Vítor Bento, economista, defende que a estabilidade política "não é um fim em si", e deve servir para fazer as transformações de que o país precisa.
Vítor Bento tem um longo percurso enquanto economista, gestor e professor, e olha com expectativa para o atual momento da economia portuguesa. Em entrevista ao ECO, por ocasião dos IRGAwards 2025 – dos quais é Presidente do Júri – fala do valor da estabilidade política interna e de que tal só será produtivo se resultar em transformações estruturais importantes.
Defende ainda que os portugueses já demonstraram grande capacidade de transformação, ainda que pareça que precisamos sempre de um estado de emergência para o fazer. “Nós, em momentos de dificuldade, ajustamos. Precisamos é de lideranças que sejam capazes de utilizar essas nossas capacidades e não se deixem ir atrás de cantos de sereias”, afirma.
Sobre o atual momento da economia nacional, diz que devemos estar atentos mas não atribui “excessiva importância às flutuações de curto prazo”, como os dados do crescimento no primeiro trimestre do ano, conhecidos há pouco tempo.
A edição deste ano dos IRGAwards tem como mote “Embracing evolution, inspiring change“, e é uma iniciativa da Deloitte, com o apoio do ECO.
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Nós estamos a gravar ainda antes das eleições, pouco tempo antes das eleições. Que efeito é que acha que esta certa ingovernabilidade, instabilidade, repetição de eleições tem sobre a economia? Nós já nos habituámos a isso, já não faz grande diferença ou continua sempre a fazer alguma diferença?
Bom, enfim, se nós entrarmos pela via que muitos entram, que os governos criam mais problemas do que aqueles que resolvem, pela sua excessiva criatividade – que às vezes nem a criatividade muitas vezes é mais utilizada para criar dificuldades do que para resolver problemas – o facto de não haver Governo ou dos governos terem pouco tempo pode não ser necessariamente mau. As empresas vão-se adaptando às circunstâncias. Mas obviamente que era desejável que conseguíssemos ter uma estabilidade política para mudar as coisas e para mudar aquilo que é preciso mudar.
Estabilidade política só por si é instrumental. Não vou dizer que não serve para nada, porque obviamente é um bem em si, mas é um bem cujo fruto principal é aquilo que permite ir fazer. E, portanto, se a estabilidade não gerar transformação, é um desperdício também, no fundo, dos recursos da própria sociedade.
E acha que nós temos capacidade de mudar? Falamos de uma transformação estrutural há tanto tempo. É impossível mudar?
Não, pelo contrário, não é impossível mudar. Aliás, nós temos bons testemunhos de como conseguimos mudar e nos conseguimos adaptar rapidamente. Já lhe vou dar um exemplo disso, porque de facto mostra que nós temos as capacidades. Nós provavelmente utilizamos é mal as nossas capacidades. Quando foi da última crise financeira, da grande turbulência, da troika, disso tudo, houve pelo menos duas grandes reformas que aconteceram. A primeira, eu devo dizer que estou positivamente perplexo porque achava que era quase impossível. Nós, desde a Segunda Guerra Mundial, nunca tínhamos tido balança externa equilibrada. A balança externa, nomeadamente da parte comercial, conseguimos ter na balança de transações correntes, nomeadamente graças às remessas de imigrantes e depois às transferências da União Europeia. Mas aquilo que é o nosso esforço da balança comercial foi sempre negativa e consideravelmente negativa. E eu confesso que não acreditava que era possível equilibrar, sobretudo num prazo tão curto. Nós, hoje em dia, não só conseguimos equilibrar a balança, como a mantemos equilibrada e superavitária já há muito tempo. É claro que contribui também para isso um pouco o turismo, quer dizer… E isso é um fator sorte. O facto de, de repente, nos tornarmos um sucesso de destino turístico é um pouco fator sorte. Mas o resto, a parte das mercadorias, o facto das empresas terem que dar corda aos sapatos e procurar mercados e exportar, isso é das transformações mais significativas da nossa história económica. E, portanto, isso é uma capacidade intrínseca. Fomos nós que fizemos isso. Ninguém fez isso por nós. A troika, quando muito, deu-nos o choque elétrico e nós reagimos, e portanto fizemos isso.
A segunda é também a situação crónica das contas públicas, que também era cronicamente deficitária, nós acumulávamos dívida ano sim, ano sim, e de repente está interiorizado no sistema político a ideia das contas certas. Eu não gosto muito do termo, porque as contas supostamente devem ser sempre certas, mesmo quando estão desequilibradas. Isto é, contas equilibradas. O ter o equilíbrio orçamental passou a ser um ativo reconhecido pela sociedade e pelo qual todos os governos se comprometeram.
Isto são transformações que mostram as nossas capacidades. Portanto, provavelmente, nós não temos tido capacidade de liderança ou motivação e empenhamento para transformarmos, mas nós temos as capacidades e já mostrámos isso. Nós, em momentos de dificuldade, ajustamos. Nós fazemos transformações que eu, como disse, e portanto humildemente confesso, tinha dificuldade em reconhecer que nós iríamos ser capazes.
E isso está provado. Nós precisamos, de facto, é de lideranças que sejam capazes de utilizar essas nossas capacidades e não se deixem ir atrás de cantos de sereias, porque frequentemente os governos vão atrás de cantos de sereias e com uma ilusão muito grande. A política parece que vive dependente de cerca de 100 pessoas que são a bolha político-mediática, em que as pessoas se influenciam umas às outras e julgam que são o país, que o país é aquilo. O país não é isso, o país são os outros todos que estão fora dessa bolha. E é essa gente que trabalha arduamente, é essa gente que trabalha sem proteção, trabalha sem subsídios ou com poucos subsídios, que tem que fazer pela vida. É essa capacidade que tem que ser mobilizada. As lideranças políticas têm que se habituar a deixar de ouvir, enfim, não digo os telejornais, mas o comentariado político em geral, esquecerem-se do comentariado e alicerçarem-se nas forças civis que são a sociedade e que não têm voz mediática.

Mas esses dois exemplos foram quase reformas, digamos assim, ou mudanças estruturais, mas de arma apontada à cabeça. Reforçando a pergunta, porquê é que nós precisamos de uma arma apontada à cabeça para fazer essas mudanças grandes, quando nós sabemos que há coisas que temos que fazer e que o país ficará melhor?
Mais uma vez, eu insisto nesse ponto. Nós temos as capacidades, temos é muitos cantos de sereia no espaço público. E lembra-se da ladainha, que a despesa do Estado é que fazia crescer o país e o Estado tinha que gastar muito para o país crescer e só com défice é que o país crescia? A realidade provou exatamente o contrário. E provavelmente as pessoas intuitivamente sabiam que não era assim. Mas as pessoas, no fundo, que ocupam o espaço comunicacional, era essa a ladainha que publicitavam frequentemente. E os políticos iam um pouco atrás disso, porque julgavam que era isso que dava votos. Nós, cidadãos, comunidade portuguesa, nós temos as capacidades para fazer melhor do que fazemos.
Continuando na economia portuguesa perguntar-lhe o que é que acha sobre o momento da economia portuguesa os números que nós conhecemos do primeiro trimestre Não são famosos, embora também nós percebemos que viemos de um trimestre muito forte anteriormente, mas mostro aqui algum arrefecimento, digamos assim. É motivo para preocupação? Gera-lhe essa preocupação ou não?
Eu, por norma, acho que nós devemos estar sempre preocupados. Nós temos que estar sempre alerta. Temos que partir sempre do princípio que pode aparecer algo inesperado e, portanto, eu acho que é mau se nós nos sentarmos à sombra da bananeira descansados, a desfrutar do sol. Nós temos que estar sempre atentos e, portanto, temos que olhar para esses sinais.
Eu, por norma, até pela minha formação de macroeconomista, não dou excessiva importância às flutuações de curto prazo, porque não têm um significado em si. Podem ser um blip de ajustamento ou, num período se cresceu mais, depois o outro a seguir, obviamente, cresce menos, depois também há a própria ciclicidade da economia.
Por enquanto, não estou alarmado com os sinais, até porque houve um estudo recente da OCDE que diz que Portugal foi o país onde o rendimento real mais cresceu e, portanto, isso em si também tem algum significado e deixa as pessoas mais preparadas para se houver um abrandamento.
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“Se a estabilidade política não gerar transformação, é um desperdício”
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