As idades que separam os empreendedores não impediram que estes se encontrassem no maior evento de startups do ano. Conheça a visão de diferentes gerações sobre o mundo no qual todos querem entrar.
Se o amor não tem idade, a paixão pelo empreendedorismo também não. À frente das mais de 2.100 startups que se espalharam pelos quatro pavilhões do Web Summit, encontraram-se rostos dos 16 anos aos 60. De “projeto de vida” a “investimento no futuro”, são várias as perspetivas dos empreendedores sobre os negócios que criaram em fases tão distintas da vida.
A geração das redes sociais encontrou a sorte no Twitter
A especialidade de João Pedro Silva é software, e já “ganha algum dinheiro” com isso desde os 14 anos — tem agora 17. Afonso Carvalho, um ano mais novo, prefere dedicar-se ao hardware. Desde o 11.º ano do ensino secundário que “trocam ideias” e, agora, os dois no 12.º, deram no Web Summit os primeiros passos para a criação da sua startup, a ipHome. Querem “fazer a reparação de dispositivos a partir do sofá”. “Em vez de ir à loja, a loja vem até si”, explica Afonso.
Foi tudo quase por acaso. Queriam ir ao Web Summit e acabou por ser a canadiana Jauntin’, uma das três finalistas do concurso para a melhor startup do Web Summit, a abrir-lhes a porta do evento. “Pesquisámos no Twitter “#websummit”, e vimos que esta startup estava a oferecer dois bilhetes. Enviámos mensagem sem grande esperança mas eles gostaram da nossa ideia e deram-nos a nós”.
Disse-nos que ia apresentar-nos a um amigo. Não fazíamos ideia que seria o João Vasconcelos [ex-secretário de Estado da Indústria].
Já lá dentro, conheceram Malik Piara, o criador da Upframe, um programa de aceleração de startups desenvolvido dentro da Startup Lisboa. “Disse-nos que ia apresentar-nos a um amigo”, conta Afonso. “Não fazíamos ideia que seria o João Vasconcelos”. No mesmo dia, o ex-secretário de estado da indústria recebeu-os no seu escritório para ouvir mais sobre a ipHome. Agora, estão a tentar avançar. Dizem já ter estudos sobre os preços e clientes em mente.
"Quando veem um jovem empreendedor, as pessoas mais velhas sentem que a sociedade vai continuar a evoluir.”
Para ambos, a idade nunca foi um obstáculo. João acredita até que “quando veem um jovem empreendedor, as pessoas mais velhas sentem que a sociedade vai continuar a evoluir. Quer dizer que a geração seguinte se calhar vai ser tão boa ou melhor”. Contudo, admite que o evento o fez repensar o caminho que tinha traçado para o ensino superior e não está certo que esse seja o passo seguinte. “Temos é de ser bons no que fazemos”, argumenta. Já Afonso diz que “gostava de aprimorar o conhecimento num curso de informática na faculdade”. Certo, só têm o empenho na startup: “Estamos a pensar no futuro. Queremos sucesso. E uns chinelos da Gucci”, dizem, entre risos.
“Trabalhava na PT, tinha uma vida muito boa. Agora tenho uma vida melhor”
Marta Soares trabalhou 20 anos na PT. Hoje tem 51 e já vai no sexto ano da sua própria startup, a SmartLunch. “Tinha uma vida muito boa. Agora tenho uma vida melhor”, conta com um sorriso e cheia de convicção. Mudou de vida porque “já não estava a aprender nada”. “Viver é estar feliz com o que fazemos todos os dias. Quem não o é, está a morrer antes de morrer“, acredita. Apesar de “não serem tudo maravilhas”, Marta diz que não se arrependeu “nem um dia” desde que saiu da PT e recusa-se a fazer parte do grupo daqueles a quem chama “mortos-vivos”.
Da sua perspetiva, o Web Summit é um evento para todas as idades até porque “quem ganhou o pitch nem era assim tão novo quanto isso”. Esta parece ser prova suficiente para a sua tese de que “não há uma idade ideal, há um momento ideal”, isto é, quando a ideia e o mercado estão em sintonia. E acrescenta: “Quando a experiência não é traduzida em medo, é ótima.”
"Viver é estar feliz com o que fazemos todos os dias. Quem não o é, está a morrer antes de morrer.”
Diz-se “apaixonada” pelo seu negócio, que começou com a venda de utensílios para transportar refeições e culminou na plataforma que está agora a lançar. Com esta, quer facilitar o encontro entre pessoas que gostam de cozinhar e aqueles que gostam de comida caseira, sempre com a preocupação do desperdício zero nesta “troca de marmitas”. O facto de estar totalmente dependente deste negócio “dá mais responsabilidade” e “ajuda a evoluir”, assegura.
Agora quer internacionalizar e “levar o conceito o mais longe possível”. Para isso, não se vai ficar pelo palco do Web Summit e já tem outras feiras em mente.
Da cultura da água à cultura de empreendedor vai uma vida
A Aquaponics tem menos de um ano. Quem a apresenta é um dos fundadores, Orlando Silva que, com 60 anos, decidiu lançar-se no mundo do empreendedorismo. Nasceu na Venezuela mas é filho de pais portugueses. Do lado de lá oceano dedicou os estudos e a vida à aquacultura, mas foi em Portugal que se juntou a João Cotter, 44 anos, para cofundar uma startup.
O produto da Aquaponics é um vaso onde cabem inúmeros fins. Primeiro, serve como casa para os peixes. Depois, acolhe as plantas “no segundo andar” e estas tratam de limpar a casa dos vizinhos de baixo, absorvendo os nutrientes que, de outro modo, estariam a poluir a água. Pode desta forma servir várias indústrias e até ser utilizada nas escolas para fins educativos, dados os processos biológicos. “Sabia que para além de comermos o peixe, o animal também serve para fazer cabedal?”, ilustra Orlando.
"Se não funcionar em Portugal funciona noutro lado.”
No Web Summit diz ter tido “muito sucesso”, para o qual a exposição que a empresa teve na televisão ajudou bastante. “Apareceram muitas pessoas curiosas por causa disso”, revela o fundador. O contacto mais fortuito foi com o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina, com o qual garantem estar a discutir a possibilidade de um projeto na capital.
“Rendimentos ainda não”, confessa Orlando. “Mas a Aquaponics já cresceu muito”, garante. Encara este negócio como um projeto de vida, portanto, não vai baixar os braços. “Se não funcionar em Portugal funciona noutro lado”, remata. Queixa-se das normas em território nacional. “Portugal tem de ser mais ativo e mais recetivo. Em Miami instalo um sistema destes em três meses. Aqui, posso demorar até sete anos, embora agora esteja melhor”.
O senhor “é para já”
Tawffic Fahmy veio do Egipto de propósito para promover a sua startup no Web Summit. Tem 24 anos e uma licenciatura em eletrónica e computadores inacabada — desistiu no último ano para fundar a sua startup, a Tolaroid. É uma plataforma que agrega fotos de todas as redes sociais de um utilizador — a junção pode até ser feita a partir de um hashtag. “É útil para campanhas de empresas, publicitar eventos ou para fotógrafos”, nomeia, “mas qualquer um pode ter conta”.
Quando decidiu arriscar, garante que as pessoas mais próximas “não quiseram saber”. Mostra-se à vontade e diz que, “se falhar”, o problema é dele. Há oito meses que trabalha neste projeto apoiado por um amigo, também egípcio, que se encarrega do marketing, e um francês que respondeu ao anúncio e se tornou responsável pela tecnologia.
Não temos experiência de vida mas podemos construí-la agora.
A tenra idade não o assusta. “Não temos experiência de vida mas podemos construí-la agora. Lendo, ouvindo“, assegura. Diz que tem tentado falar com mentores e outras pessoas que já começaram o seu negócio para evitar os mesmos erros.
Por outro lado, levam muito a sério o feedback e não demora a pôr mãos à obra. Entre os cem contactos que fez durante o segundo dia, reuniu material para dois updates que já estavam concluídos pelas cinco da tarde. “E já temos outra ideia” disse, assegurando que “temos de estar sempre a evoluir”.
A startup que ensina gestão nas grandes empresas
Na Industry Masters, “todos trabalham a partir de casa”. O lugar que o fundador, Thomas Lehnert, escolheu para viver foi Lisboa. É alemão, tem 50 anos e já faz simulações de negócio desde os 16. E é precisamente este o produto da sua startup: uma plataforma que permite aos funcionários das empresas simularem situações de gestão. Algo equivalente à forma de treinar os pilotos, explica. “Demorei 30 anos a ter a melhor plataforma, mas consegui”, acredita Thomas. Prova disso é que, entre os clientes, conta com uma das maiores empresas de consultoria a nível global.
"Demorei 30 anos a ter a melhor plataforma, mas consegui.”
A Industry Masters faz agora dez anos, mas já não é o primeiro negócio que Thomas abre em nome próprio — sempre focado no mesmo produto. Quando decidiu ser empreendedor, os pais ficaram céticos — queriam que tivesse um emprego seguro, que trabalhasse para o Governo alemão. “Mas sempre quis criar algo meu, e não me arrependo”, garante. É “mais do que um emprego a tempo inteiro, 12 horas por dia”, diz, sem se queixar.
Agora quer chegar a novos mercados. “Não queremos uma empresa com 500 pessoas”, avança, pois “isso é demasiado stressante”. Conta com uma equipa de dez pessoas, das mais variadas nacionalidades — britânicos, indianos, russos, americanos — para o ajudar nessa missão e montar a estrutura necessária.
Do Web Summit leva entre 15 a 20 contactos que considera relevantes e uma muito boa impressão. “É a melhor feira onde já estivemos”, afirma. Diz ter ficado satisfeito com o número de pessoas “precisamente à procura daquilo que nós fazemos. É surpreendente, dada a especificidade”.
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Empreendedorismo sem idade: no Web Summit, vai dos 16 aos 60
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