Só a renegociação da dívida resolve estruturalmente o problema que Portugal tem, defende em entrevista ao ECO o líder parlamentar do PCP.
O PCP está convencido que se voltarmos a ter uma crise como a de 2008 dificilmente a conseguiremos ultrapassar sem fazer o mesmo que no passado. Porque, defende o líder parlamentar do PCP João Oliveira, o problema que temos só se resolve estruturalmente se existir uma reestruturação da dívida. Uma nova crise demonstrará que este caminho não resolve o problema.
Nesta segunda parte de uma entrevista, feita antes de se conhecer o Programa de Estabilidade, João Oliveira reafirma que o PCP não reconhece legitimidade a esse documento, defende a reestruturação da dívida, dando como exemplos de sucesso o Equador e a Argentina, e manifesta a sua discordância com a estratégia do Governo neste domínio, considerando que não se está a resolver o problema. Só estamos melhor por razões conjunturais.
Está satisfeito com os objetivos que têm sido atingidos apesar dos problemas graves a que temos assistido, por exemplo, na Saúde?
O desenvolvimento da situação política nacional confirma aquilo que dizemos há muito tempo em relação às limitações desta solução política. Tem sido possível tomar medidas positivas para os trabalhadores e para o povo, como nunca no passado. Não apenas de recuperação de direitos, mas também avanços em matérias como as longas carreiras contributivas, aumento de pensões, gratuitidade de manuais escolares… Há um conjunto de medidas com efeitos positivos não apenas na justiça social, mas também do ponto de vista da recuperação da situação económica. Se não se tem ido mais longe é, de facto, porque as opções que o PS faz não o permitem. E, nisso, a aritmética é muito relevante: nós temos 15 deputados e o PS tem 86. Ou seja, nós não conseguimos aprovar todas as medidas que propomos. Naquelas em que o PS tem convergido connosco têm existido avanços. A persistência do PCP tem permitido avanços sempre que o PS entende convergir connosco. Naquilo que o PS converge com o PSD e o CDS tem havido o contrário: estagnação e falta de resposta aos problemas. Por exemplo, a legislação laboral.
Mas não é uma atitude conformista: “se o PS convergir connosco nós conseguimos, se não convergir, nós não conseguimos…”
Não. É a constatação de uma realidade concreta: em 230 deputados temos 15.
Mas isso também aconteceria se não estivessem a apoiar o Governo…
Apoiar o Governo? Mas nós não apoiamos o Governo. Nem damos um cheque em branco ao Governo. Nós não damos apoio ao Governo em abstrato. O que temos dito é que a força que o PCP tem e a capacidade de influência que o PCP tem é para fazer avançar tudo aquilo que é positivo e para contrariar aquilo que é negativo. Significa que está nas nossas mãos a possibilidade de decidir tudo? Não, com 15 deputados é óbvio que não. Os avanços não dependem só de nós, dependem também das opções que outros fazem.
Porque é que pensa que a posição do PCP de ignorar o Programa de Estabilidade, de ignorar a revisão em baixa do objetivo para o défice público, é melhor compreendida pelos eleitores do que a posição, por exemplo, do Bloco de Esquerda que se manifestou ruidosamente contra a revisão do objetivo do défice?
Primeiro porque a nossa posição não é de “ignorar” [como se diz a na pergunta]. Segundo, porque a nossa posição não se relaciona com aquilo que tem mais sucesso. Na discussão do Programa de Estabilidade questionaremos o Governo e afirmaremos a perspetiva que temos. O que fazemos não é ignorar o Programa de Estabilidade, o que fazemos é não o absolutizar. Como se aquilo fosse um espartilho dentro do qual depois cada um tem de apontar a fatia que quer. É uma opção do Governo e não nos condiciona. O que condiciona as opções do país são as decisões tomadas pelos órgãos de soberania: o Orçamento que em concreto é aprovado é decisão da Assembleia da República. E obviamente que não nos posicionamos em função do sucesso eleitoral ou eficácia eleitoral. Posicionamo-nos em função da nossa perspetiva das soluções que têm de ser encontradas para resolver os problemas do País.
Um exemplo muito concreto. O peso do serviço da dívida. Se a execução do Orçamento de 2018 correr como foi aprovado, terminaremos o ano com um superávite de quase quatro mil milhões de euros. O problema é que aparece uma fatura de juros de sete mil milhões. E aquilo que era um superávite passa a ser um défice. E o país passa a ter um problema onde podia estar uma solução. O que é que era possível fazer com aqueles sete mil milhões de euros se a dívida fosse renegociada? Quantas estradas, hospitais, centros de saúde, escolas… Quanto investimento se podia realizar?
O que é que o PCP tem feito para defender a renegociação da dívida? O que é que quer dizer com isso? Perdão de dívida?
Temos apresentado propostas. A proposta que temos apresentado, desde abril de 2011, aponta para um conjunto de medidas não apenas do processo em si mas também das decisões que têm de ser tomadas para preparar o País.
Tem consciência que isso teria como consequência a interrupção do financiamento por parte dos investidores internacionais?
A renegociação do Equador contraria isso.
…Do Equador? Não somos o Equador…
A renegociação da dívida da Argentina nega isso também.
Mas a Argentina tem andado ao longo da sua história num processo de altos e baixos…
Utilizei este exemplo da Argentina e do Equador porque são dois exemplos recentes de como é possível fazer a renegociação da dívida. No caso do Equador com sucesso do ponto de vista económico e social indesmentível. Podia recuar a 1948 e à decisão da renegociação da dívida da Alemanha a seguir à II Guerra Mundial. Os processos de renegociação da dívida não devem ser encarados como papões.
Se voltarmos a ter uma crise como aquela que tivemos em 2008 (…) dificilmente conseguiríamos ultrapassar essa circunstância em condições diferentes das de 2008.
Mas nós estamos a conseguir baixar a dívida, não?
A decisão de gestão da dívida que está a ser feita pelo Governo não resolve o problema do ponto de vista estrutural. Se voltarmos a ter uma crise como aquela que tivemos em 2008 — e não estamos livres dela porque não somos nós que controlamos os mecanismos especulativos que se dirigem contra o nosso país –, dificilmente conseguiríamos ultrapassar essa circunstância em condições diferentes das de 2008. O grau de imprevisibilidade das opções que o Governo faz em relação à gestão da dívida é tal que não podemos dizer que o problema esteja a ser resolvido.
Na sua opinião esta redução do défice não significa uma resolução estrutural do nosso problema de finanças públicas?
Respondo-lhe com uma pergunta. Se voltarmos a ter uma operação especulativa sobre a nossa dívida que faça disparar novamente os juros, estamos em condições de dizer que isso não tem consequências na nossa dívida? O Governo poderia manter as medidas que tem estado a tomar sem o sacrifício das condições de vida dos portugueses? Basta olhar para a conjugação de fatores que têm conduzido à redução dos juros da dívida para concluir que Portugal influencia muito pouco o que está na origem dessa diminuição.
Na sua perspetiva a redução do défice público é única e exclusivamente explicada pela conjuntura económica favorável que estamos a viver?
Não. Para além de considerar que a redução do défice público não deve ser um objectivo absoluto. A preocupação com o equilíbrio das contas públicas não se pode sobrepor à preocupação com a resolução dos problemas do país.
Mas o que me está a dizer é que se tivermos uma crise igual à de 2008 voltaremos a ter os mesmo problemas e terão de ser tomadas exatamente as mesmas medidas de corte de salários, de aumento de impostos, de cortes de pensões?
Numa circunstância como essa talvez a necessidade de renegociação da dívida ganhasse ainda maior evidência. Vale a pena pegar no que referiu e vermos onde estamos hoje. Quando olhamos para a ofensiva especulativa sobre a nossa dívida, desencadeada a partir de 2008, e quando olhamos para as medidas tomadas pelos governos de então — quer pelo governo do PS de José Sócrates com os três PEC aprovados pelo PSD e CDS quer com o pacto da troika — e para todo esse percurso pergunto: aquilo valeu a pena? Aquilo resolveu-nos o problema? Não resolveu. Aquelas medidas de empobrecimento, a destruição da nossa economia foi toda concretizada e o problema não se resolveu.
E agora o problema da dívida resolveu-se?
Não, também não. Com a opção que o Governo do PS continua a fazer, de recusar a renegociação da dívida, esse problema continua a não se resolver.
A economia cresceu e, por via disso, conjunturalmente, a situação alterou-se. A questão é: isto é sustentável ou conjuntural? (…) Não é sustentável.
Mas só para clarificar, na sua perspetiva estamos na mesma situação. A única diferença é que a conjuntura favorável tem permitido reduzir o défice e melhorar as condições de vida das pessoas?
Nós não estamos exatamente na mesma porque entretanto foram tomadas medidas de devolução de direitos e de rendimentos que tiveram um efeito positivo na economia. A economia cresceu e, por via disso, conjunturalmente, a situação alterou-se. A questão é: isto é sustentável ou conjuntural? Juntando todos os fatores que influenciam esta equação, quer as medidas tomadas pelo BCE, quer a conjuntura internacional, apontam para uma circunstância em que esse problema não tem hoje a premência do passado.
Mas é sustentável ou conjuntural?
Não é sustentável. Porque nós não condicionamos os fatores externos que influenciam esta circunstância, nem temos condições para dizer, hoje, que com as medidas que o governo tem tomado podemos assegurar que, do ponto de vista interno, esta resposta é sustentável. O Governo está hoje em condições de assegurar que Portugal está em condições de crescer pelo menos 3%, nos próximos anos, para garantir um crescimento, em média, acima daquilo que podemos ter de despender com o serviço da dívida?
Não acredita então na estratégia que está a ser seguida por este Governo mas apoia a estratégia?
Não, não. Esta não é a solução para resolver este problema.
Mas o PS só é Governo porque o PCP o permite.
Mas em que é que o Governo do PSD e do CDS fariam diferente?
Então o PCP poderia também apoiar um Governo do PSD e do CDS?
Continua a laborar no erro do apoio do PCP ao Governo. O PCP não apoia o Governo com um cheque em branco. O compromisso do PCP é com os trabalhadores e com o povo. E o que dissemos foi que para as medidas positivas contam com o apoio do PCP. Não contam com o apoio do PCP naquilo que seja negativo para os trabalhadores e para o povo. Significa que podemos impor todas as soluções que consideramos boas para resolver os problemas? Não porque ainda não temos força para isso. Continuaremos a lutar para conseguir a renegociação da dívida porque é essa solução que serve os interesses do país.
O que nos diz é que esta solução não resolve o problema e vamos ter de o enfrentar com a reestruturação da dívida mais cedo ou mais tarde?
Sim. Se alguém fizer esta pergunta ao Governo: está em condições de assegurar que o país vai crescer acima de 3%?
Mas não fazendo a pergunta ao Governo pergunto-lhe: acredita que o país vai crescer mais de 3%?
Temos todas as dúvidas de que esta estratégia de gestão da dívida possa permitir essa solução.
Portanto mais cedo ou mais tarde voltaremos a ter um problema
Ainda para mais se ela significa, como está a significar no imediato, o sacrifício de uma disponibilidade orçamental que poderia ser utilizada para resolver problemas estruturais do país, como os serviços públicos.
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João Oliveira: “Apoiar o Governo? Mas nós não apoiamos o Governo”
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