BCE, Itália e Espanha: muitos avisos à propaganda do governo
A situação de crise política em Itália e em Espanha, somada à eventual mudança de política monetária do BCE, vai trazer novos problemas à política económica e financeira do governo.
Quem tem paciência para ir lendo estas crónicas, sabe como tenho sido crítico da orientação da política económica e orçamental do governo. Nas últimas semanas, vários episódios reforçaram os alertas que alguns têm procurado evidenciar.
Um dos avisos veio do Banco de Portugal. O preço do imobiliário está a subir, sobretudo em Lisboa, Porto e Algarve. É verdade que este ciclo de subida resulta de três fatores externos: turismo, investimento estrangeiro e a política monetária do BCE (com juros muito baixos, há uma tendência para investir em outros ativos, entre os principais o imobiliário, em busca de rendibilidades maiores). Se estamos ou não perante uma bolha ainda é difícil de dizer. Verdade que o stock total de crédito habitação continua a diminuir. Isto é, o fluxo tem vindo a subir, mas o stock ainda é inferior ao do período pré-crise. Está ainda abaixo do valor de 2007, embora já acima do valor de 2010. Apesar do efeito exógeno da subida do preço das casas, convém ter algum cuidado no efeito que pode voltar a ter nos bancos.
Em linha com isto, esta quinta-feira pode haver uma mudança profunda na política monetária do BCE. Existe alguma expectativa que Draghi anuncie a data para o fim do programa de estímulos. Aqui, há que considerar três aspetos centrais:
- Primeiro, o fim do programa (que recorde-se já foi reduzido de 60 mil M€ mensais para 30 mil M€ no inicio deste ano) significa o fim do fluxo (ainda não do stock). Ou seja, para já, o efeito será apenas que a procura de dívida pública vai-se reduzir, dado que o BCE deixará de comprar dívida pública. Ora, esta redução da procura total terá naturalmente efeito nas taxas de juro, que deverão começar a subir. Além disso, é também esperado para quarta uma subida das taxas de juro da Reserva Federal Americana.
- Segundo, o mais provável é que na maturidade da dívida que é detida pelo BCE e pelos bancos centrais nacionais esta não seja recomprada. Primeiro, porque tal configuraria muito provavelmente uma violação dos Tratados Europeus, por ser compra em mercado primário, mas também dada a decisão de terminar o programa, o mais natural será que o BCE apenas mantenha a divida até à sua maturidade. Mas pode até decidir pela redução do balanço antes da maturidade da dívida. Tudo isto coloca pressão adicional no mercado da dívida.
- Terceiro, o “dividendo orçamental” dos juros está a chegar ao fim. Recorde-se que este “dividendo” operou por duas vias: por um lado, a redução da fatura dos juros; por outro lado, o aumento significativo dos dividendos do Banco central nacional.
Como tenho vindo a salientar, entre 2015 e 2018 (de acordo com as previsões do governo), o défice reduzir-se-á de 3% para 0.3% (sem “one-offs”), uma descida de 2.7 p.p. Em termos nominais, trata-se de uma redução de 4.5 mil M€. Contudo, como o “dividendo orçamental” da política monetária do BCE (que recorde-se começou no inicio de 2015), representou cerca de 1.8 mil M€ (1.2 mil M€ em redução da despesa com juros e 600 M€ de aumento dos dividendos e IRC do Banco de Portugal), vemos como quase metade desse esforço orçamental foi resultado de um fator exógeno, temporário e que agora começara a inverter. Como o investimento reduziu-se em cerca de mil M€, temos que 2/3 da redução do défice orçamental foi conjuntural. E isto num ambiente de crescimento económico.
Se, a isto, considerarmos que a economia nacional já está a desacelerar e que a economia europeia (e em particular a economia espanhola, da qual sofremos choques assimétricos como em 2012-2013, quando Espanha teve de iniciar o seu programa de resgate ao setor financeiro) também dá sinais de desaceleração, vemos como toda a consolidação orçamental foi cíclica, não sendo sustentável.
Fica claro como a gestão prudente da dívida pública foi a aposta correta. Apesar da pressão da esquerda do PS e da extrema-esquerda do Bloco, nomeadamente no “relatório sobre a sustentabilidade da dívida”, o governo e o IGCP mantiveram uma gestão da dívida numa lógica de prudência, seguindo aquilo que vinha a ser feito desde 2012. É importante que se mantenha um perfil de reembolsos de divida pública abaixo dos 10 mil M€/ano, que se alonguem maturidades e que se tenha um nível de depósitos que permita margem de manobra e segurança. Esperemos que aqueles que queriam uma gestão mais arriscada da dívida pública, apenas para colher ainda mais benefícios do ponto de vista orçamental, tenham arrumado de vez essas ideias.
Mas o ministro Centeno bem pode continuar a sua propaganda, como fez a semana passada num artigo publicado na Vox, que creio que nem ele acredita nisso. Nesse artigo, não só ignorou tudo aquilo que referi atrás e a situação frágil da economia e das Finanças Públicas portuguesas. Foi mais longe, referindo reformas estruturais da primeira década do século XXI (mas não disse quais), mas ignorando as reformas que foram realizadas durante o período da “troika”. O Doutor Centeno, académico respeitado, ficaria envergonhado de tanta falta de rigor e seriedade intelectual. A somar a isto tudo, do lado de Itália e Espanha não há boas notícias.
No caso de Itália, há o problema da sua dimensão na zona Euro. Mas como a saída do Euro tem um custo elevadíssimo, talvez seja útil que um país como Itália seja governado por populistas. Vai suceder o mesmo que na Grécia com o Syriza. Nada como um “choque com a realidade” para afastar populismos. Ou não repararam que o Bloco de Esquerda já não fala do Syriza nem de Tsipras?
Mas em Espanha o caso é pior. Rajoy esteve muito mal. Já há muito tempo que as suspeitas de corrupção no PP (e embora Rajoy não tenha sido condenado, há suspeitas fortes que também o visam) minavam a autoridade do governo. Rajoy deveria ter saído mais cedo, ou pelo menos quando a moção de censura começou a ser discutida. Não o fez por oportunismo político. Ou achou que a moção não era aprovada, ou, então, que uma eleição agora seria péssimo para o PP. Mas cometeu um erro ao não sair pelo seu pé, e com isso deu o lugar de Primeiro-Ministro a Pedro Sanchez. Mas Sanchez esteve ainda pior.
Já sei que alguns vão dizer que, desta forma, chegou ao poder (mesmo perdendo eleições, o que se está a tornar um hábito nos socialistas, mostrando como respeitam a vontade popular) e que já há uma sondagem a dar-lhe a liderança nas intenções de voto. Veremos, a seu tempo, qual o resultado desta “geringonça”, mais perigosa que aquela que foi inventada por António Costa.
A moção de censura deveria ter provocado eleições, que clarificassem a vontade do povo espanhol. Sanchez provocou a queda de Rajoy com um único intuito: chegar ao poder. Para isso, teve de aliar-se aos oportunistas da extrema-esquerda do Podemos e aos nacionalistas Catalães e Bascos. Para ser primeiro-ministro, apenas para chegar ao poder, demonstrando uma ambição desmesurada, sobretudo para quem perdeu duas eleições, Sanchez já disse que governará com o Orçamento do Estado aprovado pelo governo do PP.
Qualquer medida que deseje implementar terá de ter o apoio do Podemos e dos nacionalistas. Vai governar com o OE e com as medidas de outros. Totalmente condicionado. Vai abrir a “caixa de pandora” das medidas anti-economia do Podemos. E vai agravar o problema do separatismo. Tudo isto só pela vaidade de ser Primeiro-ministro?
Muito mal anda a política quando a sede de poder é tão grande que coloca tudo o resto de lado: honra, compromisso e interesse nacional. Como tenho aqui escrito sobre António Costa, mas que se aplica ainda mais a Pedro Sanchez, citando Maquiavel: “Mas a ambição do homem é tão grande que, para satisfazer uma vontade presente, não pensa no mal que daí a algum tempo pode resultar dela”.
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