O PSD que conhecemos está a morrer
José Miguel Júdice avalia o estado do PSD, as possíveis dissidências e antecipa. "O resultado disto é que o PSD que conhecemos está a morrer. E tudo pode acontecer à direita".
Rui Rio foi dizer à Madeira (admito que ponderadamente e não sobre o efeito do ponche…) que se Portugal tivesse tido quatro ou cinco ‘Albertos Jardins’ estaria muito melhor. Pedro Duarte acha o contrário (e admito que a ala PSD do partido também, mas a ala PPD talvez não…). A JSD propõe que a “delação premiada” brasileira seja importada. A equipa de Rio na área de Justiça acha exatamente o contrário.
A estratégia de Rio é perder as eleições e ser vice-primeiro-ministro de Costa. Montenegro, Duarte e muitos outros acham que deve tentar ganhar as eleições fazendo do PS o seu inimigo principal. Por causa disso, um deles vai fazer um novo partido, outro exige que já em 2018 Rio aceite um duelo e outro ainda acha que deve esperar-se para ver os resultados e chega-se à frente se Rio não ganhar.
O PSD é isto. E é sobretudo isto quando não há pão e não há chefe. Mas penso que o problema agora é mais do que isso. Vamos então ver porquê.
O PPD/PSD no seu labirinto de contradições
O PPD/PSD foi sempre (mais ainda, essa era mesmo a sua estratégia) um partido repleto de contradições:
- Conservador, justicialista, liberal, reacionário … e até socialista moderado (vulgo social-democrata).
- Ferozmente anti-socialista e disponível para se aliar com o PS.
- Das classes médias em processo de ascensão social, das elites urbanas de classe alta, dos notáveis rurais, mas também dos reformados e funcionários públicos.
- Dos que vivem agarrados ao Estado e dos que desejam sobreviver sem ele.
- Dos que querem uma Europa federal e dos que a abominam.
- Dos carreiristas, dos corruptos, dos amorais, mas também dos que genuinamente querem fazer alguma coisa pelo País (mas esta contradição não existe apenas no PSD…).
- Dos que, dos que, dos que…
A coligação heteroclita PPD/PSD já não tem condições
Esta coligação heteróclita só pode manter-se, com um mínimo de estabilidade e coesão, se algumas seguintes condições existirem:
- Se houver um chefe de que (quase) todos tenham medo (como Cavaco Silva).
- Se estiverem no poder e seja então possível distribuir benesses, cargos, contratos, carreiras.
- Se sentirem que o poder está próximo e por isso (quase) todos queiram estar nas primeiras filas da fotografia e (quase) todos achem que vai chegar para ele um naco de qualquer coisa boa.
- Se a economia estiver a crescer muito bem e por isso andem muitos deles entretidos a fazer pela vida e não pela vidinha no partido.
- Se a motivação para o voto útil anti-esquerda for mais forte do que tudo o resto.
Não é preciso ser um génio para concluir que nesta altura nenhuma das cinco condições está reunida. Bastaria isso para ser inevitável que o PSD se tornasse num molhe de gatos assanhados.
O tsunami na praia do PPD/PSD
Mas há mais e, para o PSD, pior. Algumas coisas mudaram recentemente e de modo profundo o sistema político, e estão a chegar à praia do partido como uma espécie de tsunami:
- A bipolarização passou a ser possível em toda a sua plenitude desde 2015.
- Por isso, o PS (que viu o que aconteceu por essa Europa fora) passou a ser um partido de governo agregador da sua esquerda e só para ela virado.
- À direita do espetro político está claro que ou se alcançam 116 votos ou quem continuará a governar será sempre a esquerda.
- Por isso tanto faz a forma como tais votos se distribuem.
- Com a estratégia de Rui Rio, o racional do voto útil no PSD passou a ser perigoso para quem não gosta dos socialistas e por esse país fora há décadas os tem como adversários nas suas lutas políticas locais.
- As grandes contradições políticas mudaram e o populismo (que é um cocktail de justicialismo, nacionalismo e bonapartismo) ganhou direito de cidade na Europa à direita. Mas não existe ainda em Portugal.
- E, finalmente, o “mutante” Marcelo Rebelo de Sousa fez um bloco central com o PS e tornou com isso o PSD ainda mais irrelevante.
A implosão PPD/PSD
Tudo isto explica o que se está a passar. E que é a implosão do PSD/PPD.
Santana Lopes quer levar com ele o PPD e fazer um partido populista, eurocético, justicialista.
Pedro Duarte quer trazer para cá o Ciudadanos, como quer o recém-nascido Partido Iniciativa Liberal, e posicionar-se claramente no centro-direita moderado e moderno.
Montenegro quer continuar a tradição do PPE, ou seja um partido de direita que vai da democracia cristã centrista aos populistas, mantendo, afinal, a matriz tradicional.
Rui Rio quer fazer o PSD das elites que nele mandavam nos anos 70 do século passado, com a missão histórica de se aliar como júnior ao PS.
O CDS quer crescer como partido que seja um misto de Ciudadanos e de PP (para continuarmos com exemplos espanhóis).
A reorganização das direitas
Mas, não tenhamos dúvidas, se quiserem voltar ao poder, as direitas terão de se entender antes ou depois das legislativas. Admito que a clarificação demore e a luta pela primazia entre partidos impeça que já em 2019 se possam aliar. Mas acontecerá no futuro.
Até lá, é provável que os PSD, os PPD e os CDS dividam os votos e tornem um pouco mais difícil chegar a 116 deputados. Mas isso é quase irrelevante porque – a não ser que Santana vá buscar voto à extrema-esquerda (mas Portugal não é França, para o bem e para o mal) – não iriam conseguir vencer mesmo que fossem juntos e com listas conjuntas.
Um novo futuro para o PSD?
Tudo isto pode não ser assim? Pode. O PSD pode renascer como a Fénix? Pode. Ou tocar a terra e como o velho Jacob ganhar a luta com o anjo que só largou depois de ele o abençoar? Pode. Mas sinceramente não acredito.
A missão histórica do PSD (trazer a Direita para a área de governo sob a sua liderança), que Sá Carneiro percebeu em 1978 e concretizou em 1979, acabou. O PSD tem tudo a ganhar em evoluir para um partido sem pretensões hegemónicas, que passe a ser fiel à sua matriz liberal avançada que defendo há quase 40 anos, não tentando integrar as direitas conservadoras, reacionárias, populistas, ultraliberais. Pode ser esse um partido para Rui Rio, que depois se pode aliar com as outras direitas que tinha no seu bojo e que agora naturalmente o vão abandonar.
Se não fizer isso, se persistir em tentar ser tudo e o seu contrário, então o destino será a inutilidade e a irrelevância, como outros partidos de centro-direita por essa Europa fora.
E de novo o Estado que não nos protege
O que se passou com seis jovens em Estremoz, a ser verdade o que relata o Observador, é um escândalo e uma vergonha. A verem chegar as chamas, os jovens telefonaram em pânico para o 112, a resposta foi que não sabiam como os localizar, deram as suas coordenadas de GPS e responderam-lhes que não tinham meios para o usar, não reencaminharam a mensagem para lado nenhum onde os pudessem ajudar, e despediram-se a desejar-lhe boa sorte.
Talvez se o Estado fosse competente se evitassem danos gravíssimos, se não irreversíveis, em alguns jovens com menos de 25 anos. Para que serve o Estado se não serve para nos proteger?
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