A comunidade
Podemos não ter certezas quanto ao que o futuro próximo nos reserva em relação ao Facebook, mas esta "pequena comunidade" de 2,2 milhões de utilizadores terá uma palavra a dizer.
Lembram-se de que a internet, mais concretamente as redes sociais e, über alles, o facebook iam acabar com os jornais? No passado dia 25 de março, Mark Zuckerberg comprou um anúncio de página inteira na edição impressa no Washington Post, no New York Times, no Wall Street Journal e em seis jornais britânicos para pedir desculpa por não terem feito mais no caso da Cambridge Analytica. A ironia é fatal.
O anúncio tem pormenores deliciosos. Mas o destaque é a afirmação de que o Facebook tem a responsabilidade de proteger a informação dos utilizadores e se não o fizer não a merece. Não me parece que o respeito pela privacidade seja um traço distintivo da rede de Zuckerberg. Afinal, quem corre risco de extinção: os jornais ou o Facebook?
Lamento não ter uma resposta pronta e definitiva para esta questão. A sério, lamento mesmo. Caso a tivesse, o melhor que poderia fazer pelos meus filhos seria apanhar um avião para a Califórnia e reunir rapidamente com o Zuck ou dar um salto a Manhattan e fazer (como se diz agora?) um pitch ao Sr. Rupert Murdoch. Mas, enquanto não encontramos a tal resposta definitiva, podemos tentar alinhavar algumas dúvidas e reflexões sobre este tema.
O declínio das vendas de jornais e das suas receitas de publicidade parece ser uma tendência demasiado pesada para que possa ser revertida. O progresso tecnológico não se reverte por decreto. Não foi assim da junta de bois para a máquina a vapor e dos sinais de fumo para o telefone, não será assim agora. Mas a questão (que são várias ou mesmo muitas) da confiança nas redes sociais, que vai desde as fake news até à utilização dos dados pessoais recolhidos na rede e, sobretudo, ao cruzamento destas duas, parece abrir uma oportunidade para a revalorização do jornalismo e de marcas de informação de confiança no mundo digital. Mas como fazer com que uma massa de “leitores-espectadores-consumidores-utilizadores-membros” volte ou passe a pagar por algo que se habituou a aceder de forma gratuita?
Um dos caminhos, que tem sido defendido pelas empresas de comunicação social, passa pelo pagamento de empresas como o Facebook e a Google dos conteúdos noticiosos a quem verdadeiramente os produz. Os líderes do setor da comunicação social sublinham que os motores de busca e as redes sociais utilizam o seu trabalho para se credibilizarem e para faturarem incontáveis cliques, acumulando somas astronómicas em publicidade, ao mesmo tempo que esta desaparece dos meios tradicionais.
Talvez sentido o espectro da regulação, em janeiro de 2018 a empresa de Zuckerberg anunciou que o seu algoritmo iria passar a privilegiar as interações entre amigos e familiares em detrimento de outros conteúdos. Curiosa foi a resposta do jornal Folha de S. Paulo que, vendo nesta decisão uma penalização dos conteúdos produzidos pelo jornalismo profissional, decidiu deixar de publicar as suas notícias no Facebook.
A questão da proteção de dados e a da utilização dos conteúdos jornalísticos são questões distintas, mas concomitantes. Há quem entenda que os media tradicionais estão agora a aproveitar o caso dos dados para se vingar e demonizar Zuckerberg por causa do impacto da internet e das redes sociais no paradigma da comunicação social. Por outro lado, agora que soam alarmes mais agudos, não apenas na proteção de dados individuais mas também na ordem democrática e na segurança de países, é possível que algo se possa alterar no domínio da regulação.
Mas a capacidade de escolha e o poder está cada vez menos nos Estados. No tal anúncio de uma página na imprensa, Mark Zuckerberg refere-se ao Facebook como uma comunidade: “Thank you for believing in this community” (gospel?). Não tenho dados (Zuckerberg terá) em relação ao nível de sucesso do apelo #DeleteFacebook. Mas utilizando o motor de busca (lá está), encontro que o Facebook terá atualmente cerca de 2,2 mil milhões utilizadores ativos. Já em junho passado, Zuckerberg tinha anunciado (e os media tradicionais noticiaram) que a rede tinha atingido os dois mil milhões de membros. Podemos não ter certezas quanto ao que o futuro próximo nos reserva, mas esta “pequena comunidade” terá uma palavra a dizer.
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