Alasca, Beatles e Novo Banco, os piores negócios da história
Se antes já suspeitávamos que a venda do Novo Banco era um mau negócio, agora ficámos a saber que é péssimo. E também que há vícios do tempo do BES que continuaram com o banco sob a alçada do BdP.
Há tempos, o canal História passou um programa com os piores negócios de sempre. Lembrava, por exemplo, quando o czar Alexandre II vendeu o Alasca por 7.200 dólares ao governo de Washington. E a saída da Western Union do negócio dos telefones por achar que a tecnologia inventada por Graham Bell “tinha muitos contras para ser considerada um meio de comunicação”.
Em 1962, o chefe da divisão de música pop da Decca Records recusou assinar um contrato com os então desconhecidos Beatles, alegando que “a música de guitarras estava a desaparecer”. Mais recentemente, em 2001, a Yahoo achou que pagar três mil milhões pelo Google era capaz de ser um mau negócio.
Isto tudo vem a propósito do negócio da venda do Novo Banco aos norte-americanos do Lone Star. Se já antes suspeitávamos que era um mau negócio, ficámos agora a saber que o negócio é péssimo. Além dos 3,89 mil milhões de euros de garantia contingente, e do compromisso de subscrição de dívida altamente subordinada no valor de 400 milhões, ficámos agora a saber que o negócio também prevê a entrada de mais dinheiros públicos no banco se o rácio de capital total do Novo Banco, no âmbito do Supervisory Review and Evaluation Process, ficar abaixo do exigido.
Para os norte-americanos do Lone Star, que ficaram com 75% do Novo Banco, isto é o negócio da China, ou melhor, o negócio do Alasca. Têm um ganho potencial ilimitado e uma perda potencial limitada:
- Se António Ramalho conseguir dar a volta ao banco, os norte-americanos vendem os 75% do Novo Banco, recuperam os mil milhões que investiram e vão à vida deles. Neste caso, o Estado e o Fundo de Resolução perdem o que já lá meteram em 2014 (4,9 mil milhões de capital), o que ainda vão meter (3,9 mil milhões de garantia contingente) e conseguem neste cenário “otimista” vender os 25% que ainda detêm para amenizar as perdas.
- Se o banco realmente não for comercialmente viável, como muitos desconfiam, o Lone Star perde, no máximo, os mil milhões de euros que investiu. Neste caso, o Estado e o Fundo de Resolução perdem o que já lá meteram em 2014 (4,9 mil milhões de capital), o que ainda vão meter (3,9 mil milhões de garantia contingente) e ainda, ficámos a saber pela Comissão Europeia, mais o que for preciso para repor os rácios de capital se o Lone Star não quiser injetar mais um cêntimo na instituição.
Resumindo, se as coisas correrem bem, o Lone Star ganha 75% de um ganho potencial ilimitado; e se correrem mal, o Lone Star só perde 10% dos prejuízos totais a assumir (mil milhões a dividir por nove mil milhões de euros).
Sabendo o que sabemos hoje, não deixa de ser irónico lembrarmo-nos da entrevista que Mário Centeno deu ao Diário de Notícias a 4 de janeiro de 2017: “Não pode haver uma garantia de Estado para suportar negócios privados. O dinheiro dos contribuintes em risco não está perspetivado neste negócio”.
Mas afinal, quais eram as alternativas?
Os mais céticos perguntar-se-ão: mas afinal, o que é que o Governo e o Banco de Portugal poderiam ter feito de diferente para o negócio não ser tão mau para os contribuintes e tão bom para os norte-americanos? A resposta é fácil:
- O Banco de Portugal poderia ter vendido o banco de forma competente e não o fez. Quando entrou em negociações exclusivas com o Lone Star, ninguém sabia que o Estado estaria disposto a dar uma garantia contingente de 3,89 mil milhões. Sobretudo depois da entrevista de Centeno ao Diário de Notícias. Se soubessem, haveria mais interessados, de certeza, no negócio e iria haver um leilão competitivo para ficar com o banco. Por isso é que os credores internacionais, depois de conhecerem os termos do negócio, vieram dizer que queriam “step into Lone Star’s shoes”. Isto não quer dizer que os contribuintes não iriam ter prejuízos, mas teriam menos, com certeza.
- Se chegássemos à conclusão, como estamos a chegar, que pagar quase 10 mil milhões de euros para vender o banco era um mau negócio, então o Estado deveria ter optado pela nacionalização. Ficava com o risco de perdas que já assumiu com o Lone Star, mas ficava com 100% do potencial de ganho caso António Ramalho transformasse o Novo Banco num banco viável. Se nacionalizou os prejuízos, deveria ter nacionalizado os ganhos.
Ainda há crédito “por favor” no Novo Banco?
Tão ou mais grave do que a revelação da Comissão Europeia de que o negócio do Novo Banco era pior do que pensávamos, foi o facto de Bruxelas ter vindo dizer que as más práticas na concessão de crédito, que vinham do tempo de Ricardo Salgado, continuaram no banco de transição, quando este já era tutelado e gerido pelo Banco de Portugal.
“As práticas do BES contribuíram para a sua falência. Mas, mesmo depois da fundação do banco de transição, e sob o controlo direto do Banco de Portugal, o Novo Banco parece ter feito muito pouco para remediar práticas de crédito problemáticas”. Para que não haja dúvidas de que o recado é para o Banco de Portugal, a Comissão Europeia repete: “Mesmo os novos empréstimos em 2016, depois de o Banco de Portugal estar no comando há mais de um ano, mostram deficiências em todas as categorias”. Bruxelas fala mesmo em casos em que foram “concedidos crédito por favor”.
Uma coisa é ter sido incompetente a supervisionar o BES; outra é vender mal a instituição e desbaratar dinheiros públicos; outra bem pior é permitir que nesse mesmo banco, com o Banco de Portugal a mandar, se continuassem a praticar atos que contribuíram para a falência do BES. Perante estas acusações graves de Bruxelas, o Banco de Portugal não vai dizer nada? Vai continuar com a postura que tem tido até aqui do “Let It Be“?
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