Interior: vamos fazer o mesmo e esperar resultados diferentes?
Não há maneira de nos livrarmos da nossa prática de não fixar objectivos para as medidas políticas ou de aplicá-las com resultados conflituantes. O socorro ao interior não é, infelizmente, excepção.
A desertificação do interior e as crescentes assimetrias regionais são fenómenos tão surpreendentes como o Natal em Dezembro. Há décadas que as tendências estão identificadas, que se conhecem as suas causas e consequências e que os governantes e responsáveis políticos fazem juras de amor pelo tema, que até fica sempre bem em qualquer discurso e é tão consensual como a Carta Universal dos Direitos do Homem.
De quando a quando lá vem mais um “pacote de medidas”, um “programa operacional” e um rol de boas intenções que, na visão dos decisores políticos, dão corpo à paixão e supostamente mostram aos eleitores que eles estão mesmo empenhados no tema.
O que se passou este sábado não foi diferente. Reunido num Conselho de Ministros Extraordinário, simbolicamente deslocalizado para a Pampilhosa da Serra e sem gravatas – se não houvesse um “dress code” para o evento talvez a coreografia planeada fosse menos evidente – lá assistimos a mais uma lista de medidas para a “valorização do território”.
Tinha uma vaga memória de não ser esta a primeira vez em que, nos anos mais recentes, o assunto era elevado à condição de “pilar fundamental” para o país. Após breve pesquisa, lá apareceu o Conselho de Ministros de 20 de Outubro de 2016 onde “foi aprovado o Programa Nacional para a Coesão Territorial (PNCT), desenvolvido pela Unidade de Missão para a Valorização do Interior. O PNCT identificou 164 medidas nas várias áreas de governação que lançam uma nova etapa para o desenvolvimento dos territórios do interior, contrariando a tendência de desertificação dos últimos anos”.
Alargando a pesquisa no tempo, dentro do género encontramos também o “Programa de Acção” do “Programa Nacional de Ordenamento do Território”, datado de Dezembro de 2006.
E só não encontramos mais porque, pelo meio, houve uma quase bancarrota e um programa de resgate que fez da salvação de todo o país e não apenas o seu interior a emergência prioritária que conhecemos.
Eu não duvido das boas intenções de todos os governantes e líderes políticos presentes e passados em relação ao problema nem desvalorizo o que já foi feito em décadas para tentar diminuí-lo, sobretudo ao nível de infraestruturas: muitas estradas, Alqueva ou regadio da Cova da Beira, por exemplo. O betão é sempre mais fácil de executar, sobretudo quando uma boa parte da factura é paga por fundos comunitários. Mas quando os problemas deixam de estar no “hardware” e passam para o “software” é que se vê a fragilidade das nossas políticas públicas.
Alguma coisa vai mal quando insistimos nas mesmas fórmulas, processos e tipos de medidas que, manifestamente, não têm produzido os efeitos desejados. “Insanidade é fazer sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes”, como nos ensinou Einstein. Mas tardamos em aprendê-lo.
Em comum, a generalidade destes “planos” e “programas operacionais” têm a falta de objectivos quantificados para as medidas que propõem – por exemplo, que impacto estimado terá uma redução do IRC no número de empresas e postos de trabalho? – e, por isso, a sua eficácia não pode nunca ser avaliada.
E como não temos políticas públicas coerentes, bem estudadas e estruturadas para serem duradouras, passamos a vida a mudar as “linhas estratégicas” e as medidas tentadas são avulsas, erráticas, de eficácia desconhecida e quase sempre ao sabor da maior ou menor pressão da opinião pública e publicada.
Como o país teve em 2017 um ano trágico com perda de vidas humanas nos incêndios, este governo sente que não tem como não ir anunciando pacotes de medidas associadas à coesão do território, nem que seja apenas “para eleitor ver”.
Alguns exemplos.
Lá voltamos à eterna questão das portagens nas auto-estradas. Estas foram gratuitas durante cerca de uma década (as famosas SCUT), depois passaram a ser pagas e agora, ao que parece, vai haver descontos para frotas de empresas do interior. Se houvesse uma quarta possibilidade, decerto que seria tentada daqui a algum tempo. Entretanto, ninguém parece muito interessado em perceber se, de facto, as SCUT contribuíram, de alguma forma, para o desenvolvimento das regiões que serviram. Aparentemente, a desertificação do interior não foi travada por essa “borla”, enquanto existiu.
Mexer nos impostos é outra solução “de bolso” que serve para tudo. Agora as empresas do interior vão poder deduzir no imposto a pagar o equivalente a até 20% da sua massa salarial. Mas no Orçamento do Estado para 2017 reduziu-se já esse imposto. Um ano e meio depois, não se sabe se teve algum impacto e qual. Provavelmente é muito cedo para tirar conclusões, mas então ficamos sem saber se estas pequenas mudanças nos impostos pagos pelas empresas têm algum impacto nos objectivos que se pretendem atingir: contribuir para a sua competitividade que leve à criação de emprego e à fixação de pessoas e criação de riqueza no interior.
Com o IRS passa-se o mesmo. Há muitos anos que os municípios podem decidir o que fazer a 5% da receita desse imposto pago pelos seus munícipes. Podem, até esse limite, decidir se prescindem de receita a favor dos contribuintes. No país, nos mais de 300 conselhos, encontramos aplicações diversas da regra. Que impacto já teve na fixação de populações? Não sabemos.
Não sabendo nada disto, não prevendo e medindo o impacto de medidas continuamos no reino do “achismo” em políticas públicas essenciais, como é o caso.
Outra prática clássica, da qual não há maneira de nos livrarmos, são as políticas e decisões públicas com resultados conflituantes.
Nas últimas décadas várias áreas do Estado passaram por fortes restruturações geográficas, todas muito polémicas, que levaram ao encerramento de escolas, unidades de saúde e tribunais. Não duvido da racionalidade e necessidade de o fazer, por questões de gestão de recursos dos contribuintes. O mesmo se está a passar agora com a Caixa Geral de Depósitos, forçada a encerrar balcões na sequência da recapitalização negociada com Bruxelas.
Agora vão dar-se “incentivos à mobilidade geográfica, em particular de funcionários públicos” (Fonte: comunicado do Conselho de Ministros de sábado). Esperem, mas é suposto estes funcionários irem trabalhar para onde e para que organismos?
Bem sei que podemos estar perante um dilema parecido com o do ovo e da galinha: primeiro fixam-se populações que justifiquem mais serviços e funcionários do Estado ou estes devem estar lá primeiro, à espera que cheguem as populações?
Parece que também já tentámos isto, porque o encerramento de serviços públicos ocorreu depois da descida do número de habitantes. Sim, a falta de serviços públicos não é, de todo, um factor de atracção de mais pessoas. Mas, ao que parece, estas não foram embora por causa disso mas antes por outras razões.
Andamos nisto há décadas, sempre à volta das mesmas medidas – que sobem num ano para descer no outro -, da mesma falta de metas e de avaliação posterior, da falta de rumo, da falta de estratégia, da falta de concertação entre várias políticas.
No fim do dia tudo isto se limita a decidir subsidiações directas ou indirectas e transferências de recursos para as zonas mais pobres, embora possam ter nomes e formas diferentes.
E, claro, em nome da tal coesão e da justiça social isso não pode nunca deixar de ser feito. Mas não tenhamos dúvidas que enquanto insistirmos em percorrer os caminhos que nos trouxeram a este desastre será pouco inteligente esperar um resultado diferente.
Como se descobriu agora tragicamente sobre a floresta, parece que a existência de um propósito económico que a torne uma fonte de rendimento e não apenas de despesa é essencial para que as pessoas dela cuidem.
Não temos, infelizmente, um Rui Nabeiro em cada concelho que dê o contributo fundamental que a Delta Cafés dá a Campo Maior.
Mas enquanto não forem identificados, apoiados e desenvolvidos as utilidades económicas, os negócios e as actividades sustentáveis – à volta do turismo, da agricultura, agro-indústria, indústria, cultura ou serviços, seja do que for – que garantam um meio de vida decente às populações estas vão continuar a sair, ficando apenas os que já nem fugir podem.
Enquanto isso não acontecer, mais vale assumir que o interior e as suas populações são um encargo crescente que a sociedade deve suportar e pouparem-nos a coreografias políticas, “planos” e “programas” estafados e que, até prova em contrário, têm-se revelado ineficazes.
O autor escreve segundo as normas do antigo acordo ortográfico.
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