A eutanásia é nossa, não de políticos

Não podemos olvidar que a dignidade da morte é um acto de vida. E livre. Só depende da nossa vontade, não de políticos.

Não sou católico praticante, não tenho partido, não pertenço a grupinhos nem a sociedades secretas. Tento viver pelo pêndulo da racionalidade e sem preconceitos. Toda esta discussão da eutanásia ocorreu numa semana em que o meu pai morreu de repente, sem sofrer e sem provocar dano por uma doença incurável qualquer. Este assunto é algo profundamente tocante em toda a comunidade, pois muitas famílias já viram algum dos seus partir com dor continuada.

Como é hábito num tema fracturante tínhamos de ter os dois lados da barricada da politiquice de trazer por casa, encarniçadamente, em confronto, e o habitual choque entre beatos e não católicos do costume. E quem sai a perder? O mexilhão, como sempre. As pessoas, o indivíduo que quer morrer sem causar mais constrangimentos aos seus, plenamente consciente do seu acto. Livre, no seu direito natural e inalienável de decidir o seu caminho, e não sob a batuta de discussões parlamentares para as quais todos se estão marimbando, ou sob o signo de questões religiosas que não devem agrilhoar o livre pensamento e decisão.

Já usei a palavra “livre” várias vezes neste texto porque esta é uma questão de liberdade. De cada um de nós e não de forças de influência. A eutanásia é nossa, não de partidos. Os personalistas que beberam os seus princípios nas ideias de Jacques Maritain enchem a boca com a dignidade da vida, porém, esquecem-se que a morte também deve pressupor dignidade. Quem esteja consciente da dor pela qual passa e em casos terminais deve ter o direito a escolher o seu fim. Nada mais que isto.

É claro que na Assembleia da República houve uma manifestação inequívoca de democracia e cada deputado teve oportunidade de votar consoante os seus valores e consciência. O problema é que nenhuma das senhoras e senhores ali sentados representa directamente os desejos dos eleitores – qualquer que seja o sentido do voto – nem as suas preocupações. O distanciamento entre eleitores e eleitos acentua-se enormemente nestes casos, pois o nosso sistema eleitoral não diz ao senhor Ezequiel, de Celorico de Basto, nem à dona Carmo, de Silves, com quem deve falar para o poder representar. E assim abre-se um gritante fosso entre o pensamento dos portugueses e quem está no Parlamento.

Há temas que não podem ter bandeiras partidárias nem colorações ideológicas. Cabem apenas à nossa matriz pessoal, à nossa liberdade. A eutanásia não passou, no entanto, irá avançar um dia e em breve. As sociedades evoluem, têm os seus fundamentos que nunca podem ser enterrados, mas, tal como se busca uma melhor qualidade de vida em todas as comunidades, não podemos olvidar que a dignidade da morte é um acto de vida. E livre. Só depende da nossa vontade e não temos de dar satisfações a ninguém pois é a nossa consciência quem mais ordena. Alguns esqueceram-se disso.

O autor escreve segundo a antiga ortografia

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