Concentração excessiva na distribuição é fonte de problemas

Acredito que será possível reduzir a conflitualidade nas relações comerciais, permitindo assistir ao crescimento partilhado do sector do grande consumo em Portugal.

Cumpri há pouco os cem dias na presidência da Centromarca, um momento a assinalar, mas também um desafio exigente e enriquecedor. Neste período, tive a preocupação de estudar bem os dossiês prioritários da associação e de conhecer os nossos principais interlocutores: Governo, autoridades, forças políticas, entidades do tecido associativo e, sobretudo, as próprias empresas.

O meu percurso anterior pelo sector financeiro deu-me um conhecimento razoável do funcionamento deste mercado. No entanto, tudo o que ouvi e aprendi nestes últimos meses permitiu-me assentar ideias, perceber melhor os problemas, avaliar mais eficazmente as dificuldades. Apesar disso, confesso que não tinha a perceção do elevado grau de concentração que se vive no mercado do retalho alimentar e que fiquei chocado com as suas consequências. Refiro-me ao nível da dependência económica que gera no tecido de fornecedores, do poder de mercado e de compra que introduz, do desequilíbrio negocial que provoca, mas também de algumas práticas menos adequadas que acaba por permitir, sempre difíceis de denunciar quando das mesmas pode resultar uma interrupção das relações comerciais.

Tal não me impediu também de constatar que os esforços legislativos desenvolvidos por diferentes entidades públicas e privadas – mas também o esforço de entendimento na construção de instrumentos de autorregulação aceites por fornecedores e distribuidores – conduziram, nos últimos três ou quatro anos, a resultados positivos com a redução do número e da gravidade dos incidentes entre as partes. Mas, infelizmente, percebi também que algumas situações intoleráveis continuam, aqui e ali, a acontecer.

Nos contactos mantidos com o Governo e entidades públicas encontrei uma disponibilidade para o diálogo, um conhecimento dos dossiês e uma receptividade às nossas propostas dignas de registo. Daí encararmos, de forma muito positiva, o trabalho que o Governo está a fazer de atualização cirúrgica da legislação mais relevante que regula o sector, o chamado diploma PIRC, melhorando o enquadramento legal de práticas menos próprias e, em simultâneo, beneficiando a atuação das autoridades competentes na monitorização e fiscalização do mercado.

E, reconhecermos a importância estratégica da aprovação próxima, no quadro da União Europeia, de uma Diretiva em matéria de Práticas Comerciais Desleais, homogeneizando o tratamento e o combate a um conjunto de práticas que causam mossa nos diferentes Estados-membro, tentando ainda atacar problemas como o dos prazos de pagamento ou o do gravoso fenómeno das Alianças de Compradores. Mas os tempos que se avizinham serão animados, bem para lá das alterações que se venham a verificar a nível da regulação.

Novos operadores estão em vias de entrar no mercado nacional e isso aumentará a concorrência, colocará novos desafios e motivará novas estratégias aos operadores que já operam em Portugal. Por outro lado, a digitalização do retalho é o presente, os grandes players do comércio eletrónico mostram-se atentos ao nosso país e soluções híbridas convencional/digital tendem a multiplicar-se.

Para os fornecedores, isso significará o alargar de um leque de opções para a colocação dos seus produtos através de novos canais de comercialização, mas também o agravar das pressões e exigências da parte dos clientes, na tentativa de reforçar a respetiva competitividade relativa. Como serão animados também pela evolução dos hábitos de consumo, pelas tentativas de contornar a ‘febre das promoções’ que grassa no nosso mercado, pelas crescentes preocupações nutricionais, ambientais ou sociais dos cidadãos ou pelas alterações na pirâmide demográfica.

Com tudo isto, uma conclusão resulta-me clara: Se, por um lado, as suas relações comerciais geram tensões e intensificam alguns problemas, fornecedores e distribuidores estão umbilicalmente ligados e dependem um dos outros. E ainda uma outra: Sem mudanças efetivas no atual estado de coisas, dificilmente se conseguirão maximizar os benefícios para todos os intervenientes na cadeia de valor – produtores, transformadores, marcas, distribuidores e consumidores.

E se no quadro da promoção de uma concorrência leal e equidade nessas relações há obviamente princípios e regras de que não poderemos nem iremos abdicar, usaremos, em simultâneo, as doses adequadas de inteligência e diplomacia para que o nosso trabalho seja eficaz e consequente. Isto sempre com a preocupação de não provocar dificuldades desnecessárias aos operadores no terreno, sejam as indústrias, sejam os retalhistas.

As organizações são, acima de tudo, pessoas, pelo que espero ter a capacidade de contribuir para a melhoria das relações neste sector. E acredito que, com respeito mútuo, se consiga reduzir a conflitualidade e a ocorrência de incidentes na interação comercial, permitindo assistir ao crescimento partilhado do sector do grande consumo em Portugal.

Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico.

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