Like & Dislike: Trapalhada e politiquice nos recibos verdes
A nova regra para tributar quem tem recibos verdes foi mal feita. O que é mau. E o Governo recusa admitir que há contribuintes que vão sentir um agravamento fiscal. O que é muito mau.
Para quem não o conheça, António Mendonça Mendes é o novo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, tendo entrado no Governo depois do escândalo da Galpgate que derrubou Rocha Andrade. O facto de ter entrado no Governo já com o Orçamento do Estado em preparação é a única razão, que eventualmente se pode encontrar, para tentar desculpar a grande trapalhada que tem sido a questão dos recibos verdes.
Defraudado
Tudo começa com uma fuga de informação — na ânsia de a geringonça dar boas notícias — que dizia que os trabalhadores com recibos verdes iriam beneficiar de um aumento, de 10 mil para 20 mil, no limite de isenção de IVA de que este regime beneficia. Quando chegou o Orçamento, afinal a duplicação do limite de isenção de IVA não existia.
Assustado
Quem se sentiu com as expectativas defraudadas, terá subido às paredes quando saiu o Orçamento do Estado e percebeu que em vez de um alívio fiscal poderia ser alvo de um enorme aumento de impostos.
Tal como está redigido o articulado da lei do Orçamento do Estado para 2018, os fiscalistas fizeram as contas e chegaram à conclusão de que haveria “casos em que aquilo que os trabalhadores vão pagar a mais em IRS é superior ao salário de um mês inteiro”, como explicava o fiscalista Luís Leon da Deloitte ao Correio da Manhã.
Aliviado
Afinal veio a descobrir-se mais tarde que a lei estava mal feita. O Governo, ao menos, teve a humildade de admitir que a redação possa ser alterada em sede de especialidade, para que fique mais clara.
Insultado
A confusão dos recibos verdes chegou a tal ponto que o Governo achou por bem que António Mendonça Mendes desse uma entrevista para falar sobre o assunto e tentar acalmar mais de um milhão de portugueses com regime simplificado e que passam recibos. A ideia não poderia ter sido pior.
A meio da entrevista, António Mendonça Mendes diz que o Governo está a “pedir aos recibos de altos rendimentos que apresentem faturas”. É miserabilista um país onde quem ganhe mais de 1.368 euros brutos (o limiar a partir do qual as novas regras teriam impacto) ou 1.600 euros brutos (o novo limiar com os novos escalões) seja colocado na prateleira dos “altos rendimentos”.
Ludibriado
Mas isto é um pormenor. A parte da entrevista relativa ao tema dos recibos verdes tem 10 perguntas que a TSF publica e que valem a pena ser lidas. Das 10 perguntas sobre o tema, em sete (70%) o persistente jornalista da rádio pergunta repetidas vezes a António Mendonça Mendes se os trabalhadores que não tenham despesas que alcancem os 25% de rendimento vão ou não pagar mais? Em sete respostas o secretário de Estado consegue a proeza e a habilidade política de não responder de forma direta, evitando assumir o óbvio: é claro que aqueles contribuintes que não tenham despesa que cubra a diferença entre os 25% de dedução e o novo coeficiente de 4.104 euros terão um agravamento fiscal.
Presunção
E a entrevista termina com esta pergunta: “Não acredita portanto que haja trabalhadores com despesas inferiores a 25%?” Ao que António Mendonça Mendes responde: “Não acredito. Se não, teríamos vivido uma fraude durante anos.” Conclusão, o estudo para aferir o impacto da medida foi uma crença do secretário de Estado que ainda por cima acha que desde 2001, quando se criou o regime simplificado, o país tem vivido numa fraude.
Dito isto, o novo regime faz sentido?
A declaração é, no mínimo, infeliz, mas não nos deve retirar o foco do essencial. O novo regime faz sentido? Faz.
Até agora, um trabalhador que declarasse, por exemplo, 100 mil euros de rendimento anual, a sua base tributável era de 75%, já que no regime simplificado se presumia que os restantes 25% seriam despesas que incorria no exercício da sua atividade.
Com as novas regras, o Governo garante ao trabalhador independente uma dedução igual à que já se aplica aos trabalhadores por conta de outrem, de 4.104 euros, o que significa que a base tributável desde trabalhador passará para 95.896 euros (100.000 – 4.104). Para que consiga manter um esforço fiscal igual ao do passado, este trabalhador terá de ter despesas compatíveis com a profissão registadas no e-fatura que cubram a diferença entre 25 mil euros (25% de 100 mil) e o coeficiente de 4.104 euros.
O regime simplificado remonta a 2001, numa altura em que não havia o cruzamento que o e-fatura permite hoje fazer. Logo, o Estado não precisa de presumir a despesa, basta constatá-la. Caso contrário, para um trabalhador que não consiga chegar ao limiar dos 25%, e recebesse à mesma a dedução por inteiro, não estaria a ser abrangido por um regime simplificado, mas por um benefício fiscal.
Dito isto, o novo regime faz sentido, mas não admitir que vá aumentar a carga fiscal para alguns, mesmo considerando o efeito do aumento do número de escalões, é politiquice.
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