PCP, Rio, Santana e alguns medos

José Miguel Júdice analisa, no Jornal das 8 da TVI, a atualidade do país e do mundo. Esta semana, sobre o Novo Banco e o que os contribuintes vão ter de pagar. O pós-autárquica é também analisado.

Comecemos pelo que é verdadeiramente importante e quase ninguém notou…

Falo da Resolução do Conselho de Ministros n.º 151-A/2017 de 2 Outubro, que veio criar as condições para o Estado financiar ainda mais com os nossos impostos a venda do Novo Banco – como se escreve na língua de trapos da Revolução, que é o “financês”, “a preservação da estabilidade financeira impõe que sejam criadas condições que permitam que seja assegurada a capacidade de o Fundo de Resolução satisfazer os seus compromissos, que são eventuais, e contribuir, assim, para a conclusão do processo de alienação do Novo Banco, S. A.”.

Ou seja, foi autorizada “a celebração, pelo Estado Português, enquanto garante último da estabilidade financeira, de um acordo-quadro com o Fundo de Resolução, com vista à disponibilização de meios financeiros ao Fundo de Resolução, se e quando se afigurar necessário, para a satisfação de obrigações contratuais que venham eventualmente a decorrer da operação de venda da participação de 75 % do capital social do Novo Banco, S. A.”. Além disso, a Resolução estabelece que “o referido acordo -quadro deve ser celebrado por um período temporal consentâneo com as obrigações assumidas pelo Fundo de Resolução”.

Por outras palavras, para poder vender o Novo Banco, fica decidido que o Estado pagará seja o que for, sabe-se lá até quando. Ou melhor, seremos nós os pagadores de impostos a garantir os pagadores de promessas.

Um editorial de Victor Costa no Público sobre o tema foi, por isso, finalista do Óscar da Semana (de vez em quando, vai acontecer).

Continuemos, com os resultados do PCP nas autárquicas…

Deste tema falou-se, pelo contrário, muito. O facto objetivo é que o PCP foi o grande derrotado das autárquicas, perdeu 15% do voto e mais de 30% das Câmaras.

Agora, está tudo aflito com isso na Geringonça e em Belém – e todos os comunistas furiosos.

Digam o que disserem para consumo externo, o PCP sabe que foi a Geringonça a causa do desastre (pois permite mudar o voto para o PS sem necessidade de taparem a cara como Cunhal deu ordens para fazer em 1986 com Mário Soares).

Digam o que disserem para consumo externo, o PS está aflito por ser, evidentemente, ainda muito cedo para que se torne evidente que em 2019 terá a faca e o queijo na mão para alcançar a maioria (pois preferiria que se mantivesse a dúvidas até depois da aprovação do orçamento em Outubro de 2018).

Neste contexto, surge a hipótese de eleições legislativas antecipadas que, supostamente, mete medo a Marcelo (e por isso aparece Marques Mendes a dizer que agora já não vai ser possível…). Nunca fez sentido, nunca se falou disso antes, até parece uma manobra de intoxicação socialista para assustar o PCP, mas só num momento de loucura total, sabendo-se que a acusação pelo Ministério Público a Sócrates vai explodir em 2018, Costa pensaria em eleições para esse ano. O PS quer maioria absoluta e ainda não está garantido actualmente, o PCP vai passar a tentar desgastar o governo e o primeiro ano é o pior.

Há dois meses, previ que o PCP pode abster-se no Orçamento e deixar os Verdes votarem a favor – quando semanas depois Luís Marques Mendes veio anunciar isso, concluí que em Belém há quem ouça o que digo… Será uma excelente opção estratégica dos comunistas para a urgente prova de que estão vivos e não domesticados. Porquê? Não deitam abaixo o Governo, podem durante um ano lembrar que o PS e o BE não estão a lutar pelos trabalhadores, dá mais poder a um BE que, no fundo, está condenado a acabar sempre a dizer que sim ao PS, fica mais sozinho na oposição de esquerda, prepara e torna credível que em Outubro de 2018 possam os Verdes descobrir que a ecologia os obriga a votar contra…

Passemos, agora, ao PSD…

Começando por atribuir o Óscar da semana ao artigo de Clara Ferreira Alves no Expresso (“Passos Passou”), muito duro com os laranjinhas, lembrando todos os seus pecados juvenis até Cavaco, os da meia-idade até Passos Coelho e os da velhice atuais. Custa-me reconhecer que ela tem razão, até porque vivi muito disso no passado.

Começou a corrida ao cargo menos apetecível neste momento – quem podia fazer a diferença, foge a sete pés e prefere ficar à espera da derrota nas legislativas de 2019. Restam o que não pode fugir mais uma vez (Rui Rio) e… Santana Lopes.

Comecemos pelo último, Santana Lopes – que parece que começou mal, a pedir ao ministro Vieira da Silva para lhe guardar o lugar de Provedor da Santa Casa (estilo “vou ali e já volto”) – é a candidatura que menos me surpreende. Em 6 de Dezembro, disse -depois de uma entrevista dele cheia de elogios a socialistas – que “continua a andar por aqui. E quer voltar a liderar o PSD”. Divirto-me mais a prever o futuro na 2ª feira do que a dar notícias ao domingo, embora seja mais arriscado… Lembro-me de pessoas que riram de mim e disseram que isso era mais improvável do que Deus descer à Terra…
Porque é que ele quer, já sexagenário, voltar? Por vício da política e das multidões como Soares nas presidenciais de 2006. Para refazer a sua má imagem de 2004 como Isaltino este ano. E porque cheira com o seu instinto que os tempos são de populismo. E ele é (depois de António Marinho se ter suicidado politicamente e Jardim reformado) o único possível líder populista no mercado (pois André Ventura ainda tem de crescer mais). Pode ainda desistir, mas se assim for, é para se reformar na Santa Casa, que, como o nome indica, pode ajudar a ganhar o Céu…

E Rui Rio, também sexagenário, porquê? Porque não pode recusar mais uma vez, é tão simples como isso.

E para que se candidatam os dois? Ambos querem, cada um à sua maneira, tentar a sua sorte – mas há algo diferente entre eles.

  • Santana vive em bloco central, mas o seu instinto é de direita social-populista.
  • Rio sempre viveu em bipolarização, mas o seu instinto é de autoritarismo social e sonha com blocos centrais nas suas noites loucas.

Mas é assim que se refunda o PSD? Claro que não, deveria ser uma nova geração que se assumisse de centro-direita social, que não acreditasse no Estado, mas na sociedade, que recusasse o populismo e o autoritarismo.

Quem deve estar contente é Assunção Cristas, já se percebeu que é por aí que ela se está a mexer. Herdeira do pouco que houve de pensamento liberal no governo de Passos Coelho (como ninguém no PSD que esteja ativo), recusando o populismo simbolicamente em Loures, criando uma persona próxima e cordial sem os tiques cavaquistas de Rui Rio.

Mas António Costa não tem motivos para estar preocupado com a queda de Passos Coelho (claro que preferia que ficasse), ao contrário do que mensagens dominicais afirmam. Costa tem garantida a maioria dos deputados sozinho ou com a esquerda (quase 52% há dias). A Direita, para chegar lá, tem de crescer de 34% para 45% (cerca de 33%), o que não é impossível, mas é muito difícil…

Uma última palavra para Passos Coelho antes de passarmos ao ‘Cantinho das tontices’. Tem tudo para ser o candidato presidencial que Cavaco apoiará contra Marcelo. Há um mês, disse que do discurso de Cavaco no PSD podia sair um candidato que mordesse à direita Marcelo, o que o poderá obrigar a ir à 2ª volta. Creio que está encontrada a pessoa, como veremos quando da esquerda começarem a aparecer alguns elogios… O tempo dirá se, desta vez, também acerto na previsão…

O Cantinho das Tontices

Começo com uma homenagem ao programa “Governo Sombra” da TVI – devia ser obrigatório por lei assistir ao programa, que é o mais inteligente debate semanal na televisão. Como muitos já perceberam, “roubaram-me” o tema da tontice desta semana – a manifestação anti-esclavagista contra a estátua do Padre António Vieira.

A escravatura é (e infelizmente não apenas foi) uma das piores chagas da História dos Homens. Mas focar essa luta no Padre Vieira é na melhor das hipóteses um sinal de analfabetismo cultural e na pior não perceber nada de História. Como disse Ferreira Fernandes no DN (em regra candidato ao óscar semanal), “vão pentear macacos”.

Era preciso ser heróico no Brasil do século XVII para dizer o que Vieira foi capaz de dizer sobre o tema (seguramente mais heróico do que chamar-lhe defensor da escravatura no século XXI em Lisboa), e fazê-lo em frente dos poderosos para os quais era evidente que os escravos não eram realmente seres humanos. Da Igreja Católica vinham os raros que, como Vieira, a isso se opunham.

É bem verdade que enganarmo-nos em relação aos inimigos é tão grave como em relação aos amigos…

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