As “renováveis intermitentes” são sinónimo de segurança

As “renováveis intermitentes” são amigas da segurança e da resiliência e desde que adequadamente integradas, têm mesmo vantagens significativas face a todas as alternativas fósseis (ou nuclear).

O debate Segurança e Estratégia Elétrica para Portugal, promovido pela Ordem dos Engenheiros, permitiu perceber várias coisas.

Em primeiro lugar, permitiu constatar — contrariamente ao que podia parecer, tendo em conta o ambiente mediático dos últimos anos — que há um grande consenso em relação às prioridades da política energética passadas e futuras: o país deve acelerar a instalação de renováveis, em particular eólico e solar, mas também hídrica, com forte ênfase na hídrica reversível, e baterias.

Em segundo lugar, o debate também permitiu confirmar que, embora a penetração crescente de eólico e solar traga novos desafios à gestão do sistema elétrico, sempre se soube que isso implica forte investimento em redes, crescente aposta na digitalização e na inteligência artificial (IA), novos códigos de rede que assegurem que a geração eólica e a geração solar contribuem ativamente para a estabilidade dinâmica do sistema e, por fim, novos serviços de sistema para reforçar estabilidade. O apagão não nos ensinou nada nesta matéria – apenas obrigou a recordar o que já sabíamos. A tecnologia necessária para integrar eólico e solar em volumes crescentes sem comprometer a segurança e estabilidade existe e, embora muito já esteja em curso, importa acelerar e fazer o que outros países, como o Reino Unido ou a Finlândia, já fizeram.

Em terceiro lugar, permitiu perceber uma outra coisa: um futuro caracterizado por produção renovável descentralizada, desde que adequadamente integrada na rede, não tem de ser menos resiliente do que o sistema elétrico do passado. Aliás, como explicou o Professor João Peças Lopes, com as tecnologias de monitorização e controlo adequadas, e desde que bem calibrado, existe potencial para caminhar para um sistema que não é apenas mais sustentável e livre de emissões, mas também mais competitivo e mais resiliente do que no passado.

A natureza distribuída das renováveis e a necessidade de recorrer à eletrónica de potência (associada às eólicas, ao solar e às baterias) resultam num sistema elétrico distinto do tradicional, mas não implicam sacrificar a segurança de abastecimento e estabilidade da rede. Um sistema dominado por geração térmica ou nuclear pode parecer mais resiliente – porque assegura potência firme e despachável -, mas tem outros problemas: volatilidade nos preços, risco nas cadeias de abastecimento, necessidades (onerosas) de redundâncias no sistema em caso de falha de um grande gerador, falta de flexibilidade (exceto as centrais a gás).

Quando falamos de segurança e resiliência, a natureza descentralizada das renováveis e a eletrónica de potência até podem ter vantagens relevantes face a sistemas convencionais, permitindo, por exemplo, que certas comunidades de energia ou auto-consumidores individuais ou coletivos – em particular em infraestruturas críticas, como (alguns) transportes, hospitais, água, hospitais – possam funcionar, se necessário, com autonomia total da rede, não ficando privados de eletricidade em caso de apagão. Solar, com ou sem eólico, mais baterias é um sistema de backup muito mais sustentável, económico e resiliente do que qualquer solução que esteja dependente de um gerador fóssil. E as baterias têm uma velocidade de resposta e flexibilidade que as tornam numa tecnologia superior às disponíveis no passado, térmicas e hídricas.

Hoje, em caso de crise energética (conceito que transcende setor elétrico, incluindo também os combustíveis convencionais), deve ser garantido abastecimento prioritário a um conjunto de infraestruturas e serviços críticos. Mas o conceito de segurança e abastecimento aí plasmado é o do passado e devia ser adaptado para tirar pleno partido das oportunidades associadas à geração própria e as baterias. Um hospital, mais do que ter um gerador, tem de ter painéis solares, aerogeradores e baterias. Também pode ter um gerador que use combustíveis fósseis, mas o maior contributo para a resiliência operacional de um hospital não virá seguramente de um gerador convencional, como vimos no episódio relatado pelo Ministro Castro Almeida.

Já sabíamos que um sistema com penetração crescente de eólico e solar (e hídrica reversível, baterias e interligações) era mais amigo do ambiente do que as alternativas fósseis. Também já sabíamos que era mais competitivo, sobretudo para um país com as características de Portugal. Mas convém reconhecer que as “renováveis intermitentes” também são amigas da segurança e da resiliência. Aliás, e desde que adequadamente integradas, têm mesmo vantagens significativas face a todas as alternativas fósseis (ou nuclear) e são sinónimo de reforço de autonomia, reforço de segurança, reforço de resiliência e, sobretudo, reforço de flexibilidade do sistema.

Empenhemo-nos, portanto, na construção acelerada desse futuro. Temos, no presente, os recursos, a tecnologia os sistemas e a legislação necessária para o fazer.

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