Dois anos de abraços de Marcelo
Marcelo tem sido um magnífico Presidente da República, mas amanhã é outro dia. E esta deve ser a sua lição diária.
Marcelo Rebelo de Sousa tem na sua essência o primado fundamental da comunicação moderna: sabe lidar com os media e adapta-se facilmente a eles. No seu âmago já era um bom comunicador, para lá de ser fonte de diversos órgãos de comunicação social, o que lhe facilitava simpatias e jeitos de momento, mas tornou-se um presidente 4.0, que lida tão bem com televisão e rádios, tal como com a armada de telemóveis prontos a disparar selfies.
Na iconografia destes dois anos impõe-se uma imagem: o abraço. O beijinho poderia ser normal, mas o abraço tem a envolvência da alma e Marcelo soube aparecer terno nos diversos tempos infelizes que marcam este seu mandato. Não o abraço do urso ou da serpente, que asfixiam e apertam, mas o abraço amigo, o que cura da dor. Claro que na política há sempre uma coreografia das acções e a preocupação do “bom boneco” para as câmaras, contudo, temos a percepção – a tal que na maior parte dos casos é mais importante do que a realidade, como costumo dizer – que Marcelo é genuíno.
A sua comunicação passou por duas linhas condutoras: os afectos e a proximidade, que se conjugam na perfeição. Este novo inquilino de Belém queria cortar com o passado, trazer uma nova esperança de reconciliação dos portugueses com o Presidente da República. E Marcelo percebeu os tempos em que vivemos. Cavaco Silva estava desgastado e perdeu-se o temor reverencial pela sua figura. Refugiou-se nos seus silêncios e oráculos que o levaram a cair do pedestal onde esteve durante mais de 25 anos de vida política. Marcelo trouxe uma nova centelha de energia, canalizou os seus afectos para a comunidade, representando-nos a todos em diversos capítulos da nossa vida diária. Com isso, veio a proximidade e o estar lado a lado com as pessoas como se de um cidadão normal se tratasse.
Tudo isto leva a outra característica desta sua caminhada: a omnipresença. Marcelo vai a todas, sejam momentos de tristeza ou de alegria. Aparece nos momentos em que tem de estar, mas fura a agenda para dar uma palavra de conforto, estímulo ou de parabéns muitas vezes sem a sua equipa estar avisada. Nesta fase, goza de uma popularidade estratosférica e para lá do homem político que é ganhou a notoriedade de uma Marca, com uma couraça reputacional fortíssima que lhe dá um capital de confiança que ele, inteligente como é, aproveitará para uma onda imparável de apelo popular à sua reeleição sem precisar de tabus.
É certo que, para lá dos fogos, ainda não teve nenhum teste de stress que lhe daria uma crise política. A geringonça vai andando e aqui Marcelo também percebeu que mais vale ser um aliado de António Costa, um motivador mais do que um repressor da acção governativa, apesar de todos sentirmos que durante a campanha entre Rui Rio e Pedro Santana Lopes deu sinais de que veria com bons olhos que o PSD voltasse a fazer uma boa oposição, não só agarrado aos números e ao Diabo, mas nas políticas sociais e com outros protagonistas.
«Um filme só com clímaxes é como um colar sem fio, desfaz-se. É preciso ir construindo até nos grandes momentos. E às vezes devagar». Estas palavras são de “The Bad and the Beautiful” (Cativos do Mal, em português), um filme de Vincente Minnelli e poderiam servir de aviso para o futuro. Marcelo tem vivido em clímaxes de simpatia, sem qualquer contestação. Há muitos tijolos num edifício em que as pessoas passam e gostam do efeito. Mas todos os edifícios estão sujeitos a degradação. Até agora as sensações são boas, mas a política tem um vórtice de indefinição que nem o melhor estratega consegue antecipar. Marcelo tem sido um magnífico Presidente da República, mas amanhã é outro dia. E esta deve ser a sua lição diária.
O autor escreve segundo a antiga ortografia
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