Riscos, alertas e avisos do Conselho das Finanças Públicas
Temos crescimento económico baixo, um crescimento potencial baixo, contas públicas estruturais desequilibradas, divida pública e externa elevadas. Mas desde 2015 que "andamos a fazer de conta".
Na semana passada, o Conselho de Finanças Públicas (CFP) publicou um relatório sobre riscos orçamentais e sustentabilidade das Finanças Públicas. Infelizmente foi objeto de muito pouca atenção nos media e no debate nacional. Talvez o CFP devesse ter deixado este relatório para meados de setembro, provocando mais debate, em véspera do OE/2019. Mas, apesar disso, o CFP fez mais um bom serviço à condução da política económica e orçamental.
Diga-se que há quem critique a existência da CFP e da UTAO. São dois organismos diferentes. O CFP (embora estabelecido anteriormente à regra Europeia) cumpre a função prevista no “two-pack” para a existência de um organismo de supervisão orçamental independente. A UTAO, que existe desde 2006, nunca poderia ser esse organismo enquanto estivesse na dependência do Parlamento. Apesar da independência de facto da UTAO, esta tem uma função diferente, mais relacionada com o apoio à função de supervisão orçamental do Parlamento.
Este é um relatório que todos deveriam ler. Mostra de forma clara que a posição económica e orçamental portuguesa é muito difícil, com fortes restrições e condicionantes. De facto, o que este relatório vem detalhar é algo que todas as entidades nacionais e internacionais vêm dizendo desde 2015 (e sobre o qual tenho enfatizado bastante): que o momento económico favorável, com um ciclo de algum crescimento (devido a uma melhor conjuntura Europeia e o efeito do turismo), conjugado com taxas de juro muito baixas, não tem sido usado para fazer uma consolidação orçamental estrutural.
Alias, o relatório do CFP tem sobre a divida pública uma análise muito interessante. No cenário de políticas invariantes do CFP (um cenário de políticas invariantes corresponde à projeção dos indicadores orçamentais – défice, dívida, receita, despesa, etc.- se as atuais politicas não forem alteradas – “no policy change”), a dívida pública só chega a um valor inferior a 100% do PIB mais tarde do que no programa de estabilidade que o governo apresentou em abril passado. De acordo com o cenário do CFP, a dívida pública terá um valor inferior a 100% em 2025, ao passado que o governo prevê atingir esse limiar já em 2022.
Ainda na parte da dívida, o relatório do CFP tem diferentes análises da sua evolução face a diferentes choques: Aumento da taxa de juro, alteração no saldo primário (isto é, mais défice, como alguns defendem) e quebra no PIB devido a uma recessão. No cenário de agravamento do saldo primário, basta dizer que, com mais 0.5% de défice, a dívida pública nunca baixaria dos 100% do PIB no horizonte temporal de 15 anos. Já um agravamento de um ponto percentual na taxa de juro média implícita também coloca a dívida pública acima dos 100% do PIB ao longo de todo o período. Uma quebra de 1% do PIB teria um efeito similar.
Ou seja, basta que um dos fatores se agrave (e só controlamos, em parte, o défice, dado que a taxa de juro e o crescimento são sobretudo exógenos), para que nos próximos 15 anos continuemos a ter uma dívida pública acima dos 100%. Mas caso ocorressem os três cenários em simultâneo (mais défice, maior taxa de juro e quebra do PIB), a dívida pública passaria facilmente os 140% do PIB. Por aqui se vê como a posição de Portugal é extremamente frágil e como os alertas sobre a economia e as contas públicas devem ser levados muito a sério.
O relatório do CFP tem diversos alertas que devem ser analisados com cuidado e que deveriam estar sempre presentes na discussão sobre a política económica e orçamental. Infelizmente, muitas vezes o debate é inquinado, ou por oportunismo político, ou por ignorância técnica (quando não as duas em simultâneo).
O primeiro alerta tem a ver com o crescimento económico e a existência no futuro de recessões. A economia portuguesa não dá mostras de ter maior crescimento potencial para os próximos anos. As previsões da Comissão Europeia revelam que Portugal vai continuar a crescer em termos nominais abaixo dos 3% nos próximos 10-15 anos. Isso resulta de um PIB potencial muito baixo (cerca de 1%), fruto da falta de capital e investimento, aliado a baixa produtividade dos fatores. Mas também outro aspeto muito relevante, e que frequentemente é também ignorado: O efeito da redução da população e sobretudo da população ativa. As estimativas da Comissão Europeia é que nos próximos 20 anos Portugal veja a sua população ativa reduzir-se em cerca de 1 milhão de pessoas, passando de 6.5 milhões para 5.5 milhões.
Assim, como também venho dizendo nesta coluna repetidamente, é inevitável que nos próximos anos Portugal volte a enfrentar uma recessão internacional. Ora, aqui, o CFP frisa um ponto muito importante:
- Por um lado, Portugal usa a “margem orçamental” nos períodos favoráveis, de forma pró-cíclica. Isso faz com que após uma recessão haja menos margem para usar os estabilizadores automáticos e para recuperar o PIB potencial. Isso é visível agora, em que a divida pública acima dos 120% do PIB não deixa margem de manobra para um maior investimento público.
De facto, o CFP estima que a probabilidade de haver uma recessão nos próximos cinco anos de haver é de 55%. Em média, uma recessão custa 3.1% do PIB e dura cinco trimestres, sendo que demora mais cinco trimestres a recuperar do nível pré-recessão. Esses dez trimestres, quase três anos, dão-nos algumas pistas para o impacto orçamental da próxima recessão, se Portugal tiver a atual situação orçamental.
Caso ocorra uma recessão na média do que é a série temporal de Portugal nos últimos 40 anos e com a posição orçamental que Portugal tem neste momento (com um défice estrutural acima dos 2%, se excluirmos a redução dos juros e os dividendos do Banco de Portugal), então rapidamente, num cenário de políticas invariantes, o défice orçamental passaria o valor dos 3% limite do Pacto de Estabilidade e Crescimento, levando a um novo Procedimento dos Défices Excessivos.
- Por outro lado, o CFP reforça a ideia que a economia Portuguesa cresce sobretudo por via do investimento e das exportações. Embora ambos tenham uma forte componente importada, o consumo privado tem um efeito sobre as importações superior. Numa pequena economia aberta, sem política monetária e cambial, o consumo privado, sobretudo se baseado em endividamento externo, pode ter pequenos efeitos de curto prazo, mas cria uma situação insustentável no médio e longo prazo.
De certa maneira, o CFP coloca questões próximas daquela que referi na semana passada. Se, com um bom momento de crescimento económico e taxas de juro muito baixas, não tem havido consolidação orçamental estrutural (apenas nominal, e mesmo essa de reduzida magnitude), e mesmo assim os serviços públicos estão numa situação muito difícil e o investimento público é o mais baixo de sempre, como será quando a economia arrefecer ou entrar em recessão?
O CFP chama a atenção que, por um lado, a receita fiscal e a carga fiscal é já bastante elevada. Existe pouca margem para subir impostos em futuros cenários recessivos em que seja necessário fazer um ajustamento orçamental exigente. Isto porque desde 2001 os governos têm optado por corrigir as contas públicas com recurso quase exclusivo a aumento de impostos e a medidas pontuais (fundos de pensões, venda de ativos fixos, etc.). Ou seja, esta política orçamental de “esbulho” cada vez maior tem cada vez menos margem de ser usada no futuro. Além disso, como também tenho referido aqui, o CFP alerta para o fato de a receita fiscal, sobretudo no IRS (também no IRC e, embora menos, no IVA), estar concentrada num grupo muito reduzido de contribuintes, tornando a carga fiscal ainda mais pesada e com menos margem de crescimento. Para além claro do fator competitividade, face a países com menores níveis de tributação.
Por outro lado, o problema principal das Finanças Públicas em Portugal está do lado da despesa. Não apenas o seu crescimento nos últimos 20 anos, mas a sua enorme rigidez. Entre 1995 e 2010 o PIB duplicou (isto é cresceu cerca de 100%) mas a despesa pública aumentou cerca de 150%. As despesas com pessoal e prestações sociais representam cerca de 3/4 da despesa primária (e cerca de 65% da despesa total). Ou seja, depois de pagar os juros da dívida pública, para a despesa com bens e serviços para o funcionamento dos serviços públicos e para o investimento público só sobra 25% da despesa primária.
Olhando para a despesa total, em cada dez euros, 1€ vai para juros, cerca de 7€ vai para salários e prestações sociais e cerca de 2€ vão para o funcionamento do Estado e o investimento. Assim não admira as dificuldades que os serviços públicos passam.
O CFP alerta que a redução da despesa apenas ocorrerá num contexto de escolhas políticas difíceis, sobretudo ao nível de descongelamentos e progressões nas carreiras públicas, bem como das decisões sobre reformas antecipadas e valor das pensões.
O CFP alerta também para o impacto na despesa do efeito de envelhecimento da população, associado à redução populacional (e da população ativa) atrás descrito. Estima-se que nos próximos 20 anos o aumento de despesa com pensões e com saúde (sobretudo esta ultima), bem como a redução da receita fiscal e contributiva (por redução da população ativa), num cenário de políticas invariantes, tenha um impacto orçamental em torno dos 3%-4% do PIB.
Por último, e bastante relevante, temos o valor dos passivos contingentes. Embora parte destes passivos contingentes sejam garantias que podem não ser nunca acionadas, o número apresentado não deixa de ser muito preocupante. Portugal tem cerca de 76% do PIB de dívida que não está contabilizada na dívida reportada ao Eurostat em contas nacionais (o que obviamente não quer dizer que o Eurostat não conheça essa dívida). Ou seja, aos cerca de 125% do PIB que é a divida pública em 2017 há que somar este valor, colocando a dívida pública em torno dos 200% do PIB.
Sei que alguns dirão que os outros países europeus também têm passivos contingentes. Contudo, há dois aspetos importantes:
- Portugal é o 4º país da Europa com mais passivos contingentes em % PIB, sendo que os 125% da dívida pública colocam Portugal como 3º país com maior dívida pública.
- Os passivos contingentes em Portugal representam 76% PIB e na média Europeia valem 40%. Ou seja, enquanto a diferença na divida pública é de 35 p.p. (a média Europeia é 90% versus os 125% de Portugal), a diferença na divida total (dívida pública mais passivos contingentes) é de 70 p.p. (os 130% na média Europeia versus os 200% de Portugal).
Temos assim crescimento económico baixo, um crescimento potencial baixo, fruto da falta de investimento e capital, contas públicas que continuam desequilibradas do ponto de vista estrutural, dívida pública elevada e dívida externa também bastante elevada. É este o contexto e as restrições que Portugal enfrenta. Os desafios são muitos e muito exigentes. Mas desde 2015 que andamos a “fazer de conta”, numa fantasia “cor-de-rosa avermelhada”, sem preparar o futuro.
Como tenho aqui escrito: “Feliz o país que em tempos de alguma bonança económica pensa na próxima crise”.
Post-scriptum
O vereador de Lisboa Ricardo Robles é contra as atuais regras de arrendamento e do mercado imobiliário. Fala em “especulação”, “violência sobre os inquilinos” e mais uns disparates do quilate que o Bloco de Esquerda nos habituou. Já o Engenheiro Robles investe o seu dinheiro (mas com grande parte do investimento a ser financiado pela banca) num imóvel em Lisboa comprado à Segurança Social para recuperar e vender, sem problemas de aumentar as rendas a inquilinos, ameaçar com despejos e ir para tribunal. E construiu com o objetivo de alojamento local. Podem inventar o que quiserem, o anuncio da mediadora é claro. Além que as tipologias de 30-40 m2 são exatamente para quem quer arrendar no alojamento local. Aquele que o Bloco considera estar a destruir Lisboa.
O vereador Robles acha que as nacionalizações e ocupações pós 11 de março ou dos okupas atualmente são um motivo de orgulho e combate político. O engenheiro Robles dirá “mas calma com as ocupações nesse prédio, que é meu”. O engenheiro Robles, aparentemente, não terá feito nada de ilegal ou de condenável. Cumpriu todas as obrigações legais e fiscais (como a esmagadora maioria dos investidores).
Só que o engenheiro Robles é também o vereador Robles. E mostrou uma enorme hipocrisia e demagogia política. Fosse o engenheiro Robles de outro partido que não o Bloco, e o vereador Robles já teria vociferado contra o negócio. Teria insinuado favores da autarquia dada a rapidez dos processos, da construção de mais um andar e outras coisas que se inventariam. Teria argumentado que a lei de arrendamento foi feita para favorecer este tipo de situações. Que num país de um salário mínimo de 580€ não é legítimo alguém na política ganhar 4.5 milhões € num negócio destes.
Aliás, já estou a imaginar as deputadas Catarina Martins e Mariana Mortágua e o Professor Louça a vociferarem: “Que não acreditamos na história que nos contam, que há promiscuidade e marosca, vejam lá que feliz coincidência que um vereador da câmara e anterior deputado municipal ganhe tanto dinheiro num imóvel, com base na especulação”.
Porque sabemos que a bitola do Bloco é diferente consoante o envolvido seja de direita ou de esquerda. Também sabemos que o Bloco só faz política com base na desqualificação moral dos adversários, no lodaçal permanente de quem não comunga dos seus valores (ou da falta deles). Na sexta-feira, essa prática fez ricochete. Custa a todos.
Perguntar-se-á: O que levou o engenheiro Robles a investir no imobiliário e não numa loja tradicional, ou num arrendamento social, ou noutro negócio? Ele responderá: “Porque o dinheiro é meu e os outros negócios dão rentabilidades baixas”. Pois, é exatamente isso senhor vereador….
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