Quem, afinal, aderiu ao IVA de Caixa?
O novo regime de IVA de Caixa enrou em vigor em 2014, para responder aos problemas de tesouraria das PME. Mas quantas empresas aderiram? Só o Governo sabe.
Portugal tem desde o início de 2014 um regime de IVA de caixa. Porém, desde então, persiste a interrogação fundamental: quantas empresas realmente aderiram ao IVA de caixa? Esta questão, que em 2014 e 2015 motivou (e muito bem) a reacção da então oposição socialista, continua por responder.
Do ponto de vista da actuação governamental, a falta de resposta não surpreende. O Ministério das Finanças e a Autoridade Tributária (AT) são useiros e vezeiros na ocultação de informação que deveria ser pública. Acontece no IVA e noutros impostos também. Por exemplo, no IRS, só o Governo e a AT conhecem a distribuição de rendimentos em Portugal consoante a tipologia familiar dos agregados. Trata-se de informação crucial a fim de qualquer juízo racional quanto a escolha entre um quociente familiar ou um quociente conjugal. A distribuição de rendimentos consoante a tipologia dos agregados é, pois, informação que de forma agregada deveria ser pública, servindo de base à investigação científica e ao debate rigoroso. Mas não, em Portugal as coisas são decididas de outra forma: são decididas porque alguém achou que sim. A informação, que é um bem público, é ocultada pelas mesmas entidades, as entidades do Estado, que supostamente se dedicam à produção de bens públicos (seja lá o que isso for).
Quanto ao IVA de caixa, agora como outrora, a opinião pública permanece na ignorância sobre o seu real impacto. É uma pena. Se há política que poderia ter impacto positivo na vida de milhares de microempresas, estou persuadido de que o IVA de caixa seria uma delas.
Ora, é sabido que a generalidade dos políticos tem reduzida experiência empresarial. Não é que daí venha mal ao mundo; afinal, a literatura académica desde há muito sugere que um bom empresário não dá necessariamente um bom político. No entanto, seria conveniente que os políticos estivessem mais sintonizados com as preocupações das empresas, em particular das pequenas empresas.
De resto, não deixa de ser curioso que, não obstante a elevadíssima proporção de trabalhadores empregados nas pequenas e médias empresas (PME, nas quais convencionalmente se incluem as microempresas), tão reduzida atenção seja dedicada aos problemas que diariamente afectam a vida das mesmas.
Na realidade, quando vemos os nossos governantes a falar de iniciativas relacionadas com empresas, tipicamente é sobre iniciativas relativas a empresas de grande dimensão que, todavia, representam pouco mais de 20% da empregabilidade total do País.
Quanto às PME, que representam quase 80% da empregabilidade total, e em especial as microempresas que representam 40% do total de empregos em Portugal, mas que tendem a ser injustamente tratadas como arraia-miúda, pouco ouvimos de concreto da boca dos políticos. Na minha opinião, trata-se de miopia política aguda, pois políticos bem sintonizados com a dita arraia-miúda poderiam melhor satisfazer um eleitorado, que sendo superior a dois milhões de pessoas em Portugal, não deveria ser desprezado.
O IVA de caixa foi legislado no nosso País em 2013 e implementado a partir de 2014. Nele se previa que empresas com facturação até 500 mil euros pudessem opcionalmente enveredar por este regime, desde que estivessem registadas para efeitos de IVA há mais de um ano e não tivessem dívidas fiscais.
Ao enveredar pelo IVA de caixa, as empresas poderiam entregar ao Estado o IVA sobre o montante facturado aos clientes apenas e quando efectivamente recebessem dos clientes os montantes facturados. Mas a lei introduzia um limite temporal: as empresas tinham 12 meses para receber o montante facturado, caso contrário, teriam de entregar o IVA independentemente de o terem recebido ou não dos seus clientes. Mais, as empresas que a ele aderissem teriam também de permanecer no IVA de caixa durante pelo menos dois anos.
A criação deste regime visava colmatar um problema crónico de tesouraria das pequenas empresas: prazos de recebimento superiores aos prazos de pagamento. Uma situação que é especialmente problemática em Portugal, onde o Estado é o primeiro a não pagar a horas e o primeiro a dar o mau exemplo a todos os demais. De resto, o IVA de caixa vinha sendo apadrinhado pela Comissão Europeia (CE) desde 2011, no âmbito de uma resolução estratégica dedicada a PME’s (o chamado “EU Small Business Act”), tendo a CE então estipulado que o mesmo poderia ser aplicado às empresas com facturação até dois milhões de euros (vide Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu de 23/02/2011). Mais de seis anos depois da sua recomendação pela CE, e quase quatro anos após o início da sua (tímida) implementação em Portugal, impõe-se um balanço sobre a existência do IVA de caixa entre nós.
Primeiro, quantas empresas aderiram ao IVA de caixa ao longo dos anos e qual a dimensão média das mesmas? Segundo, quais as queixas resultantes da aplicação do regime de IVA de caixa (e que contribuíram para que outras empresas não tivessem aderido ao regime)? Terceiro, qual o impacto na cobrança e na gestão administrativa do imposto neste regime opcional? Quarto, que relação entre o período da sua implementação e o investimento realizado pelas empresas aderentes?
Enfim, tivesse eu mais espaço e o leitor mais paciência e seguramente encontraríamos muitas mais questões a colocar. Mas o ponto essencial é o seguinte: com dados concretos, reunidos de forma agregada, a opinião pública poderia ser informada dos eventuais méritos da política e também das suas eventuais limitações. A política poderia assim ser reajustada pelos decisores políticos em benefício das PME’s, designadamente das mais pequenas que, na minha experiência, encontram no desequilíbrio de tesouraria um dos seus principais desafios existenciais.
O balanço que neste texto se exige às entidades governamentais não é novo, no passado já vários parceiros sociais levantaram a mesma questão. Houve até, no tempo do anterior governo, quem ameaçasse levar a questão da falta de transparência a Bruxelas. Agora, imagino, não deveria ser diferente. Pelo que, aqueles deputados que outrora na oposição escreviam (e bem) cartas ao secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, e que agora estão no governo ou como seus porta-vozes, têm a obrigação de zelar pela existência de informação pública de qualidade nesta matéria, que a meu ver está para as empresas como os escalões de IRS estão para as famílias. Não o fazer seria de uma enorme desfaçatez.
Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico
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