A ilusão fiscal

Os três impostos europeus de que agora se fala, e que não têm nada de novo, são a expressão da chamada "ilusão fiscal".

Em “Public Finance in Democratic Process”, o Nobel da Economia (1986) James Buchanan fala-nos de regras orçamentais e da necessidade de estabelecer um processo democrático no qual a definição das receitas do Estado esteja indelevelmente associada à definição da despesa pública. Na prática, Buchanan defende que a escolha entre a aquisição de bens e serviços através da despesa pública do Estado, enquanto acção colectiva de indivíduos, e a aquisição dos mesmos pela via do mercado deve ser tão neutra quanto possível. Ou seja, que entre bens e serviços igualmente fornecidos através do Estado ou do mercado, não exista um incentivo (ou uma ilusão) à aquisição de uns e outros, num ou noutro.

A tese remete-nos para os ensinamentos de um outro académico italiano do início do século XX, chamado Amilcare Puviani, que primeiro teorizou sobre os chamados efeitos de ilusão orçamental (em inglês, “fiscal illusion”). O conceito tem mais de cem anos, continua muito actual, e vem a propósito dos três “novos” impostos que o Governo português, pomposamente, anunciou na semana passada para levar à discussão em Bruxelas.

Pois então, quais são os objectivos associados às manobras da ilusão orçamental? De acordo com Puviani, são dois.

  1. Criar a ilusão de que o fardo orçamental não é afinal tão pesado, iludindo o contribuinte quanto ao verdadeiro custo de oportunidade que aquele enfrenta quando paga impostos e quanto ao verdadeiro pagador dos mesmos.
  2. Criar a ilusão de que os benefícios obtidos através do fornecimento de bens e serviços públicos são, afinal, por comparação aos seus custos, maiores do que aqueles que os seus beneficiários julgam obter.

Ora, os três “novos” impostos do Governo (um sobre o digital, outro sobre a poluição, e outro sobre as transacções financeiras) enquadram-se directamente no primeiro tipo de ilusão e indirectamente no segundo. Por um lado, são impostos directamente apontados às empresas que parecem salvaguardar (mas não salvaguardam) os contribuintes individuais. Por outro lado, são impostos que precisamente por serem apontados às empresas, e não aos contribuintes finais, complicam o cálculo individual da carga fiscal efectiva de cada um e do custo efectivo dos bens e serviços públicos financiados com aquela mesma carga fiscal.

A conceptualização de Puviani parte do princípio de que a tributação tem por objectivo minimizar a resistência dos contribuintes, a fim de se obter um determinado nível de receita. É uma abordagem que se baseia na ideia de uma classe dominante, o fisco, que exerce o seu poder sobre uma classe dominada, os contribuintes. Esta é a abordagem que ainda vigora na maioria dos países, nomeadamente em Portugal, onde, inclusive, para efeitos fiscais se inverte o princípio do ónus da prova, desnivelando as regras do jogo a favor do fisco.

Segundo Buchanan, trata-se de uma tradição anti-democrática e contrária ao processo constitucional da democracia, no qual receitas e despesas devem ser analisados em conjunto e não de forma isolada. No qual o campo, tendo de ser justo, não pode estar inclinado. Os três impostos de que hoje se falam, que de novos nada têm, representarão impostos especiais sobre transacções (de consumo ou financeiras) ou alternativamente contribuições especiais sectoriais. Os primeiros existem desde há muito tempo e poderão justificar-se sob certas condições e certos princípios (mas não é o caso da taxa sobre transacções financeiras); já os segundos são uma moda mais recente, são inaceitáveis, e na minha opinião configuram confisco ou extorsão (representam a arbitrariedade legal porque são leis com destinatários certos e perfeitamente identificados, a antítese do que deve ser uma lei). Uns e outros são ilusão.

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