Para que lado vai cair o PS?
O conflito com os professores recorda-nos que o despesismo é uma doença silenciosa e progressiva, que se manifesta a conta-gotas até ter todo o organismo tomado. Quando se dá conta, já é tarde demais.
O governo e o Partido Socialista estão a passar por um dos mais importantes momentos decisivos dos últimos anos, daqueles em que têm que definir com clareza de que lado se posicionam tendo em conta o que está em causa. Não é a primeira vez que acontece na última década e, como se foi vendo, antecipar problemas, enfrentar grupos de interesse, tomar decisões difíceis mas necessárias e estar à altura das exigências não é coisa que se associe de forma imediata aos socialistas.
O braço-de-ferro que está a decorrer com os sindicatos de professores é muito mais do que uma das frequentes reclamações corporativas por salários ou, genericamente, por regalias. O que está em causa é, simplesmente, a sustentabilidade das contas do Estado e a vontade e capacidade para emendar a mão dos erros que sucessivos governos cometeram, nas últimas décadas, quando foram cedendo a mais esta e aquela reivindicação sem se preocuparem com os níveis incomportáveis da despesa que estavam a deixar para o futuro.
É fácil garantir que a generalidade dos professores chegará ao topo de carreira, o que, só por si, é uma excentricidade. É fácil montar um sistema de proto-avaliação que, afinal, pouco ou nada avalia e falha no essencial, que é premiar devidamente o mérito a quem o tem. É fácil reduzir cada vez mais os tempos de trabalho sem a preocupação imediata de avaliar quanto é que isso vai custar na contratação de mais professores. É fácil garantir um sistema de progressões na carreira que dependem essencialmente do tempo e que, claro, implicam sempre novos patamares de despesa.
É fácil ir dizendo que sim a tudo isto, de forma gradual, em nome da chamada paz social do momento e garantindo o voto nas próximas eleições, que os professores ainda são cerca de 120 mil e se contarmos com os agregados familiares há ali muitos votos em jogo. Hoje são só mais uns milhões. Amanhã outros milhões serão. O problema é que estes sistemas são uma autêntica “bola de neve” de despesa, sempre a somar ou a multiplicar ao patamar anterior e, quando se dá por isso, a factura anual do acréscimo já vai em centenas ou milhares de milhões de euros. E estas são daquelas despesas que não estão nem podem estar, como é óbvio, sujeitas a cativações e à decisão discricionária do ministro das Finanças durante a execução de cada Orçamento do Estado.
Quando se fala da rigidez da despesa pública e de como é difícil reduzi-la ou mesmo contê-la também estamos a falar dos compromissos assumidos com as várias classes profissionais da função pública. Se o Estado não despede, não abre programas de rescisões amigáveis e se garante progressões automáticas em carreiras muitas vezes de forma irresponsável, é evidente que estas despesas vão crescer também de forma automática e também elas de forma irresponsável.
Se o país não tivesse chegado perto da bancarrota e se as carreiras não tivessem sido congeladas pelo governo de José Sócrates em 2010, já em situação de emergência, esta despesa estaria já a ser paga pelos contribuintes, como foi durante anos sem sobressalto ou polémicas públicas. Ou seja, o problema existiria na mesma, mas como se tinha manifestado de forma progressiva não estaria identificado tão claramente nem a ser discutido na praça pública como agora acontece.
É isso que mais este embate com os professores nos está a mostrar. Satisfazer as suas exigências de contagem integral do tempo de trabalho para efeito de progressão na carreira e na evolução salarial – incluindo o congelamento feito entre 2005 e 2007, portanto antes da crise, note-se — custaria aos contribuintes mais cerca de 1000 milhões de euros por ano quando a medida estivesse em “velocidade de cruzeiro”, um aumento de 16% no orçamento da Educação.
Repare-se que se o país não tivesse chegado perto da bancarrota e se as carreiras não tivessem sido congeladas pelo governo de José Sócrates em 2010, já em situação de emergência, esta despesa estaria já a ser paga pelos contribuintes, como foi durante anos sem sobressalto ou polémicas públicas. Ou seja, o problema existiria na mesma, mas como se tinha manifestado de forma progressiva não estaria identificado tão claramente nem a ser discutido na praça pública como agora acontece.
Isto recorda-nos que, muitas vezes, o despesismo é uma doença relativamente silenciosa e progressiva, que se manifesta a conta-gotas de forma discreta até ter todo o organismo tomado. Quando se dá conta dela, já é demasiado tarde e obriga a medidas radicais, cirurgias complexas e convalescenças dolorosas de prognóstico reservado.
Aqui chegados, o governo tem agora um problema político e negocial para resolver com uma das corporações mais poderosas do país, que se preocupa muito mais com o seu interesse próprio do que com o bem comum do país ou dos alunos.
Mas, mais importante do que isso, o país tem um grave problema para resolver com a generalidade das classes profissionais da função pública. O caso dos professores será dos mais flagrantes — não só pelo impacto financeiro, porque são 120 mil, mas pelas condições que sucessivos governos lhes foram garantindo — e, por isso, alerta-nos para a urgente necessidade de se rever todo o processo de formação e evolução de carreiras na função pública e dos respectivos direitos e deveres.
O PS e o governo podem ter a tentação de ceder agora — as eleições são daqui a um ano –, pagando já ou prometendo pagar no futuro mas estarão a prestar um mau serviço ao país. É que, de uma forma ou de outra, os mil milhões por ano terão sempre que ser pagos a partir de um determinado ano.
Ora, se a factura dos professores é incomportável num momento em que os contribuintes já pagam a carga fiscal mais elevada de sempre, as despesas correntes estão esmagadas pelas cativações como se vê todos os dias no funcionamento de serviços como a saúde, os juros que o Estado paga estão em patamares historicamente baixos, o investimento do Estado foi reduzido à sua mais rasteira expressão e a economia cresce, como vamos poder pagá-la no futuro?
Temos que assumir que não é possível e que as suas carreiras têm que ser revistas, garantindo também a justiça relativa comparativa com outras profissões do Estado. Está na altura de assumi-lo e já é demasiado tarde.
E este é um momento de definição importante para os socialistas que, dizem, estão a provar que a irresponsável orçamental de que são acusados é um mito.
Este é o primeiro embate sério deste governo com um grupo de interesse forte e que não está nada habituado a ouvir “não” – para se recordarem, basta a alguns membros deste governo recuarem uma década para a altura em que se sentavam ao lado de Maria de Lurdes Rodrigues no Conselho de Ministros de José Sócrates.
É que os contribuintes não estão organizados em sindicatos nem saem à rua quando lhes vão ao bolso para pagarem todas estas facturas.
Os que ficaram desempregados na última década não se manifestam a exigir a reposição das suas carreiras que foram interrompidas com a crise.
Os trabalhadores do sector privado não organizam greves a reclamar progressões nas carreiras que dependem essencialmente do tempo e não da avaliação de desemprenho.
O governo compreendeu, finalmente, o que quer dizer cada uma das três palavras da frase “não há dinheiro”. Basta que não se esqueçam rapidamente dela e que façam o que têm que fazer: lançar uma revisão profunda das carreiras da função pública que equilibre direitos e deveres, que seja transversalmente justa e que respeite todos, a começar pelos contribuintes.
Nota: O autor escreve de acordo com o antigo acordo ortográfico
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