Os patrões abusam dos contratos a prazo?

Vieira da Silva declarou guerra aos contratos a prazo, apresentando um pacote com medidas pensadas e sensatas. Mas entusiasmou-se em demasia.

Para saber se em Portugal há contratos a prazo a mais, a primeira coisa a fazer é olhar para aquilo que se passa nos outros países. E foi o que o Governo fez e não gostou do que viu. Somos os terceiros na Europa. O peso dos contratos a prazo em Portugal é de 22%, só atrás da Polónia (27%) e de Espanha (26%), e está bastante acima da média de 14% da União a 28.

Os patrões portugueses usam e abusam dos contratos a prazo? A resposta não é assim tão óbvia.

  1. Existe uma componente grande dos contratos a prazo em Portugal (e em Espanha) que tem a ver com a composição da estrutura do nosso tecido produtivo, em que existe uma preponderância grande de setores como o turismo e a construção, que tipicamente recorrem amiúde à contratação a termo ou a termo incerto.
  2. Também é fácil contratar a prazo em Portugal. Muitos patrões transformam funções permanentes num desfile interminável de trabalhadores precários só com o objetivo de poupar uns quantos euros ao final do mês (os contratos a prazo remuneram, em média, menos 15% a 20% face aos contratos sem termo) e de não ficar “preso” ao trabalhador.
  3. Aqui entra a terceira causa para o recurso abusivo dos contratos a prazo. É difícil despedir contratados sem termo em Portugal, mesmo quando são incompetentes ou pouco produtivos. Olhando para a lei, a figura de despedimento por inadaptação é residual, o despedimento coletivo é demasiado radical, o despedimento por extinção de posto de trabalho é radical numa escala mais pequena e o despedimento individual é quase uma impossibilidade para as empresas e vai parar invariavelmente a tribunal. Por isso é que as empresas tentam forçar sempre as rescisões.

Em relação ao ponto 1) o Governo nada pode fazer. Em relação ao ponto 3), apesar das várias insistências da Comissão Europeia para a redução da rigidez dos contratos sem termo, António Costa naturalmente não vai comprar esta guerra porque não terá o respaldo da esquerda radical que o apoia no Parlamento.

Por isso é que o Governo aponta baterias para o ponto 2). Baixar a duração máxima dos contratos a prazo, de três para dois anos, não fará nenhum patrão perder o sono e fará muitos trabalhadores dormirem mais descansados. Tendo em conta que a lei já prevê um período experimental, dois anos é tempo mais do que suficiente para a empresa chegar à conclusão se esse trabalhador está a desempenhar, ou não, funções permanentes. Não há picos de atividades ou licenças de parentalidade que durem três anos. Se durarem, é porque já não é pico, é tendência.

Vieira da Silva muda também as regras das renovações. Hoje em dia é possível a um patrão fazer, por exemplo, um contrato a prazo por 3 meses e proceder a três renovações até chegar à duração máxima permitida por lei (agora três anos, e no futuro dois anos). Caso a reforma do Governo avance, aplicar-se-á uma regra em que a soma dos períodos dos contratos subsequentes com a mesma pessoa não pode exceder o período do primeiro contrato. Assim, se optar por um primeiro contrato a três meses, a empresa já só poderá fazer mais um de igual horizonte temporal. O patrão fica com uma “margem para se enganar”, mas já não poderá utilizar sucessivos contratos a prazo porque lhe dá na gana.

Além disso, o Governo baixa de 6 para 4 anos a duração máxima dos contratos a termo incerto (mais usados na construção) e exclui os jovens à procura do primeiro emprego e os desempregados de longa duração como motivos para justificar a contratação a prazo.

Este último ponto é particularmente relevante, já que o artigo 143º do código do trabalho sobre a ‘sucessão de contrato de trabalho a termo’ prevê que os patrões possam fazer sucessivos contratos a prazo com diferentes trabalhadores (sem respeitar o período de interregno equivalente a um terço da duração do contrato anterior, incluindo renovações) desde que o trabalhador anteriormente contratado esteja à procura do primeiro emprego. Na prática, há uma função permanente que está a ser desempenhada ‘ad aeternum‘ por trabalhadores a prazo.

Para os trabalhadores é bom porque ganham estabilidade familiar e para as empresas também: uma empresa que usa e abusa dos contratos a prazo está em concorrência desleal com outras do mesmo setor que privilegiam vínculos estáveis.

Além destas medidas, o Governo baixa de 750 para 250 trabalhadores o limiar permitido para que novos estabelecimentos contratarem a prazo, facilita aos precários o acesso ao subsídio social de desemprego e ainda coloca um travão às convenções coletivas caso estas queiram alterar o regime de contratação a termo.

A nova taxa ainda não tem nome. Aceitam-se sugestões

Nesta ânsia de querer colocar um travão aos contratos precários, legítima diga-se, o Governo acaba por exagerar na dose ao anunciar a criação de uma taxa Adicional à TSU de 1% a 2% para as empresas que abusem dos contratos a prazo, ou seja, que tenham um peso de contratação a prazo superior ao do respetivo setor.

Face à possibilidade admitida anteriormente de diferenciar a TSU em função do tipo de contrato, esta “Nova TSU” tem a vantagem de não ser universal (não penaliza uma empresa só porque tem contratos a prazo) e, ao fazer uma media, é sensível à especificidade de cada setor, seja agricultura, turismo ou trabalho temporário.

Mas na balança, os argumentos “contra” pesam mais. Depois do IRC, da derrama municipal, da derrama estadual, do IMI, do Adicional do IMI, da TSU e de outros impostos e contribuições quejandas, agora as empresas ainda têm de pagar uma taxa adicional. Além disso, ao contrário do que prometeu o Governo, esta medida não é neutra do ponto de vista de receitas para Estado: vai buscar 90 milhões às empresas e não dá nada em troca.

O Governo disse aos parceiros que ainda não batizou esta nova taxa. Aceitam-se sugestões. Fica a minha: com tantas taxas e taxinhas, deveríamos começar a designar os impostos por números e não por nomes. Quando chegássemos a um número que nos envergonhasse – e suspeito já o termos feito – talvez parássemos de criar tantos impostos e contribuições.

Por fim, a nova taxa Adicional à TSU, ao ser calculada em função dos salários dos contratos a prazo, poderá ter efeitos perniciosos. Das duas, uma: se não pesar nas contas da empresa é ineficiente e não vai induzir uma mudança de comportamentos. Se pesar, as empresas terão o incentivo perverso de baixar ainda mais os salários para não insuflar a massa salarial dos contratos a prazo (o Governo exclui das contas os contratos a termo incerto) com o objetivo de minimizar o imposto ou a contribuição paga ao Estado.

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