A morte de Belmiro de Azevedo é uma tragédia

É o legado de Belmiro de Azevedo: fez e com isso empregou milhares de portugueses. Bastava esse facto para marcar uma geração.

Partiu ontem Belmiro de Azevedo, um dos maiores empresários do Portugal moderno. Criou o maior grupo económico português, foi marcante com diversas batalhas, controverso mas probo e impoluto e era escutado sempre com atenção porque conhecia o seu país e a comunidade. Aliás, nunca há lideranças reconhecidas sem se conhecer quem nos rodeia e o criador da Sonae provou que percebia muito bem a consciência lusitana.

Há uns anos, em trabalho, fui de avião para o Porto na económica. Na fila ao lado da minha, o homem mais rico de Portugal da altura, Belmiro de Azevedo, também a usufruir da mesma classe, pacato, discreto, sem berloques nem manias. Os grandes líderes não precisam de pompa nem de circunstância. Só têm de ler a sua comunidade, pensar e fazer. É o seu legado: fez e com isso empregou milhares de portugueses. Bastava este facto para marcar uma geração.

«Sonhar, saber esquecer, gostar de aprender, ter paciência para repetir, ousar, arriscar, partilhar é o caminho para ter sucesso numa vivência equilibrada do uso do tempo e da vida», disse em entrevista ao Jornal de Negócios. Ele, que explicava sempre que para se ser um empreendedor nunca se pode ser uma pessoa isolada da vida, nenhum eremita do vil metal, mas sim apreendendo diversas lições e convivências pois eram delas que por vezes brotavam as grandes ideias e as soluções que não vinham nos livros nem nos mapas de Excel.

O seu lado visionário fez nascer um potentado criador de marcas que todos conhecem. Posicionou-se pelo trabalho, sem favores nem influências obscuras que marcam alguns empresários que são “subsidiodependentes” do Estado. E mesmo quando investiu no “Público” nunca usou a linha editorial para marcar posições ou trocar vantagens. deixou os jornalistas trabalhar e as notícias fluíam com liberdade como sempre deve ser num órgão de comunicação social.

Construiu a sua imagem a pulso, vivendo frugalmente sem ostentações nem desvarios. «O salário que ganho chega e sobra para aquilo que preciso. Costumo dizer que a diferença entre o nascer e morrer é um fatinho e um par de sapatos. As pessoas esquecem-se disso. Mas não levam nada. Os egípcios é que metiam nos túmulos muitas jóias». Sim, porque Tios Patinhas só nos livros aos quadradinhos da Walt Disney e exibicionismos de Porsches e Lamborghinis são para os que têm o dinheiro como vacas sagradas mas nada mais têm para mostrar.

Nunca foi salpicado por qualquer mancha de corrupção que por vezes atinge quem mexe com muitos milhões. Só isso bastaria para que granjeasse o respeito de todos. E tinha um lado do povo, parecido com outro grande empresário, Rui Nabeiro, que o fazia ser ouvido e compreendido pelos portugueses. «Quando se é polido em excesso, corre-se o risco de a mensagem não passar como deve», afirmava com desassombro, sabendo também o peso das suas palavras.

«Vinte por cento da população no mundo vive abaixo do limiar de pobreza. Eu faço o que posso nessa matéria, que é criar empregos, criar riqueza. Tenho pouca capacidade em distribuir riqueza, porque isso compete sobretudo ao Estado, que cobra impostos para fazer isso, para garantir o mínimo de sobrevivência a essas pessoas». Uma verdade lapidar. A morte de Belmiro de Azevedo lamenta-se como todas as mortes. Mas a dele ainda mais, porque vozes lúcidas que conhecem o ser português fazem sempre falta. Portugal está mais pobre.

Nota: o autor escreve segundo a antiga ortografia

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