O erro de Pedro Nuno Santos foi acreditar que o futuro era já

O principal erro estratégico de Pedro Nuno Santos foi acreditar que o futuro tem de ser já, em vez de dar tempo para as coisas acontecerem no seu tempo certo.

Os slogans dos partidos para as campanhas eleitorais costumam ser algo banais, desenhados para transmitirem promessas grandiosas (fazer, limpar, proteger, salvar) ou, cada vez mais, emitirem alertas urgentes sobre perigos (o Governo, os imigrantes, os ricos, os corruptos). De vez em quando são compostos por ideias que soam bem mas não têm grande lógica ou realismo. “Portugal não pode parar”, exclamava a AD. Mas como é que um país para? Fica estátua como nos jogos das crianças? “Livre: a escolha que garante o futuro”. Como assim? O futuro vai existir sempre, como é que um partido o garante?

O mais estranho slogan destas legislativas foi, no entanto, o do PS: “o futuro é já”. Claro que foi uma tentativa de mostrar a urgência de tomar decisões já para precaver o futuro, mas não inibe uma crítica simples: o futuro não é já, é no futuro, e o que é já é já, não é no futuro. Desde o início da pré-campanha alguma coisa me irritou nesta frase socialista. Durante algum tempo pensei que fosse por estar plasmada em outdoors ao lado de uma foto de Pedro Nuno Santos com uma camisola de gola alta preta e o braço esquerdo levantado. Achei bizarro e de mau gosto, ouvi a mesma opinião de várias pessoas e, portanto, arquivei o assunto. Até ontem. Quando comecei a ouvir o discurso de derrota do líder socialista apercebi-me de porque é que aquela pequena frase me tinha perturbado tanto. Foi porque resume o principal erro estratégico de Pedro Nuno Santos: acreditar que o futuro tem de ser já, em vez de dar tempo para as coisas acontecerem no seu tempo certo.

Façamos um rewind rápido para demonstrar esta noção. Há várias razões por trás da hecatombe que o PS sofreu nas eleições de domingo. Uma das principais é que claramente não era o tempo certo para o partido concorrer a eleições. Na primeira ida às urnas como líder, nas legislativas de março de 2024, Pedro Nuno Santos conseguiu um resultado surpreendente. Com pouco tempo de preparação após as internas e a lutar contra o desgaste provocado por oito anos de governação socialista, o partido praticamente empatou com a AD, falhando a vitória por margem mínima. Em junho desse ano, deu um passo ainda melhor ao derrotar a AD nas europeias. Nada leva a crer que Pedro Nuno Santos tenha embandeirado em arco, ficado deslumbrado pelos resultados e tido a vontade de acelerar o processo de pressão ao Governo.

Mas, de repente, surge a polémica sobre a Spinumviva e tudo muda. Apesar de cautela inicial, a pressão do Chega sobre o Governo obriga o PS a agir. Não viabiliza as moções de censura mas, como se tivesse um repentino ataque de FOMO (fear of missing out, ou medo de ficar de fora) avança com uma CPI de legalidade dúbia e, pior, força o Governo a reagir. Pedro Nuno Santos estava perfeitamente ciente que a jogada poderia levar a eleições e, provavelmente, queria que levasse. Foi esse o erro, achar que o futuro era já, que o timing da queda do Governo tinha de ser esse e não mais tarde, quando Montenegro poderia estar ainda mais fragilizado e o PS ganho tempo para se restabelecer e reorganizar. O resultado desse erro esteve à vista no domingo, um massacre.

Mas essa falta de paciência não é nova. Em junho de 2022, Pedro Nuno Santos era ministro das Infraestruturas e fartou-se de esperar por uma decisão sobre a localização do novo aeroporto de Lisboa e portanto decidiu as localizações e emitiu um despacho. Um impasse de décadas resolvido rapidamente. Ou não. A ausência de consenso prévio com o PSD e, mais importante, não ter sido informado da decisão antes, enfureceu António Costa, que revogou o despacho. O futuro do aeroporto era já, para Pedro Nuno Santos, e não quando fosse politicamente apropriado. O erro acabou por colocar a carreira ministerial a prazo pois, fragilizado, demitiu-se em dezembro desse ano devido à polémica sobre a indemnização paga a Alexandra Reis.

Na política, timing é tudo, uma noção que mesmo com toda a sua experiência Pedro Nuno Santos parece não ter percebido. Se calhar falaram mais alto outras características, como a irritante certeza permanente da posse da razão, ou a forma de falar como se os outros tivessem dificuldade em compreender. Sem timing e sem likeability, o secretário-geral do PS não conseguiu ultrapassar os outros desafios – uma extrema-direita ágil e agressiva, um centro-direita resistente a escândalos e o desgaste socialista.

Sem querer entrar em análise muito longa (ainda) sobre o que vão ser os próximos meses e anos neste novo contexto partidário perigoso, uma coisa é clara. O erro de Pedro Nuno Santos vai obrigar o seu sucessor a ser tão paciente que terá de atravessar um deserto. O problema é que nem todos sobrevivem esse tipo de viagem, muitos ficam pelo caminho, como por exemplo os socialistas franceses.

A parte mais preocupante do discurso de Pedro Nuno Santos no domingo foi o “até breve”. Vindo de um homem que não tem noção do tempo, teria sido muito menos alarmante ouvir “adeus”.

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