A PSD2 e a distopia
Estarão as entidades reguladoras preparadas para o novo desafio que resulta da regulação dos pagamentos eletrónicos, a PSD2, em condições de assegurar que não haverá abusos?
Há uns anos, numa conferência, ouvi alguém imaginar um cenário em que a informação constante das nossas facturas era trocada entre as várias autoridades. Nesse futuro, que diziam não muito longínquo, alguém com colesterol ia ao McDonald’s e isso determinava que naquele mês não havia comparticipação para o medicamento da lipoproteína de baixa densidade. Confesso que achei a descrição demasiado ficcionada. Mas, hoje em dia, o universo da série televisiva Black Mirror já não me parece tão improvável (e proibirem os hambúrgueres também não).
O passado Domingo foi Dia Internacional da Protecção de Dados. Uns dias antes, a 13 de Janeiro, havia entrado em vigor a PSD2 (é só uma coincidência de nome e data), a directiva europeia que vem regulamentar os pagamentos electrónicos. A grande novidade é que este serviço passa a poder ser prestado por outras entidades que não os bancos, pelas chamadas FinTech. Que ganham acesso aos dados das contas, assim os clientes o consintam. Dizem que é o fim da banca como a conhecemos até agora.
Eu acho bastante prático poder ver um vestido giríssimo na Farfetch e não ter de sair do site deles para o comprar. Claro que, tendo acesso aos dados da minha conta, é possível que mais de metade da colecção nem me seja mostrada. E é aqui que entra a minha apreensão. Não pelos vestidos que não posso comprar, mas pelo outro lado do espelho negro. Se eu já me sinto desconfortável quando o Google me sugere o caminho para casa mais ou menos à hora a que termina o expediente, imaginem a sensação de saber que ele conhece a minha informação financeira. Ou as memórias do Facebook passarem a ser sobre o dinheiro que gastei ou recebi há três anos. Pior!: que as memórias do Facebook condicionem o meu acesso a produtos financeiros.
Claro que partilhar dados é sempre opção minha, a directiva garante isso – aliás, vem dizer que eles me pertencem e não ao banco, o que eu aplaudo – e inclui artigos destinados ao reforço da segurança. E em Maio vamos ter o novo Regulamento Geral da Protecção de Dados, igualmente emanado de Bruxelas. O preâmbulo da PSD2 menciona o crescimento da economia da União, pela criação de um mercado único de serviços de pagamento, mais competitivo e por isso mais eficiente, em que o consumidor tem acesso a novas funcionalidades, com custos mais baixos e maior transparência. Mas permitam-me olhar para o passado recente e perguntar se estarão as entidades reguladoras preparadas para este novo desafio e em condições de assegurar que não haverá abusos.
Nota: A autora escreve segundo a ortografia anterior ao acordo de 1990.
Disclaimer: As opiniões expressas neste artigo são pessoais e vinculam apenas e somente a sua autora.
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