“Recente instabilidade aumenta a pressão na gestão financeira” da CGD

Paula Geada, CFO da Caixa Geral de Depósitos, reflete sobre o papel que a sua função exige, e lembra os recentes desafios, desde os juros negativos à pandemia, passando pela guerra na Europa.

Paula Geada tem a pasta das finanças na Comissão Executiva da Caixa Geral de Depósitos, e está na shortlist para Chief Financial Officer (CFO) do ano, na 37.ª edição dos IRGAwards, cujos resultados serão conhecidos a 22 de maio.

Em entrevista por escrito ao ECO — parceiro dos IRGAwards, da responsabilidade da Deloitte — Paula Geada reflete sobre os desafios atuais da função de CFO, e recorda os processos de adaptação exigidos ao setor financeiro e não só, nos últimos anos: “um cenário de taxas de juro negativas, situação anómala nos mercados financeiros; uma pandemia que nos obrigou a adaptar a gestão operacional, financeira e de risco de crédito da Caixa para manter o serviço de excelência para com os nossos clientes sem comprometermos a gestão do balanço da Caixa; e pressões inflacionistas após a pandemia, e o escalar da guerra na Ucrânia, que impulsionaram a subida das taxas de juro“.

A edição deste ano dos IRGAwards tem como mote “Embracing evolution, inspiring change”.

Estamos a viver um ciclo de grande instabilidade geopolítica e económica. Como se gerem ciclos de financiamento, que têm uma lógica de médio/longo prazo, com tanta incerteza e tantos choques num curto espaço de tempo?

A Caixa Geral de Depósitos realizou, nos últimos oito anos, um processo de transformação que foi considerado um dos mais bem-sucedidos do setor bancário europeu. De facto, a Caixa passou por diferentes cenários de incerteza, tendo criado competências e resiliência para gerir ciclos de crescente instabilidade.

Assim, e de forma resumida, tivemos que gerir (i) um cenário de taxas de juro negativas, situação anómala nos mercados financeiros, (ii) uma pandemia que nos obrigou a adaptar a gestão operacional, financeira e de risco de crédito da Caixa para manter o serviço de excelência para com os nossos clientes sem comprometermos a gestão do balanço da Caixa e (iii) pressões inflacionistas após a pandemia, e o escalar da guerra na Ucrânia, que impulsionaram a subida das taxas de juro, tendo a Caixa criado soluções adequadas com renegociação dos créditos quando necessário e não tendo recebido nos últimos anos imóveis dos seus clientes.

Atualmente, com o contexto de aumento significativo de tarifas comerciais por parte dos EUA, a par da persistência de conflitos militares, volta a aumentar a incerteza acerca do equilíbrio económico das várias potências, dos impactos na economia global, designadamente na evolução do crescimento económico, da evolução das taxas de inflação e das taxas de juro, bem como dos efeitos ao nível da confiança dos consumidores e das empresas.

Nesta conjuntura, ganha particular relevância a importância que a Caixa coloca na gestão apropriada dos diferentes riscos bem como a gestão integrada de ativos e passivos, recorrendo a estratégias adequadas de cobertura de risco. Mantém uma estratégia de diversificação do risco das diferentes operações realizadas, com foco na qualidade creditícia individual e diversificada em diferentes setores de atividade, mantendo uma preponderância no fomento de médio e longo prazo.

Fruto da experiência acumulada na gestão de crises anteriores, a Caixa criou rácios de capitais e buffers de liquidez robustos que, conjugados com uma gestão prudente dos diversos riscos a que o Banco está exposto, permitem suportar choques exógenos. Neste propósito e apesar da maior instabilidade sentida como acima resumida, efetuou o reembolso integral do valor da sua recapitalização em 2017 em dinheiro e reembolsou as emissões privadas, reduzindo o recurso ao mercado. Esta solidez financeira foi a base para que, nos dois últimos anos, a Caixa tenha conseguido dinamizar sucessivos upgrades ao seu rating junto das várias agências de rating com que trabalhamos.

Possuímos uma base de clientes sólida, o maior volume de negócios da banca nacional, um nível de incumprimento dos mais baixos da Europa, e uma reputação distinguida por diversas entidades, que validam a excelência do serviço prestado aos clientes e empresas, conferindo-lhe resiliência, também ao nível comercial.

Assim, gostava de destacar que a Caixa gere o curto prazo alicerçada numa visão de longo prazo, cumprindo a sua missão de servir os portugueses e a economia nacional no dia-a-dia, mas sempre fiel à necessidade de transformação e inovação do Banco, designadamente na introdução de novas tecnologias e melhor serviço sem o qual não pode haver liderança de mercado.

De que forma esta instabilidade tem impactado diretamente a sua função?

Na minha função de CFO, a recente instabilidade aumenta a pressão na gestão financeira do maior banco português, cuja atividade deve influenciar positivamente a economia, nomeadamente, o negócio das empresas e da gestão financeira das famílias. Perante tal instabilidade, temos tomado decisões rápidas e adequadas para mitigar os efeitos negativos daí resultantes, focados em promover a estabilidade económica do país, em paralelo com a melhoria do serviço aos clientes.

Na minha função é crucial manter atenção à cobertura de risco, à maior eficiência por via da digitalização e da Inteligência Artificial e manter a estabilidade no nível de dividendos e solvabilidade. Na Caixa nos últimos três anos mantivemos o preçário das comissões e, em 2023, logo no início da fase ascendente das taxas de juro, aumentámos a remuneração dos depósitos.

Na minha função é essencial promover uma gestão coordenada e uma cultura de colaboração com toda a equipa de gestão, envolvendo igualmente todos os colaboradores. Situação que, em contextos adversos, se torna essencial para o equilíbrio financeira e a resiliência da Caixa.

Prevemos para 2025 continuação de maior rendimento disponível nas famílias, à semelhança de 2024, por via do aumento dos salários, diminuição da taxa de desemprego e da taxa de juro e para as empresas menores encargos financeiros

Paula Geada

CFO da Caixa Geral de Depósitos

Com que cenário estão a trabalhar em termos de evolução das taxas de juro e das condições de financiamento em sentido lato?

O Banco Central Europeu (BCE), no mês de abril, voltou a reduzir as taxas diretoras em 25 p.b., ficando a taxa de juro da facilidade de depósito em 2,25%, o nível mais baixo desde janeiro de 2023. O BCE reconhece que o processo de desinflação se encontra bem encaminhado, antecipando que a inflação atinja o objetivo de médio prazo no valor de 2%. Tendo em conta esta trajetória de abrandamento da inflação e a expectativa de crescimento económico abaixo do potencial, o BCE e os investidores antecipam a continuação de uma trajetória gradual de descida das taxas diretoras no curto prazo.

Neste contexto, é nossa expectativa que esta redução das taxas de juro potencie o crescimento do consumo privado e do investimento, e aumente a resiliência dos clientes. Por outro lado, o atual contexto geopolítico e económico aumenta a incerteza, podendo influenciar de forma negativa a confiança dos agentes económicos e a sua apetência ao risco. A Caixa dará uma resposta ajustada por via da sua oferta, e procuraremos satisfazer as necessidades dos nossos clientes neste novo enquadramento. Mas prevemos para 2025 continuação de maior rendimento disponível nas famílias, à semelhança de 2024, por via do aumento dos salários, diminuição da taxa de desemprego e da taxa de juro e para as empresas menores encargos financeiros.

Sendo o tema desta edição dos IRGAwards a evolução e a mudança, que papel podem ter os CFO enquanto agentes de mudança dentro das organizações?

Acredito que todos têm de ser agentes da mudança numa organização, cada um dentro das suas competências, mas em relação com toda a estrutura e em alinhamento com a missão e a estratégia do Banco. Assim, o CFO não é exceção.

Na Caixa todos somos incentivados a ser agentes de mudança e os resultados alcançados nos últimos anos, designadamente em termos de liderança, comprovam que somos um Banco que acompanha as mudanças da sociedade, as exigências da regulação e as necessidades dos clientes, com crescente volume de negócios depois das desalavancagens feitas. Cada vez mais, é necessário agir de forma rápida e coordenada, para responder à constante mudança da conjuntura económica, política, social e tecnológica. Na Caixa acreditamos que temos de ir para além da análise e do planeamento, é necessário ação, implementação e rapidez.

O CFO, na sua função e relação com toda a estrutura organizativa e com o mercado, está permanentemente a ser agente de mudança. Considero que o CFO tem um papel crítico na gestão dos maiores desafios que se colocam ao setor bancário e à Caixa em particular. Destaco o papel de challenging no âmbito do exercício orçamental e no controlo de custos.

Com a evolução dos temas de ESG, este elemento ganha maior peso nas decisões de investimento?

A Política de Financiamento Sustentável e Transição Energética da Caixa estabelece um conjunto de princípios e regras gerais que orientam e incentivam o financiamento de projetos mais sustentáveis, bem como a respetiva classificação desse financiamento. Esta política visa mobilizar fluxos de capital e opções de financiamento para o desenvolvimento de uma economia mais sustentável e inclusiva. Entre os princípios destacados estão: (i) apoiar a transição para uma economia de baixo carbono; (ii) desenvolver produtos e serviços financeiros que contribuam para objetivos ambientais ou sociais e (iii) avaliar continuamente os Clientes em termos de sustentabilidade, integrando critérios ESG no processo de análise e decisão de crédito.

Neste âmbito, e porque efetivamente os temas ESG têm um peso significativamente maior no interesse dos nossos clientes e, por conseguinte, no nosso modelo de negócio, a Caixa tem desenvolvido vários produtos de financiamento e investimento com características ESG, apoiando desta forma os clientes que pretendem fazer opções de investimento mais sustentáveis. Outra dimensão do envolvimento da Caixa nos temas ESG, consubstanciou-se no desenvolvimento de um modelo de Rating ESG atribuído a grandes empresas, PME e pequenos negócios. Este rating considera as três dimensões da sustentabilidade (Ambiental, Social e Governance) e é baseado na abordagem de exposição ao risco ESG. O rating ESG permite avaliar e hierarquizar as empresas em termos de sustentabilidade, podendo influenciar favoravelmente o pricing do crédito, para Clientes com um rating ESG forte ou bom. Esta medida visa incentivar práticas sustentáveis entre os Clientes da Caixa.

Em sede de análise e concessão de crédito, a Caixa já incorpora avaliações de desempenho ESG das contrapartes (através do rating ESG), bem como os potenciais riscos físicos ou de transição climática do projeto a financiar. Relativamente às empresas que operam em setores intensivos em carbono, o grande objetivo da Caixa é financiar a transição energética e a adaptação dos seus modelos de negócio para modelos económicos de baixo carbono, mais eficientes e sustentáveis.

A Caixa foi ainda pioneira na emissão de obrigações sustentáveis e verdes, pelo que trabalha na oferta de produtos sustentáveis junto dos seus Clientes, permitindo assim a geração de ativos elegíeis para futuras emissões de dívida sustentáveis.

Estas iniciativas demonstram o compromisso da Caixa em integrar fatores ESG no seu modelo de financiamento, promovendo uma economia mais sustentável e responsável.

Também na gestão de fundos de investimento e fundos de pensões, a Caixa acompanha as tendências e as melhores práticas internacionais no domínio do desenvolvimento sustentável. A Caixa Gestão de Ativos reforçou a realização de Investimentos Socialmente Responsáveis e em 2024 93,1% dos Fundos de Investimento mobiliários estavam classificados como Art. 8.º ou Art. 9.º de acordo com o regulamento SFDR.

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