As PPP e a Saúde

O Bloco de Esquerda e o PCP são contra o lançamento de novo concurso para uma PPP na saúde. É um erro e é demagógico. Esperemos que as PPP não sejam a próxima vítima da cedência à geringonça.

As Parcerias Público Privadas (PPP) são hoje um anátema na discussão das Políticas Públicas em Portugal. A verdade é que a grande maioria das pessoas tem a opinião que as PPP foram (são) contratos ruinosos para o Estado. E relativamente às PPP no setor rodoviário têm razão. Regra geral, os contratos de autoestradas (sobretudo as SCUTS e as subconcessões) são bastante prejudiciais para o interesse público. Quais as razões para tal?

No caso das autoestradas em PPP, temos três grandes erros cometidos pelos governos:

  1. A maior parte daqueles projetos não têm racionalidade económica ou social. A maior parte daquelas vias rodoviárias não tem (e não se vislumbra que alguma vez terá) tráego suficiente para se justificar fazer uma estrada com perfil de autoestradas.
    Como havia dinheiro (sobretudo nos mercados financeiros privados até 2008), decidiu-se investir sem pensar no custo-benefício. Não se cumpriu uma regra básica de Finanças: “Separar a decisão de investimento da decisão de financiamento”.
    Logo, maus projetos dificilmente podem ser transformados em bons projetos na fase de financiamento.
  2. Porque não houve no processo português uma verdadeira escolha pelo modelo de PPP. Pelo contrário, este modelo foi imposto. Ou seja, não houve da parte dos decisores técnicos a possibilidade de escolher fazer o projeto via contratação tradicional ou via PPP. Foi decidido fazer (maus) projetos e fazê-los via PPP.
    Isto porque as PPP sofrem (em vários países Europeus, mas sobretudo em Portugal) de uma “tentação orçamental”. Isto é, as PPP foram feitas para que o investimento fosse contabilizado em contas nacionais no setor privado. Desta forma, o investimento não ia ao défice nem à divida pública. Apenas os pagamentos futuros (normalmente após vários anos – 6 a 10 anos – da decisão) vão ao défice, como consumos intermédios.Olhando para o gráfico abaixo (retirado de um dos meus papers), com dados até 2012, vemos como existe uma correlação entre os níveis de dívida pública e o investimento em PPP. Os países com mais dívida pública (e mais défice também) foram os que mais usaram PPP, por forma a contornarem as restrições orçamentais. Vemos também que entre os países que mais usaram PPP em % PIB, excluindo o Reino Unido, todos tiveram que pedir auxilio externo: Portugal, Grécia, Irlanda, Espanha, Hungria e Chipre. Coincidências, portanto.

    Assim, o racional económico das PPP foi passado para segundo plano. Ao invés de procurar que o privado tivesse incentivos para ser mais eficiente que o público (e com isso compensar o maior custo de financiamento dos privados face ao público, dado que o WACC – custo médio ponderado do capital – tende a ser mais elevado que a taxa de juro sem risco – OTs da República). Ou seja, uma PPP não é apenas uma decisão de financiamento, porque ai o privado tem sempre desvantagem face ao público nas taxas de juro. Uma PPP é um modelo de desenvolvimento de um projeto em todas as suas vertentes.

    Ora, em Portugal preferiu-se dar prioridade à questão orçamental, de fazer obra sem que esta pesasse no défice, ao invés de dar prioridade ao Value for Money e à eficiência microeconómica daquela alocação de recursos públicos.

  3. O terceiro erro é que quem decidiu os projetos em PPP olhou apenas para o projeto que estava a decidir, ignorando todos os projetos anteriores. Isto fez com que os valores de pagamentos anuais atingissem em 2011 um valor próximo de mil M€ e em 2014 um valor próximo de 2 mil M€/ano. Durante mais de 20 anos (entre 2007 e 2025), Portugal pagará pelo menos 0.5% PIB todos os anos para as PPPs.Adicionalmente, nesta questão, como em outras, podemos também apontar a falta de recursos humanos do lado público (e até 2012 dispersos por várias entidades), má gestão dos processos de concurso e dos modelos de alocação do risco e uma péssima gestão dos pedidos de reequilíbrio financeiro (vulgo renegociações).
    No entanto, durante o período da “troika” foi possível reduzir um pouco os encargos, conforme se mostra neste paper (1). Mas havia outras soluções mais ambiciosas, como pode ser visto aqui (2).

Contudo, as PPP em Portugal não foram apenas usadas em autoestradas, mas também na ferrovia (fertagus e MST), segurança (o “malfadado” SIRESP, que contribuiu recentemente para a “má-fama” das PPP) e na Saúde.

Na Saúde, as PPP foram usadas em quatro hospitais: Braga, Cascais, Vila Franca de Xira e Loures. Cada hospital teve duas PPPs: uma para o edifício (baixo risco tecnológico, contrato de 30 anos) e o serviço clínico (risco elevado, contrato de 10 anos).

Sucede que o contrato de Cascais (e em breve dos restantes hospitais) na parte do serviço clínico está a expirar. E como tal, o Bloco de Esquerda e o PCP já vieram dizer que são contra o lançamento de novo concurso para uma PPP. Que preferem que as PPP terminem e que a parte clínica destes hospitais passe para o SNS.

Ora isso é um erro, pelas seguintes razões:

  1. Primeiro, porque diversos estudos (por exemplo este da Católica, mas também um estudo da ERS) mostram que estas PPP geram valor para o setor público. Isto é, prestam um serviço de qualidade a um custo inferior ao que seria o do SNS.
    É que ao contrário das autoestradas, estes hospitais eram necessários e três deles foram apenas a substituição de uma infraestrutura velha por uma nova, adotando-se um modelo de contratação diferente.
  2. Segundo, porque estes hospitais operam nas mesmas condições de pagamento e atendimento que um hospital do SNS. Recebem do Estado por ato médico o mesmo que qualquer hospital público. E para os utentes não há diferença. O utente não perceciona se o hospital é em regime PPP ou pertence ao SNS. E diga-se que o que interessa a um utente é que seja bem atendido. E aos contribuintes que os recursos públicos sejam alocados da forma mais eficiente.Deixemo-nos de ideologias “baratas”: é irrelevante se o Estado é o prestador do serviço. O que interessa é que o Estado garanta a todos o acesso ao serviço, nas melhores condições possíveis e ao menor custo possível.
  3. Terceiro, porque a presença de privados (em condições iguais às dos hospitais públicos como já vimos), cria um benchmark muito relevante para o Ministério da Saúde.

Em síntese: a proposta do Bloco de Esquerda e do PCP (de terminar as PPP na Saúde) é errada e demagógica. Errada e demagógica porque confunde PPP em diferentes setores com resultados diferentes. Errada e demagógica também porque prejudica o interesse público. É importante haver concorrência entre público e privado na prestação de serviços em que todos os cidadãos podem aceder, e não apenas na esfera exclusivamente privada, onde só quem tem rendimentos é que pode aceder. E curiosamente nunca vi o Bloco (ou o PCP ou o PS) contra a ADSE, apesar de esta permitir aos seus filiados acederem a serviços médicos privados.

Esperemos que as PPP na saúde não sejam a próxima vítima da cedência à geringonça para que o primeiro-ministro se aguente no poder.

(1) – Reis, R. F., & Sarmento, J. M. (2017). “Cutting costs to the bone”: the Portuguese experience in renegotiating public private partnerships highways during the financial crisis. Transportation, 1-18.

(2) Sarmento, Joaquim Miranda; Reis, Ricardo Ferreira (2012), Buy back PPPs: An arbitrage opportunity. OECD Journal on Budgeting; Paris Vol. 12, Iss. 3.

Post-scriptum: como sei que vou ser alvo de comentários de que estou a soldo de interesses privados, esclareço que o meu interesse desde há mais de 10 anos sobre as PPP é puramente académico (tese de mestrado, tese de Ph.D. e publicações internacionais e nacionais). No tempo que estive no Ministério das Finanças, não participei em nenhum concurso ou processo (trabalhei na antiga DGCI e na DGO). Também nunca trabalhei nem fiz consultoria para nenhuma entidade privada participante nestes processos.

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