A aferição… da natalidade
As questões da educação, da natalidade, da igualdade de género, do trabalho e até da saúde mental estão todas ligadas.
Os resultados das provas de aferição do ensino básico fizeram capa no Diário de Notícias de 5 de Junho, acompanhados das propostas do PSD para a natalidade. Que uma notícia surja em cima da outra terá sido, provavelmente, uma escolha de arrumação gráfica; mas parece-me uma coincidência que faz todo o sentido, já que, conforme tenho advogado, as questões da educação, da natalidade, da igualdade de género, do trabalho e até da saúde mental estão todas ligadas.
Foi, assim, com satisfação que constatei que o primeiro documento do Conselho Estratégico Nacional do PSD é sobre natalidade e começa por reconhecer a necessidade de uma política integrada para a infância. Para o debate que “Uma Política Para a Infância – Um Desígnio Para Portugal” quer promover, deu Luís Aguiar-Conraria um importante contributo, analisando, num artigo de opinião, três das propostas apresentadas: a substituição do abono de família por um subsídio fixo por criança, a extensão das licenças de parentalidade até às 26 semanas e a gratuitidade dos estabelecimentos de infância.
E a discussão começou logo no seu Facebook. Relativamente à gratuitidade das creches, foi sugerido que o dinheiro aplicado nessa medida seria mais bem gasto se dado directamente às famílias, para que pudessem elas cuidar das crianças. Eu nutro bastante simpatia pela ideia de permitir aos pais que sejam eles a educar os seus rebentos nos primeiros anos de vida (e que tenham disponibilidade para continuar a acompanhar o seu crescimento, que é, aliás, o motivo que invocam para o desejo de ter filhos). Reconheço que, eventualmente, será um princípio que defendo por ter sido essa a minha própria experiência enquanto criança. Mas a Ordem dos Médicos parece concordar comigo: em Maio de 2016, entregou na Assembleia da República uma petição pela redução do horário de trabalho para pais de crianças até os 3 anos, justificada pela preocupação com a baixa natalidade e com a saúde mental.
Mais de metade dos pais portugueses tem no pódio das suas inquietações a expectativa de que o bem-estar económico dos filhos vá ser inferior ao seu. O que talvez também ajude a explicar porque não põem mais crianças no mundo.
Volvidos dois anos, a petição ainda está em apreciação. Enquanto isso, os dados do Eurostat mostram que Portugal continua a ser dos países da União Europeia com a mais baixa proporção de crianças com menos de 3 anos cuidadas pelos pais (em 2016, apenas 20%, a mais baixa percentagem da UE, onde a média ficou nos 47%) e, ao mesmo tempo, daqueles onde essas crianças estão mais horas no infantário. Em 2016, passaram, em média, 38 horas por semana na creche. Vou repetir: trinta e oito horas. E depois, mais crescidos, também passam longas horas na escola.
São números que me deixam bastante apreensiva. E que não desligo da tal notícia sobre as provas de aferição e as dificuldades de raciocínio que elas identificaram. Ou do terceiro lugar na OCDE em termos de consumo de antidepressivos.
Na troca de ideias motivada pelo artigo de Luís Aguiar-Conraria, alguém referiu que os estabelecimentos de infância são importantes na redução de desigualdades sociais. Este seria um pensamento reconfortante. Mas, sobre isso, a evidência empírica não permite apontar taxativamente uma relação de causalidade (vejam-se, por exemplo, as revisões de literatura feitas por Kaspar Burger, por Anne West e por Janna van Belle ou o livro “Childcare, Early Education and Social Inequality: An International Perspective”), apesar de alguns estudos terem verificado que as crianças de meios sociais desfavorecidos melhoraram as suas competências pela frequência do pré-escolar. Para Portugal, não encontrei nenhum estudo (deve existir, eu é que não fiz uma pesquisa exaustiva).
No entanto, um estudo da OCDE sobre mobilidade social, concluindo que, em Portugal, a condição económica se herda, preconiza o apoio às crianças de meios desfavorecidos no acesso a uma boa educação pré-escolar. Curiosamente, nesse mesmo documento, observa-se que Portugal é o membro da OCDE com menor mobilidade em termos de educação. Ou seja, as idas à “escola” começam aos seis meses – quando termina a licença de maternidade/paternidade, cuja duração está abaixo da média da OCDE – e fazem-se de sete horas diárias – que os portugueses são dos que, entre os europeus, mais tempo estão no local de trabalho – mas o elevador social não sobe. E, por isso, mais de metade dos pais portugueses tem no pódio das suas inquietações a expectativa de que o bem-estar económico dos filhos vá ser inferior ao seu. O que talvez também ajude a explicar porque não põem mais crianças no mundo.
Nota: Vera Gouveia Barros escreve segundo a ortografia anterior ao acordo de 1990.
Disclaimer: As opiniões expressas neste artigo são pessoais e vinculam apenas e somente a sua autora.
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