A educação como paixão perdida
José Miguel Júdice, no comentário no Jornal das 8 da TVI, fala sobre o PSD, que teima em “não arrancar”, sobre o caso Barreiras Duarte, e ainda sobre Marcelo e a prioridade que devia dar à Educação.
Fonte muito próxima do Presidente da República teve a gentileza de me telefonar a assegurar que factualmente não é verdade que queira substituir-se à oposição, pela altura do verão, se o PSD falhar como oposição forte. Ou seja, foi-me dito que não era verdade o título que motivou o que aqui disse há uma semana: “Marcelo dá prazo a Rio”.
O que quer Marcelo?
Ficamos assim todos informados. Quem ouvira e interpretara Marcelo Rebelo de Sousa, não conseguiu captar bem as subtilezas do espírito presidencial, que como o de Deus sopra por onde quer. E eu terei ido atrás disso. E com que prazer digo que afinal não será verdade aquilo que, sem prazer nenhum, acreditara que era verdade.
Em todo o caso, a preocupação com a maioria absoluta do PS não me foi desmentida. Ainda acredito e desejo que a prática presidencial o venha a desmentir. Mas continuo a ter receio que esta preocupação acabe por ser mais forte do que tudo o resto. E afinal, então…
Rio parece não ter, pois, prazo de validade até ao verão. Isso é bom para ele. Mas o resto é mau: se há algo parecido com a unanimidade é que o PSD não está a arrancar.
Porquê o PSD não arranca?
E porquê? Para já, porque ainda a procissão vai no adro. E porque realmente tem pouco jeito para fazer politica com as regras que esta “indústria” possui.
Depois, porque Rui Rio ainda está convencido de que pode chegar a acordos com o PS, que este não terá maioria absoluta, e que se vai virar em 2019 para uma coligação com o PSD. O artigo de Luís Filipe Meneses este domingo merece por isso ser lido.
Nestes termos, como fazer oposição a sério ao Governo, quando no fundo se acha que a sua tábua de salvação depende de António Costa?
E isto é tudo? Infelizmente para o PSD, não.
Barreiras Duarte, porquê?
O PSD não arranca também por causa das trapalhadas (e foi divertido ouvir Santana Lopes, transformado de acusado em acusador…) em que se tem metido, a última das quais relativa ao seu secretário-geral Barreiras Duarte.
Sempre me fascinou ver políticos experimentados a cometer erros destes. Por isso, a pergunta que tem de ser feita — e não vi fazer — é por que razão isto acontece regularmente. Não é por esses políticos serem estúpidos, nem por gostarem de riscos insensatos, nem sequer forçosamente por serem desonestos.
É bem pior do que isso: é porque o sistema educacional português tende a provocar este tipo de situações (de golpismo intelectual) e porque a densidade ética dominante não acha mal ajeitar curricula, como não acha mal plagiar autores por copy paste direto na internet, como me dizem estar a ser epidémico no ensino em Portugal.
A prioridade à Educação
Disse na passada semana que o Presidente da República tem de ser muito menos um Rei Taumaturgo (aquele que com as mãos, com afetos e com selfies cura os males do pessimismo e da dor portuguesa) para se tornar finalmente em Presidente da República.
Portugal precisa que este sobredotado e sobre-amado político “gaste” alguma da sua popularidade atacando os desafios que podem dar cabo de Portugal se não forem enfrentados com coragem, mas que podem mudar o nosso destino, se os conseguirmos resolver.
Um deles, o maior de todos, é a Educação. Passei este fim de semana em Coimbra com críticos literários, autores premiados, professores de vários graus de ensino, gente de várias gradações da esquerda e da direita, por ocasião da atribuição a Rosa Oliveira e a Eugénio Lisboa de prémios da Fundação Inês de Castro. Ouvi histórias horríveis e de fazer chorar.
E também li o magnífico texto de Clara Ferreira Alves no “Expresso” de sábado, a pretexto de uma peça de Eugene O’Neill, e ouvi-a no “Eixo do Mal”, sem piedade (honra lhe seja), a tocar na ferida do facilitismo, da recusa em estudar duramente, em aprender a sério, o que considera estar na origem de fenómenos como o do secretário-geral do PSD e de tantos como ele e antes dele.
Costumo dizer que devo tudo o que sou aos meus professores. Mas, pré-adolescente ou adolescente, sabia que tinha de estudar a sério pois o meu futuro dependia disso; e que se não me preparasse com seriedade podia chumbar no liceu público onde estudava. E sabia que se tivesse uma má nota, a minha Mãe não ia protestar com os professores, mas castigava-me a mim.
Hoje teriam dado cabo do meu futuro.
Sem faltas, iria jogar bilhar ou futebol; sabendo que não podia chumbar, iria viver dos rendimentos gerados com alguma atenção nas aulas e algumas leituras de sinopses coladas com cuspo.
Nos anos formativos tornar-me-ia num analfabeto cultural, um preguiçoso preparado para viver de expedientes, uma besta-quadrada a aprender reivindicações a ver a mãezinha a berrar com os professores, até que estes já fartos disso e quantos deles também “analfabetizados”, nos dessem a todos as notas que sossegariam a sua vida e destruiriam as nossas.
Quando vejo Mário Nogueira e as suas tropas — disse-o no tempo de Maria de Lurdes Rodrigues, e repito agora — descubro que não quero os meus netos entregues a estes sindicalistas do berro, que nunca gritam exigindo rigor, estudo, trabalho aos estudantes, que nunca reivindicam o direito a chumbar, a fazer provas, a censurar duramente os disparates e as bestialidades dos seus alunos.
E não me venham com as dificuldades sociais para legitimar a bandalheira. Estudei numa escola primária pública na zona mais pobre de Coimbra. Quase todos os meus colegas ao fim da 4ª classe foram trabalhar e roubaram-lhes a infância. E no liceu alguns dos meus colegas vinham de longe, em casa tinham pais analfabetos ou — como se dizia então — capazes de ler as letras gordas e que trabalhavam mais do que seria razoável para dar aos filhos um futuro melhor.
É por isso muito ofensivo comparar os desfavorecidos de hoje com os desses tempos de miséria, pobreza extrema, abusos, insalubridade, casas sem água corrente, com uma cama onde tinham de dormir num quarto sem janela pais e irmãos. E, apesar disso, o ensino público exigia-lhes trabalho e esforço e com isso colocava-os num ascensor social que era muito imperfeito, mas que não era pior do que hoje.
Os problemas da Educação que o PR tem de ganhar coragem para enfrentar
Perante isto que faz o Presidente? Um ou outro discurso para dizer as palavras óbvias e fáceis (prioridade à educação, convergências políticas, luta contra o abandono escolar, reforço da coesão social, redução dos chumbos que — sic — “continuam a verificar-se”, educação de adultos, empregabilidade).
E, claro, também fala de afetos e empatia: e seguramente tirou centenas de selfies com alunos e com professores. É verdade que nos primeiros dias de novembro de 2017, ou seja há quase 6 meses, no Congresso das Escolas, “garantiu” que queria “ajudar” na “missão” de “mudar” a “situação”. Tudo excelente, por certo. Mas tudo tão politicamente correto! E, em todo o caso, continuamos a aguardar que comece a “missão”.
Rebelo de Sousa foi um notável professor, foi um aluno exemplar, trabalhou duramente apesar de ter nascido no seio da elite política do seu tempo. Tinha o futuro garantido na Ditadura, mesmo que tivesse ficado semi-analfabeto como tantos, mas não escolheu a estrada do facilitismo. Sabe bem do que falo; e seguramente que concorda com o que eu estou a dizer.
Mas a questão é outra: Quanta popularidade colocou em risco no tema da Educação? Que foi capaz de estigmatizar? Que propôs? Que vícios e falhas denunciou?
Marcelo Rebelo de Sousa está a chegar ao meio do seu mandato. Segundo diz, e como sabe que não há evidentemente melhor do que ele, vai voltar a candidatar-se. E ainda bem. É urgente que use os seus poderes para mudar Portugal. Tem de recusar o conforto de dizer o que gostamos de ouvir, pois só assim pode ajudar na missão de mudar a situação na Educação.
Até por outra razão: se falar verdade aos portugueses, se nos disser que a culpa também é nossa, verá que a sua popularidade não se esvai e será reeleito ainda com mais votos do que Mário Soares.
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