Um ‘rearranjo’ nas contas do Montepio
Este “aumento de capital” da Associação Mutualista Montepio serve para recompor o aspecto do balanço, mas não passa disso mesmo: de um rearranjo.
Na rubrica de activos por impostos diferidos são reconhecidas “[quantias] de impostos sobre rendimento (IRC) recuperáveis em períodos futuros respeitantes a diferenças temporárias dedutíveis, reporte de perdas fiscais não utilizadas e reporte de créditos tributáveis não utilizados” (em “Análise e Relato Financeiro” de João Carvalho das Neves, 7ª edição, p.101). Feita a descrição teórica, permitam-me acrescentar que, em geral, na conta de activos por impostos diferidos registam-se prejuízos passados (ou antecipação de impostos) que servem depois para abater a lucros (ou impostos) futuros. Contudo, a sua utilização não é incondicional, nem é pacífica entre os profissionais da contabilidade.
Por um lado, ela está limitada pelos prazos de reporte de prejuízos fiscais que vão extinguindo o direito de abatimento a lucros futuros de diferentes parcelas de prejuízos passados. Por outro lado, ela está também sujeita a uma análise de razoabilidade das expectativas sobre lucros futuros, um exercício que é sempre especulativo, e que leva os revisores oficiais de contas a fugirem a sete pés da sua utilização.
A verdade é que, nos últimos anos, esta rubrica tem vindo a ganhar destaque nos balanços das empresas portuguesas.
- Primeiro, porque a generalidade das empresas portuguesas, em face da crise económica, teve oportunidade de acumular algum saldo na referida rubrica.
- Segundo, porque os prazos de reporte de prejuízos fiscais têm mudado com frequência – são aliás um exemplo da instabilidade fiscal reinante entre nós – levando a que muitas empresas exibam hoje múltiplos prazos de reporte.
- Terceiro, porque a sua utilização no sector financeiro, designadamente a conversão dos activos por impostos diferidos dos bancos em créditos fiscais, a fim de aumentar os rácios de capital dos mesmos, gerou polémica, e gerou também discriminação entre as empresas.
Ora, vem isto a propósito do recente rearranjo contabilístico e fiscal da Montepio Geral Associação Mutualista (MGAM), mormente do valor de 808,6 milhões de euros que, segundo comunicado da mesma, esta relevou nos activos por impostos diferidos. Não obstante a surpresa, uma coisa é certa: a utilização desta rubrica não é de agora; ela já vem de trás.
Relativamente aos resultados da MGAM, uma primeira nota para realçar o quão extraordinário é (no mau sentido) estarmos em 2018 e não serem ainda conhecidas na íntegra as contas consolidadas de 2016. Uma segunda nota para referir que, evidentemente, faz todo o sentido que a isenção fiscal de IRC de que tem beneficiado a associação seja anulada, porque, atendendo ao tipo de empresas detidas pelo grupo, a actividade da MGAM é inequivocamente de natureza empresarial.
O regime de excepção não faz, portanto, sentido e seria injusto face aos demais mantê-lo. Dito isto, nas últimas contas consolidadas, disponíveis no seu sítio de internet, já se observava um saldo na rubrica de activos por impostos diferidos no montante de 419 milhões de euros (p. 22 do R&C consolidado de 2015). Destes, 192 milhões referiam-se a prejuízos fiscais reportáveis até 2027 em cinco diferentes parcelas, a mais significativa das quais uma de 100 milhões que podia ser utilizada até 2026 (p. 106). Nesse ano de 2015, o balanço consolidado indicava ainda resultados transitados negativos de 409 milhões de euros, um prejuízo no exercício de 273 milhões, e um total de capitais próprios de 30 milhões de euros (pp. 21-22).
Dado o prejuízo de 2015 e a situação patrimonial que daí transitou para 2016, a MGAM tinha mesmo de fazer alguma coisa. Idealmente, a solução teria sido um aumento de capital. Mas à falta de concretização do plano “a”, a associação avançou para o plano “b”. Ora, neste plano “b”, o valor global dos activos por impostos diferidos surpreende pela sua dimensão. Mas, para a análise ser completa, faltam as notas explicativas do relatório de contas de 2017, sem as quais não se perceberá quão eficaz nem quão perene será a inclusão daqueles activos por impostos diferidos no balanço e, em particular, no capital da associação. E, por fim, também falta a análise do plano de negócios, para se aferir da razoabilidade dos lucros futuros; um exercício que, certamente, o revisor oficial de contas e o conselho fiscal terão solicitado à administração para acomodar normas que nesta matéria são cada vez mais conservadores. Uma coisa parece certa: este “aumento de capital” será apenas um passo intermédio. Serve para recompor o aspecto do balanço, mas não passa disso mesmo: de um rearranjo.
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