A União Europeia está com uma crise de ciática
A imagem de líderes europeus como António Costa a amparar Jean Claude Juncker é uma boa metáfora do estado da União Europeia.
Na semana passada, aconteceu a Cimeira da NATO, cujo programa prometia uma mais intensa cooperação com a União Europeia. No entanto, Donald Trump, a bordo do Air Force One, mas com acesso ao seu meio de comunicação preferido, o Twitter, decidiu perguntar aos seus parceiros da Aliança Atlântica se tencionavam reembolsar os Estados Unidos dos calotes que andam a pregar. Uma vez aterrado em Bruxelas, a estratégia de aparente alienação de apoio manteve-se, com a ameaça de que os EUA sairiam da organização, se não houvesse um aumento da despesa militar.
Já no ano passado, a acusação de que é a Europa quem usufrui da NATO, mas que são os americanos quem a paga havia criado um expectável mal-estar. Naturalmente, a insistência nesta ideia, em vésperas do encontro entre Trump e Putin, trouxe à cimeira um ambiente constrangedor. Mas foi de Jean-Claude Juncker que toda a gente falou. A sua chegada literalmente cambaleante transformou-se em vídeo viral nas redes sociais. E rapidamente se espalhou o rumor de que seria o álcool o responsável pelos passos pouco seguros do Presidente da Comissão (um suspeito que não existe para o comportamento do Presidente dos Estados Unidos, que é abstémio).
Margaritis Schinas, o porta-voz da Comissão Europeia (e nome ousado neste contexto particular), veio esclarecer que se havia tratado de uma crise de ciática, diagnóstico que o nosso primeiro-ministro, que esteve entre os Chefes de Estado e de Governo a amparar Juncker, já havia apresentado. No entanto, a explicação aguçou o génio português, sempre pronto para anedotizar. Da descoberta da marca de vinho “Ciática” aos conselhos rodoviários para não conduzir se tiver ciática, foi um fartote.
Humor à parte, aquela imagem é uma boa metáfora do estado da União Europeia. Jean Monnet dizia que “nada funciona sem seres humanos, mas nada se mantém sem instituições” e que, em relação a estas, “é essencial que as que duram mais do que a vida de um homem se tornem sábias”. A sabedoria faltou. Talvez tenha sido coincidência a escolha de Durão Barroso para a Presidência da Comissão Europeia, quando esta tinha levado ao Tribunal de Justiça o Conselho, que recusara a imposição de sanções à França e à Alemanha. Talvez. O certo é que bem antes de Juncker protagonizar vídeos onde não consegue caminhar direito, já a Comissão havia visto o seu papel institucional diminuído.
Isso mesmo ficou patente em 2010, o ano que a Estratégia de Lisboa nos tinha prometido como prazo para a economia da União Europeia ser a mais competitiva e dinâmica do mundo, baseada no conhecimento, capaz de gerar mais e melhores empregos e promotora de coesão social. Hã, hã. Ao invés, 2010 marcou o início da chamada crise das dívidas soberanas, que nos mostrou a razão de Adenauer: “vivemos todos sob o mesmo céu, mas nem todos temos o mesmo horizonte”.
Sem gigantismo económico, o ananismo político da União Europeia acentuou-se. E até mesmo o seu papel enquanto garante da paz no Velho Continente parece ameaçado, não obstante já ter sido galardoada com o respectivo Nobel. Na ressaca da crise, o aumento dos populismos, dos nacionalismos, dos extremismos coloca essa conquista em perigo. Uma situação à qual não será alheio o facto de o projecto europeu ter sido, em boa medida, forjado à revelia dos seus cidadãos, que o viram sempre como ente terceiro. E, por isso, fácil de usar por sucessivos governos como bode expiatório das reformas difíceis que foram necessária, as exigências de Bruxelas.
Na sua Declaração, Schuman preconizava que a Europa não se faria de uma só vez. Só se esqueceu de recomendar que os pequenos passos não fossem por causa da ciática.
Nota: Vera Gouveia Barros escreve segundo a ortografia anterior ao acordo de 1990.
Disclaimer: As opiniões expressas neste artigo são pessoais e vinculam apenas e somente a sua autora.
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