Autárquicas: 10 coisas que os candidatos deviam saber sobre outdoors
Quando faltam menos de três semanas para as eleições, urge que alguém tente evitar, pelo menos em parte, o descalabro visual e linguístico.
Durante as últimas semanas, tenho tentado, nesta coluna, descobrir, sobre vários ângulos, “como será a agência de publicidade do futuro”. No entanto, a ausência praticamente total de bom senso que reina na comunicação política portuguesa, obrigou-me a fazer uma pequena pausa nesta demanda.
De quatro em quatro anos é assim: as ruas, as vielas, os postes, os gradeamentos, as praças e as rotundas, são inundadas de anúncios em formato outdoor a apelarem ao voto nas diversas listas concorrentes às nossas autarquias.
Por favor, antes de mais, não lhes vamos chamar “propaganda”, visto não estarmos no Brasil. Nem lhes vamos chamar “reclames”, dado não sermos nonagenários que gostam de ler a coluna do Cintra Torres no Negócios. O que o leitor ali vê é publicidade e em muitos aspetos obedece às mesmas técnicas de toda a restante publicidade — assustem-se os pudicos: isso mesmo, as regras são as mesmas quer estejamos a vender um sabonete, um político ou uma nova gama de preservativos com sabores.
Na qualidade de publicitário, decidi dar a minha modesta contribuição a este tema, apontando alguns erros básicos que vemos todos os dias nos outdoors políticos:
1. If you pay peanuts you get monkeys
Em publicidade, não há formulas baratas de se conseguir um bom produto gráfico. Se é candidato e acha que em vez de bons profissionais deve contratar o Manelinho que é sobrinho da Geninha, que entrou este ano para o secundário em artes e que até saber mexer no Photoshop, então nunca vai ter uma boa campanha.
Se não é capaz de contratar um canalizador para lhe compor o automóvel, acha que faz sentido contratar um amador para lhe trabalhar a comunicação? Ganhe vergonha de uma vez por todas: é a sua cara que vai estar escarrapachada naqueles outdoors!
2. Retenha estes números: um consumidor é impactado, por dia, com 4.000 a 10.000 estímulos publicitários
Pense no seu dia-a-dia. Ouve publicidade na rádio, vê anúncios na tv, no Facebook, no Instagram, no Google, na rua, nos transportes públicos, nas lojas, no supermercado, nas apps que utiliza no smartphone, no email, por sms e em todo lado onde está. Não havendo ainda um número definitivo, estima-se que por dia sejamos impactados com qualquer coisa como 4.000 a 10.000 estímulos publicitários. Agora faço-lhe esta pergunta: de quantos anúncios é que se lembra de ter visto ontem? Um? Dois? Cinco? Nenhum? Pois, a vida de publicitário não é fácil.
Caro político, o que lhe quero dizer é bastante simples: no jogo da comunicação, o seu outdoor não concorre apenas com os outdoors dos seus adversários. Concorre também com todo o tipo de anúncios, na busca pela atenção do seu consumidor. Perdão, eleitor.
3. Acabe com a história do “novo rumo para X” e do “Y maior”
Isto serve para lhe explicar que headlines (ou slogans) do género “mudar X”, “mais ambição para Y” e “continuar a obra”, são absolutamente indiferentes à mente do eleitor. Ou seja, ele até pode olhar para o seu outdoor todos os dias, mas certamente que não vai reter nada daquilo que lhe quis dizer. O seu headline deve ser, por um lado, diferente e criativo para chamar a atenção, e por outro lado, certeiro e verdadeiro para convencer o eleitor de que você é o melhor candidato. Parece fácil, mas não é.
4. Se eu lhe atirar uma caneta, provavelmente irá apanhá-la, mas se lhe atirar dez canetas provavelmente não irá apanhar nenhuma
A maioria das pessoas é impactada pelos outdoors quando está num transporte. Ou seja, em andamento, sendo que muito provavelmente está simultaneamente a fazer outra coisa qualquer, como ler um jornal ou ver o facebook se estiver no autocarro, ou a ouvir a rádio se estiver no automóvel.
Se juntar esta informação à do ponto anterior, facilmente irá perceber que se já é difícil passar uma única mensagem num anúncio de outdoor, então, é absolutamente impossível passar várias mensagens em simultâneo. Posto isto, nem pense em fazer um daqueles anúncios com quatro ou cinco “slogans” diferentes. Um bom chega, dois já são de mais.
5. Os fotógrafos de casamento normalmente não são os melhores para estes trabalhos
Este ponto é um complemento do primeiro. É muito difícil encontrar um fotógrafo realmente bom, com equipamento de primeira água, com um staff bom, que tenha boa pós-produção, um bom diretor de arte de fotografia, make-up profissional e um bom guarda-roupa. Se estava a pensar que a parte da fotografia era o mais simples e que até podia pedir um favor ao tipo que lhe fotografou o casamento, então está enganado.
Se quer realmente ter uma boa fotografia no seu outdoor, então é bom que dedique mesmo uma boa parte do seu budget para contratar um bom fotógrafo.
6. Pense bem em quem deve e não deve estar no outdoor
Na próxima reunião com o seu staff, explique-lhe que têm que pôr os egos de lado e centrarem-se no vosso objetivo: terem o melhor resultado possível nestas eleições. Só depois disto façam esta análise: dá-lhe mais votos tê-lo apenas a si no outdoor, ou compensa colocar mais elementos da lista? Isto obviamente depende de caso para caso, mas o essencial é que não esteja a colocar pessoas nos outdoors apenas porque sim, ou porque deve ser, ou porque sempre se fez assim, ou porque tem medo que eles fiquem chateados.
7. Não esconda o partido pelo qual é candidato
Eu sei que não deve ser fácil ser candidato pelo CDS no Barreiro (não sei quem é), nem pela CDU em Vale de Cambra (também não sei quem é), mas o pior que pode fazer é mesmo esconder, ou até omitir, o logótipo do seu partido. Tem noção de quantos votos perde a CDU, em cada eleição, para o MRPP só por causa da confusão de logótipos? Já pensou que há muitos eleitores que até sabem o seu nome, mas que no dia das eleições não sabem ao certo qual é o seu partido? Não se esqueça, coloque o logótipo bem visível.
8. Não encha o outdoor de informação desnecessária
Acha mesmo que por ter o logo do facebook, do twitter e do instagram no seu outdoor, as pessoas vão a correr procura-lo nestas redes sociais? Se quer encetar uma conversa com os seus eleitores nas redes sociais, então deve começar por impactá-los precisamente nessas redes sociais.
Se já tem o endereço do seu site no outdoor, para quê colocar também o endereço de e-mail? Acha que o eleitor não sabe ir até ao site e enviar-lhe uma mensagem?
Não adianta encher um outdoor de informação que ninguém vai ler. A única coisa que estará a conseguir com isso é criar um enorme ruído visual, que fará com que o eleitor sinta uma maior distância entre si e ele.
9. Pague a um criativo, não tente ser criativo
Se não quer ir parar ao “Tesourinhos das Autárquicas” o melhor mesmo é não se pôr a inventar ideias criativas. Por norma, quando tal acontece, é quando precisamente se dão as maiores asneiras comunicacionais.
Aos políticos a política, aos criativos a publicidade. Procure uma boa agência de publicidade, veja o seu portfólio, os seus prémios e os seus clientes. Reúna com eles e caso sinta empatia, contrate-os para fazerem esse trabalho por si.
Em política, como na vida, mais vale cair em boas graças, do que ser engraçado.
10. “The consumer isn’t a moron, she is your wife”
Como não trabalha em marketing ou comunicação, provavelmente não conhece esta frase. A citação é do génio David Ogilvy, provavelmente o maior nome da história mundial da publicidade, e ajuda a descrever na perfeição aquele que costuma ser o maior erro de qualquer político na hora de comunicar.
Este ensinamento é válido para vender qualquer tipo de produto, até mesmo um político. Pode afirmar o que quiser, pode prometer coisas que sabe que nunca vai cumprir, o que não pode é dizê-lo de forma pouco convincente.
O consumidor, ou se preferirmos o eleitor, nunca foi burro. Mas está cada vez mais informado e com o radar cada vez mais atento a charlatanices.
Quando faltam menos de três semanas para as eleições, urge que alguém tente evitar, pelo menos em parte, o descalabro visual e linguístico que mais uma vez está a assolar as nossas vidas e a poluir as nossas vias públicas. Espero vir a ter algum sucesso.
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