa com os nossos negócios, assumindo um papel de desafio e potenciador de oportunidades. É com orgulho que vejo nas nossas empresas processos e equipas cada vez mais ágeis, resilientes e com uma capacidade de resposta de referência, sobretudo em momentos de grande disrupção, como na pandemia ou, mais recentemente e noutra escala, no apagão.

Acredito, ainda, que os CFO podem e devem ser promotores do futuro sustentável dos negócios, nomeadamente acelerando medidas de valorização do capital social e natural. A título de exemplo, na Sonae cerca de 90% do nosso financiamento de longo prazo já está indexado a critérios ESG, o que reflete a nossa convicção de que sustentabilidade e desempenho financeiro são, cada vez mais, indissociáveis.

Nem acelerámos esta agenda [de sustentabilidade] por se ter tornado mais mediática nos últimos anos, nem a colocamos hoje em causa ao assistir à forma como várias entidades têm retrocedido num novo quadro geopolítico

João Dolores

CFO da Sonae

Com a evolução dos temas de ESG, este elemento ganha maior peso nas decisões de investimento?

A Sonae tem uma estratégia de sustentabilidade muito bem definida e que está totalmente integrada na estratégia global do Grupo há vários anos. Nem acelerámos esta agenda por se ter tornado mais mediática nos últimos anos, nem a colocamos hoje em causa ao assistir à forma como várias entidades têm retrocedido num novo quadro geopolítico. A criação de valor social e ambiental tem para nós a mesma relevância da criação de valor económico. Isso está bem patente na nossa missão e reflete-se de forma clara nas nossas decisões de investimento e de gestão dos negócios. A forma como encaramos o nosso crescimento é alavancado nos nossos valores e tem por base uma gestão responsável, ética e transparente, privilegiando requisitos ambientais, sociais e de governança na tomada de decisão. Um bom exemplo é a forma como temos adicionado critérios ESG sistémicos na avaliação de potenciais investimentos. Hoje só investimos em negócios que cumpram elevados padrões de governança, sustentabilidade ambiental, respeito pelas pessoas e apoio às comunidades. Somos um Grupo que projeta o seu futuro a longo prazo e esta é a única forma de gerir com essa perspetiva.

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