Reduzir impostos ou reduzir despesa pública primeiro?

Esta pergunta é muito relevante e deveria ter estado no centro do debate para as eleições legislativas que ocorreram este fim de semana.

Reduzir impostos ou reduzir despesa pública primeiro? Esta pergunta é muito relevante e deveria ter estado no centro do debate para as eleições legislativas que ontem ocorreram. Infelizmente o Pais caminha para atos legislativos cada vez mais assentes em campanhas próximas das que assisti e assisto nas eleições para associações de estudantes, descurando-se assim a necessária discussão séria sobre o futuro económico e fiscal de Portugal.

Vamos por partes, estruturando uma breve análise da situação fiscal e orçamental do Pais, com base em dados comparativos entre Portugal e a média da União Europeia (UE):

1. Despesa do Estado vs Impostos (Portugal vs UE)

Em termos de carga fiscal, em 2023, em Portugal a mesma foi de cerca de 36,5% do PIB, abaixo da média da UE (41,2%) e da zona euro (41,9%) (Eurostat). A Despesa pública total em Portugal é de cerca de 45,6% do PIB (2023), o que é inferior à média da zona euro (cerca de 50%), mas com menor eficiência em vários domínios, como saúde, justiça e administração pública.

Logo, Portugal arrecada menos impostos do que a média da UE, mas também apresenta menor retorno em serviços públicos por euro gasto, sugerindo claros problemas de eficiência, ou seja, falta de capacidade de gestão dos recursos.

2. Número de Funcionários Públicos

Em Portugal tínhamos cerca de 745 mil funcionários públicos em 2023, ou seja, aproximadamente 14,5% da população ativa. Na UE este valor varia bastante, mas a média ronda os 16% da população ativa (OCDE, Eurostat). Assim, Portugal tem relativamente menos funcionários públicos do que muitos países europeus, havendo, contudo, muitos problemas ligados à sua distribuição, produtividade e excesso em certos setores da máquina administrativa do Estado.

3. Formação Média dos Funcionários Públicos

A formação média é superior ao setor privado, com forte presença de licenciados e mestrados, principalmente na saúde e educação. No entanto, a formação contínua e digitalização são deficitárias, sobretudo nas áreas administrativas e municipais (OCDE, SIGMA reports). Há pois qualificação formal, mas falta atualização técnica e competências em gestão, tecnologia e eficiência de processos.

4. Despesa do Estado Central vs Municípios

Portugal tem forte centralização da despesa pública, pois cerca de 92% desta é da responsabilidade do Estado central e apenas 8% dos municípios (INE, DGAL). Na UE, a média municipal ronda os 25-30% da despesa pública, com maior autonomia local e capacidade de investimento. Portugal está assim entre os países mais centralizados da UE, o que compromete a eficácia da gestão local e a adaptação de políticas públicas às realidades regionais.

5. Investimento Público vs Despesa Corrente

Em 2023, Portugal investiu cerca de 2,3% do PIB em investimento público (infraestruturas, escolas, transportes). A despesa corrente representa cerca de 90% da despesa pública, dominada por salários, pensões e prestações sociais. Tal conduz a que o espaço para investimento é reduzido, o que limita o crescimento futuro e a modernização do Estado.

E então como responder à questão: É mesmo necessário reduzir impostos ou começar por reduzir despesa e pagar a dívida e depois tratar da redução da carga fiscal?

Argumentos a favor de reduzir impostos:

  • Estimula investimento e produtividade no setor privado.
  • Atrai talento e capital estrangeiro.
  • Combate o excessivo peso da carga fiscal sobre a classe média e empresas.

Argumentos a favor de reduzir despesa e pagar dívida:

  • Portugal tem uma dívida pública ainda elevada (de cerca de 99% do PIB).
  • Juros da dívida absorvem cada vez mais recursos públicos.
  • Sem reduzir despesa, não há espaço orçamental sustentável para cortar impostos.

Em conclusão, não me parece ser sustentável reduzir impostos, sem primeiro reformar e reduzir a despesa pública ineficiente.

É, assim, necessário:

  • Reformar a máquina do Estado, com foco nos três D’s (digitalização, descentralização e avaliação de desempenho).
  • Reduzir a despesa corrente improdutiva, especialmente onde há duplicações ou ineficiências.
  • Continuar a reduzir a dívida pública em % do PIB, mantendo um plano de consolidação orçamental até que a mesma atinja valores abaixo dos 60% do PIB.
  • Aumentar o investimento público inteligente (educação, inovação, infraestruturas).

E só depois será possível levar a cabo as reduções estruturais de impostos que não comprometam a sustentabilidade das contas públicas, substituindo as meras politicas de substituição de impostos por taxas, por impostos indiretos ou por novos impostos (nomeadamente os “verdes”).

Em suma, quando se vai querer tratar da gestão do País de forma séria e capaz de alterar a trajetória descendente do mesmo?

Referências Bibliográficas:

Eurostat (2024). Government revenue, expenditure and main aggregates. Disponível em: https://ec.europa.eu/eurostat/

Banco de Portugal (2024). Boletim Estatístico. Lisboa.

DGAEP (2023). Relatório do Emprego Público. Lisboa.

OCDE/SIGMA (2022). Public Administration Reform Assessment Report: Portugal.

INE; DGAL (2023). Estatísticas das Autarquias Locais.

 

  • Colunista convidado. Economista e professor na FEP e na PBS

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