Governo dá aumentos salariais a funcionários da eSPap a troco de mais horas e perda de vínculo público

Funcionários públicos das carreiras gerais que transitem para o centro de compras públicas do Estado podem ganhar até mais 215 euros mas têm de trabalhar 8 horas por dia e perdem o direto à CGA.

Pelos pingos da chuva e no meio das legislativas antecipadas de 18 de maio, o Governo de Luís Montenegro aprovou dois diplomas que permitem aos funcionários da Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública (eSPap), o centro de compras públicas do Estado, ganhar até mais 215 euros desde que trabalhem mais uma hora por dia, passando a jornada laboral de sete para oito horas diárias, e desde que cessem o vínculo público, perdendo o direito a estarem inscritos na Caixa Geral de Aposentações (CGA), segundo um regulamento interno e um decreto-lei publicados em Diário da República a 15 e 22 de maio, respetivamente. A adesão a este regime é sempre opcional e produz efeitos a partir de maio. Ou seja, quem quiser, pode ser integrado nas novas carreiras já este mês.

O objetivo é reforçar “a capacidade de resposta dos serviços transversais e críticos que” a eSPap “presta” e “reter os trabalhadores com competências e conhecimento relevantes e especializados, de modo a assegurar um equilíbrio no que respeita às oportunidades de valorização da carreira, designadamente remuneratória”, lê-se no preâmbulo do decreto-lei n.º 80/2025, de 22 de maio, assinado pelo primeiro-ministro, Luís Montenegro, e pelo então secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, João Silva Lopes.

No entanto, os sindicatos não foram ouvidos nem informados, o que viola o artigo 338.º da Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas e o artigo 56.º da Constituição da República Portuguesa.É inaceitável a exclusão das estruturas sindicais deste processo, para além de abrir a porta ao aumento do horário de trabalho, o que não faz sentido nos tempos atuais, porque mais tempo de trabalho não significa mais produtividade”, critica o secretário-geral da Federação de Sindicatos da Administração Pública (FESAP), José Abraão, em declarações ao ECO. Tendo em conta “as negociações que o Governo tem mantido com as organizações sindicais para a valorização de uma série de carreiras”, o dirigente mostrou-se até “muito surpreendido e estupefacto” com a posição do Executivo de “não ter sequer informado o sindicato”.

Cerca de 80 funcionários públicos das carreiras gerais vão transitar de 11 secretarias-gerais do Governo, alvo de fusão e reestruturação no âmbito da reforma da Administração Pública, para a eSPap, sendo que, neste momento, há 300 trabalhadores empregados neste serviço do Estado, a maioria dos quais com contrato individual de trabalho (CIT), ou seja, sem vínculo público, e com uma jornada laboral de 40 horas semanais ou oito horas por dia. De salientar, contudo, que também há colaboradores no regime de contrato individual com 35 horas semanais ou sete horas por dia.

Uma vez que a eSPap vai concentrar várias tarefas que estavam dispersas numa série de secretarias-gerais do Governo, oito que serão extintas e três que serão reestruturadas, os tais cerca de 80 trabalhadores que se encontravam nesses departamentos serão igualmente absorvidos pelo centro de compras públicas do Estado. Como resultado, para o mesmo tipo de funções este organismo terá salários, horários de trabalho e vínculos distintos. Para além disso, os trabalhadores da eSPap com contrato individual não beneficiam do sistema de avaliação da Função Pública (SIADAP), que permite progredir ao fim de oito pontos. Ou seja, há quem tenha mais de 10 anos de casa que nunca teve essa valorização remuneratória. Apenas foi-lhe sendo asseguradas as atualizações anuais salariais da Função Pública.

Cerca de 80 funcionários das carreiras gerais vão transitar de 11 secretarias-gerais do Governo, alvo de fusão e reestruturação no âmbito da reforma da Administração Pública, para a eSPap, sendo que, neste momento, há 300 trabalhadores empregados neste serviço do Estado.

Para uniformizar a relação jurídica de trabalho com a eSPap, o Governo demissionário de Luís Montenegro decidiu criar carreiras especiais na modalidade de contrato individual de trabalho, para que todos os funcionários passassem a ter a mesma jornada de trabalho, de 40 horas por semana ou de oito horas por dia, com a correspondente valorização remuneratória, apesar de, na Administração Pública, se praticarem as 35 horas semanais ou sete horas diárias. E o sistema de avaliação SIADAP, para efeitos de progressão, passa a ser aplicado.

Assim, os funcionários públicos que estavam nas carreiras gerais e que decidam integrar as novas carreiras da eSPap terão de trabalhar mais uma hora por dia, passando a jornada laboral de sete para oito horas por dia ou de 35 para 40 horas por semana. Como cessam o vínculo público, ficando apenas com um contrato individual, deixam de estar inscritos na Caixa Geral de Aposentações (CGA), que é mais vantajosa no pagamento das baixas médicas, e passam para a Segurança Social e não podem beneficiar do regime de mobilidade para outras entidades, apenas por acordo de cedência. Ainda assim, mantêm o acesso à ADSE, o subsistema de saúde da Administração Pública. Como moeda de troca, têm uma valorização salarial de cerca de 15% e um adicional de entre 34 a 215 euros e continuam com o SIADAP para as progressões.

Por exemplo, um técnico superior da carreira geral da Função Pública, na primeira posição remuneratória, que esteja a receber 1.442,57 euros mensais brutos, ao aderir à nova carreira de técnico superior da eSPap passa a auferir 1.180,99 euros brutos, mais 368,42 euros, um aumento salarial de 25,5%. Mas é preciso ter em conta que este colaborador passa a trabalhar mais uma hora por dia. Por isso, o aumento é de apenas 67 cêntimos por hora trabalhada, ou seja, o ganho adicional é de cerca de 10%.

Os assistentes técnicos das carreiras gerais na primeira posição, com um vencimento de 979,05 euros, ficam a ganhar 1.126,77 euros, se mudarem para a nova carreira de técnico assistente e um assistente operacional, com um salário de entrada de 878,41 euros, poderá receber 1.017,98 euros, caso integre a nova carreira de técnico auxiliar. Já um técnico de sistemas e tecnologias de informação da carreira geral, na primeira posição, a auferir 1.126,77 euros poderá ficar com um ordenado de 1.337,30 euros, se transitar para a carreira de técnico assistente de sistemas e tecnologias de informação. E um especialista de sistemas e tecnologias de informação da carreira geral, com um vencimento de entrada de 1.863,62 euros, passa a ganhar 2.243,11 euros se integrar a nova carreira de técnico consultor de sistemas e tecnologias de informação. De salientar que, em todos estes casos, a jornada de trabalho aumenta sempre das 35 para as 40 horas semanais.

Contratos individuais podem manter-se nas 35 horas semanais mas só recebem 87,5% do salário

Quem já está na eSPap, com contrato individual, a trabalhar apenas 35 horas semanais, pode transitar para as novas carreiras especiais, aumentando a jornada para as 40 horas semanais, passando também a beneficiar das progressões, no âmbito do SIADAP. Se preferir, mantém-se a laborar 35 horas semanais, mas recebe apenas 87,5% do salário. Para perceber se compensa ou não trabalhar mais uma hora por dia, é preciso fazer contas. Por exemplo, um técnico da eSPap, na terceira posição remuneratória, só vai receber mais 3,9 euros por mês, passando de um ordenado de 1.074,14 para 1.078,04 euros euros, se mudar para a nova carreira e mantiver a semana laboral de 35 horas. Se passar para a jornada de 40 horas semanais recebe 1.232,04 euros. São mais 157,9 euros mensais brutos.

Para o secretário-geral da FESAP, José Abraão, “esta situação é manifestamente injusta, porque coloca trabalhadores com as mesmas funções com salários diferentes”. Para além disso, sublinha, “é incompreensível que o maior empregador do país esteja agora a promover o aumento do horário de trabalho, que não é sinónimo de produtividade”.

“Os trabalhadores veem-se agora confrontados com esta nova carreira e os sindicatos nem se quer foram consultados. A Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas e a Constituição dizem expressamente que as organizações sindicais devem ser ouvidas”, salienta.

O dirigente sindical aconselha ainda “os funcionários púbicos das carreiras gerais, que saírem das secretarias-gerais do Governo para a eSPap, a não aceitarem a integração na carreira especial, porque perdem o vínculo público, que é uma garantia de estabilidade”. “No âmbito do acordo plurianual que assinámos com o Governo, conseguimos assegurar um aumento salarial para todos os trabalhadores da Administração Pública de 234 euros até 2028. Os contratos individuais não estão abrangidos, ou seja, estes trabalhadores podem ficar fora dessas atualizações, a não ser que sejam regulamentadas por instrumentos de negociação coletiva”, alerta.

Apesar das críticas e preocupações manifestadas pela organização sindical, o Governo entende que o estatuto das novas carreiras “é de capital importância no âmbito da reforma funcional e orgânica da Administração Pública, assumindo um caráter urgente e inadiável”, uma vez que garante “a esta entidade, para a qual se transferem atribuições e serviços comuns a vários organismos, o reforço da capacidade de resposta dos serviços transversais e críticos que presta”, de acordo com o diploma. Assim, “importa um aumento do período normal de trabalho de 35 para 40 horas semanais”, justifica.

“Acresce que, no âmbito da Reforma do Estado, a missão e atribuições da eSPap, revelam-se estratégicas para o seu funcionamento, sendo fundamental a criação de condições que permitam reter os trabalhadores com competências e conhecimento relevantes e especializados, de modo a assegurar um equilíbrio no que respeita às oportunidades de valorização da carreira, designadamente remuneratória, face às previstas para os trabalhadores que irão integrar a nova carreira de regime especial de técnico superior especialista em coordenação transversal de administração e políticas públicas, por via da reafetação a outros serviços integradores no âmbito dos processos de fusão e reestruturação das secretarias-gerais”, lê-se no mesmo diploma.

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