Caravanas andaram em ‘ponto morto’ e a reboque da AD na campanha eleitoral

Comitivas partidárias percorreram o país durante 13 dias, com incidentes e mobilização, mas sem conseguirem ‘aquecer os motores’ da influência no voto para alterar a geometria parlamentar.

Termina esta sexta-feira a campanha eleitoral para as legislativas antecipadas de 18 de maio, em que a temperatura nunca chegou a subir ao ponto de ferver, as surpresas não abundaram nem arrebataram e que foi mais dominada pelo entusiasmo artificial criado pelas máquinas partidárias e pela discussão sobre os cenários de governabilidade do que pela diferença entre as propostas previstas nos programas. Após 13 dias com as comitivas na estrada, os especialistas ouvidos pelo ECO avaliam esta campanha “morna” que voltou a percorrer o país de norte a sul.

Fechado o período de pré-campanha em que os debates foram menos acompanhados pelos portugueses – em 2024 houve quatro com audiência média superior a um milhão de espetadores e desta vez apenas dois superaram essa fasquia –, nestas duas semanas, os partidos tiveram também de partilhar o palco mediático com outros acontecimentos. Foi o caso da eleição do Papa Leão XIV, das decisões do campeonato de futebol ou da greve na CP, mesmo que alguns tenham sido ‘puxados’ para a arena política. Aliás, ainda na pré-campanha, o apagão energético de 28 de abril já roubara o palco durante vários ciclos noticiosos.

“Foi uma campanha um pouco mais fraca do que a do ano passado, mais dominada pela governabilidade, com acusações mútuas e menos substantiva em termos de propostas. Mesmo que o objetivo da campanha seja mais mobilizar os eleitores do que influenciar o seu sentido de voto – esse impacto é mais diminuto –, cabe aos partidos serem claros quanto ao que vêm. Nesse sentido, a campanha foi menos mobilizadora”, resume Filipa Raimundo, professora do ISCTE.

Para a especialista em Ciência Política, “o facto de estarmos sistematicamente numa campanha negativa, evasiva, mas ao mesmo tempo insistindo na questão do voto útil e da governabilidade, põe de parte outras questões” como a economia, elenca. “As campanhas de rua também são o que são: os candidatos precisam de aparecer e têm muito mais o objetivo de trazer visibilidade e tentar mobilizar, do que propriamente influenciar o voto”, concede.

Com a montra da campanha em curso este ano o discurso de dramatização do apelo ao voto chegou mais cedo. Utilizado normalmente na reta final, foi ouvido desta vez desde a primeira semana, com alertas sobre a estabilidade do day after. Os líderes partidários chegaram a ser chamados à atenção pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, para que “expliquem” como é que “vão pôr no terreno” as medidas que prometem e, “com que base de apoio, para que não haja crises governativas”.

A campanha não foi esclarecedora, por isso não é expectável numa grande mudança face à geometria parlamentar de 2024. Foi mais para a oposição aguentar perdas, enquanto a AD só deve conseguir ganhos ligeiros.

Bruno Costa

Professor da Universidade da Beira Interior

Bruno Costa concorda que a campanha foi “mais morna do que seria expectável, muito centrada no velho estilo com muitos encontros com militantes e apoiantes que já estão convencidos em quem votar e sem falar muito para fora, para os indecisos”. O professor de Ciência Política da Universidade da Beira Interior (UBI) arrisca que isso tenha acontecido “talvez por causa da estabilização das sondagens, que apontavam para uma AD mais confortável”, o que pode ter “amenizado o ambiente da campanha, que ficou aquém de ser uma dinâmica e vigorosa”.

E terá sido a campanha útil para esclarecer o eleitorado? “Não foi esclarecedora, por isso não é expectável numa grande mudança face à geometria parlamentar de 2024. Permitiu cimentar o eleitorado, em vez de conquistar novos eleitores. O PS está a lutar por uma margem de eleitorado fixo, mas está a ter muita dificuldade em mobilizar eleitorado mais volátil. Esta campanha foi mais para a oposição aguentar perdas, enquanto a AD só deve conseguir ganhos ligeiros”, responde Bruno Costa.

Exemplo disso é o número de indecisos, que continua elevado. De acordo com a sondagem da Pitagórica para o Jornal de Notícias, a TSF, a TVI e a CNN Portugal, divulgada na quarta-feira, 19,1% dos eleitores ainda não sabem em quem votar, o que compara com os quase 20% registados um dia depois do arranque oficial da campanha.

“Esta campanha não difere fundamentalmente da anterior. A conjuntura evidentemente é diferente. Temos eleições provocadas por um problema pessoal do primeiro-ministro, o que levou à queda do Governo e se transformou numa crise. No entanto, além do caso Spinumviva, tudo o resto não teve uma diferença significativa. Os partidos reforçaram a sua mensagem, os temas não se alteraram. A campanha não teve nenhuma característica especial”, avalia António Costa Pinto, investigador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-UL).

Não estranhando a falta de novidade por ter passado pouco tempo desde o último ato eleitoral, os projetos eleitorais serem uma continuidade e haver também um “desgaste”, Paula Espírito Santo, professora do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCSP) alerta que “a repetição desses argumentos pode provocar um desligamento da população”, mobilizando mais para as urnas aqueles que buscam “mais estabilidade”.

Montenegro, líder ou “insensível”?

Com o PS sempre a correr atrás do prejuízo nas sondagens que foram sendo publicadas, excluindo o caso Spinumviva que andou sempre a pairar sobre a campanha da AD, acabaram por ser os acontecimentos políticos – como o almoço que juntou os ex-líderes do PSD e deixou a direita a disputar as ideias de Passos Coelhoe os temas introduzidos pelo incumbente Luís Montenegro os mais debatidos: desde a expulsão de imigrantes às benesses para os pensionistas, passando pela potencial coligação com os liberais ou as alterações à lei da greve quando milhares ficaram sem comboio para chegar ao trabalho.

Filipa Raimundo explicita que foi a coligação entre PSD e CDS que “marcou mais a agenda”, dando o exemplo da imigração – “o tema mais marcante, com algum potencial de influenciar os resultados e que a AD tentou capitalizar, esvaziando essa bandeira do Chega” – e dos pensionistas. Um eleitorado mais numeroso e que se consegue “mobilizar mais facilmente”, em comparação com os jovens, com Montenegro a “tentar tirar proveito de algumas medidas que aprovou para reconquistar” parte dos votos dos mais velhos, perdidos durante o período da troika.

A AD foi a força partidária que mais marcou a agenda nesta campanha eleitoral, sobretudo na questão da imigração e também no tema dos pensionistas.

Filipa Raimundo

Professora do ISCTE

Corroborando que, “apesar de tudo, a AD demonstrou alguma vitalidade e confiança, socorrendo-se das medidas que adotou nos últimos 11 meses e alegando que o caminho foi interrompido”, na retina de Bruno Costa ficaram dois episódios “penalizadores” em que Montenegro “mostrou alguma insensibilidade” e estar até “desfasado da realidade e das preocupações” do povo. “Quando confrontado com uma pensionista com uma reforma muito baixa, respondeu que era o resultado da carreira contributiva; e a uma pessoa de etnia cigana que tinha fome disse que tinha de ir trabalhar”, concretizou.

De resto, o professor da UBI viu a coligação liderada pelo PCP “surpreender” ao nível da mobilização e da prestação do secretário-geral, Paulo Raimundo. À direita, a colega do ISCSP destaca ainda Rui Rocha, da Iniciativa Liberal. Por outro lado, ainda antes dos episódios de saúde relacionados com André Ventura que amplificaram o “tempo de antena” e “podem levar a uma mobilização maior”, já o partido tinha conseguido contrariar a “expectativa de esvaziamento” e saído “favorecido” dos protestos da comunidade cigana em consecutivas ações de campanha, que deram “madeira para o incêndio que é a campanha do Chega”, completa Bruno Costa.

“Tivemos as habituais arruadas que acabam por não ter um efeito mobilizador, não desencadeiam momentos novos. É um bocado mais do mesmo e depois os candidatos e líderes caem em trivialidades como andar de mota, dar mergulhos ou jogar vólei de praia”, sublinha Paula Espírito Santo, numa referência a ações de campanha de Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro. Já na fase final da campanha ficou “evidente” o apelo ao voto e a necessidade de os partidos apontarem a possíveis coligações ou entendimentos pós-eleitorais.

As arruadas não desencadeiam momentos novos e depois os candidatos e líderes caem em trivialidades como andar de mota, dar mergulhos ou jogar vólei de praia.

Paula Espírito Santo

Professora do ISCSP

No que toca ao formato da campanha eleitoral, que nesta reta final e durante algumas horas foi contaminada pelo avanço de Gouveia e Melo para Belém, criticado pelos partidos, Bruno Costa lamenta que os partidos continuem a “fazer o roteiro nacional a falar para pessoas já convencidas” e a “jogar pelo seguro para garantir imagens e notícias para os noticiários da noite nas televisões”. Notória, para este analista político, foi a maior preocupação dos partidos em marcarem presença em locais onde a máquina partidária funciona.

Este ano, Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos optaram por “fugir ao escrutínio dos média tradicionais” ao não darem grandes entrevistas aos jornais ou participarem no debate a dois que tinha sido proposto pelas rádios. Isto é, interpreta o politólogo, houve um “esforço dos atores políticos em mostrarem um lado mais humano e familiar, daí preferirem ir aos programas [televisivos] da manhã ou da tarde e aos podcasts de humoristas, onde encontram um eleitorado mais descontraído”.

“Têm consciência do impacto que isso pode ter. São também partidos que têm tentado entrar e fazer uso das redes sociais, mas com uma distância muito grande face ao Chega, que tem outra capacidade de entrar em determinados meios. Essas alternativas são vistas como uma forma de chegar àquele que acreditam ser mais o seu eleitorado, que ainda vê televisão e não será tão jovem”, remata Filipa Raimundo, investigadora do lisboeta ISCTE.

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