Quem é o responsável, Madonna?

Eu gosto da senhora Madonna Louise Veronica Ciccone. É bem-vinda a Portugal e só ganhamos com a projecção que ela nos dá quando assinala que vem para cá morar, tira fotos em lugares icónicos do nosso País e mostra os nossos recantos deslumbrantes. Ela é mais um ponta-de-lança do nosso ouro negro e eu defendo intransigentemente o turismo, desde que coabite bem connosco sem que percamos a nossa identidade.

Mas as suas atribulações pelo nosso reino já começaram. E se é fantástico que ela nos promova, não menos violento é o evidenciar as nossas fragilidades de país do faz-de-conta, onde a nossa luz magnífica por vezes fica nublada com os sinais das sombras de terceiro mundo que perduram.

Ela, sortuda, não teve de esperar horas para entrar em Portugal, uma tortura a que submetemos quem nos visita, mas já teve o seu pesadelo na alfândega onde, por não a reconhecerem, não lhe soltam as bagagens. Madonna tal como outros não sabe o que fazer, algo que afecta o comum dos mortais que em Portugal não sabe nunca muito bem a quem se dirigir e quem é o responsável.

Ela não deu donativos para Pedrógão Grande, não tinha de dar, ninguém tinha de dar, mas esta causa nobre, solidária, que moveu milhares de portugueses que viram uma comunidade perecer em vidas, bens e sustento, mereceu um cordão de humanidade para a sua revitalização. Porém, alertam os autarcas da região que as verbas não chegaram. Não é culpa do Governo como alguns de forma soez de imediato aproveitaram para usar, apenas má coordenação das diversas entidades que tentaram ajudar. Mas as dúvidas persistem e isso só acontece porque ninguém sabe a quem se dirigir e quem é o responsável

Ela não assistiu à tragédia dos fogos que devastaram o nosso território durante todo o Verão. Este ano na Europa foram consumidos 559 mil hectares em incêndios, sendo que, quase metade, 224 mil hectares aconteceram em Portugal. São circunstâncias que podem acontecer a qualquer momento porque ninguém consegue controlar e prever os mistérios da natureza. Porém, deixamos sair com penas leves quem os ateia e não sei se já temos políticas de prevenção para os próximos anos. As dúvidas que subsistem são fruto de ninguém saber muito bem quem é o responsável.

Ela não se deve ter apercebido de uma inexplicável ópera bufa que ocorreu em Tancos. Desapareceu armamento dizem (desapareceu mesmo?), ninguém sabe para onde nem para que fins. Já passaram meses e o próprio Presidente da República teve de vir a público esta semana dar um ralhete exigindo o apuramento de factos e eventuais responsabilidades aos militares. Tudo permanece na mesma, sob o manto diáfano das incertezas porque ninguém sabe quem é o responsável.

Esta semana, a família Kardashian celebra 10 anos de um império assente no vazio. Na exposição pública das suas querelas, da exibição dos seus corpos, da assumpção do mundo como um mero palco de reality shows de nulidades que exibem a sua ignorância. É com este tipo de produtos que se narcotizam as sociedades modernas, se apagam as dúvidas e se silenciam as perguntas e por cá também abunda muita porcaria desta. O grande escritor espanhol Javier Marias dizia este domingo ao El Pais: “tenho a sensação que o mundo é hoje muito menos inteligente”. Portugal é igual aos outros e ainda continua sem saber quem são os responsáveis em tantas áreas. Nós já sabíamos disso, a Madonna que se habitue.

Por decisão pessoal, o autor não escreve de acordo com o novo acordo ortográfico.