PS quer fazer as pazes com a bancarrota e com a comerciante de Viseu
António Costa já sabe onde vai buscar o voto para chegar à maioria absoluta em 2019. Vai buscá-lo a Viseu, ao mesmo lugar onde perdeu as eleições de 2015.
O maior e talvez o mais inquietante problema do PS é que nunca olhou para a governação de José Sócrates com um olhar minimamente crítico, nunca teve uma palavra condenatória, nunca fez um mea culpa, nunca teve um suspiro, nunca fez um trejeito, nunca torceu o nariz ou nunca sequer franziu o sobrolho perante um rumo económico que, conjugado com a crise financeira internacional, conduziu o país à bancarrota.
Os socialistas nunca tiveram a lata nem o descaramento de se orgulhar ou fazer grande alarde sobre o período de governação de 2005 a 2011, mas também nunca apontaram um erro que fosse a essa governação. A estratégia era não falar do assunto e sacudir a água do capote socialista.
Como tal, não deixa de ser interessante ler a entrevista que o primeiro-ministro deu ao Expresso, este fim de semana, em que António Costa fala sobre o tema com o desassombro de alguém que já está numa posição suficientemente confortável para revisitar os fantasmas do passado.
Logo no arranque da entrevista, questionado sobre os erros que terá cometido nas legislativas de 2015, António Costa dá a seguinte resposta:
“Percebi que não ganharia essas eleições quando, um dia, em Viseu, conversei com uma comerciante que me explicou que concordava com tudo o que propúnhamos, achava que era sério, que íamos mesmo fazer aquilo, mas tinha imenso medo que, fazendo isso, voltássemos a uma situação de rutura financeira. Percebi que o grande problema que tivemos foi as pessoas temerem que isso pudesse acontecer outra vez.” Esta frase surpreende por duas razões:
- Primeiro porque Costa assume o óbvio e reconhece, sem complexos, que perdeu as eleições de 2015. É um pequeno passo para a humanidade, mas é um grande passo para António Costa.
- A segunda razão é que Costa reconhece, preto no branco, que uma parte do eleitorado olhava para a solução proposta pelos socialista na campanha como uma herança de outras governações socialistas e que poderia conduzir novamente o país à bancarrota. Pelo menos essa era a perceção e a tese da comerciante de Viseu a quem Costa deu crédito suficiente para acreditar que iria perder as eleições.
António Costa terá feito algumas coisas que a comerciante de Viseu temia, recuou noutras (como na descida da TSU em troca de cortes futuros nas pensões ou o crédito fiscal) e avançou mais depressa noutras, como na reposição de rendimentos e o corte na sobretaxa, para garantir os acordos à esquerda que lhe permitem governar.
Mas o Governo de António Costa levou a sério o que lhe disse a comerciante de Viseu e resolveu, e bem, não facilitar no processo de consolidação das contas públicas. Distribuiu e repôs rendimentos com base naquilo que o crescimento da economia e a poupança de juros permitiam, trocou impostos diretos pelos indiretos, congelou investimentos, substituiu cortes nas despesas por cativações e justificou o aperto nos serviços públicos com slogans do género ‘somos todos Centeno’.
Com o eleitorado de esquerda relativamente tranquilo com o resultado da geringonça, o discurso de António Costa está agora virado para a comerciante de Viseu para conseguir chegar à maioria absoluta. Estas são algumas das frases de António Costa na entrevista ao Expresso deste fim de semana:
- “Não podemos cometer asneiras nem dar passos maiores do que a perna.”
- “Estabilidade nas nossas finanças públicas, de modo a recuperar o prestígio internacional.”
- “Estamos a pagar menos 1.100 milhões de euros [em juros] graças à forma responsável como temos sabido gerir as nossas finanças públicas.”
- “Porque é que precisamos de continuar a manter saldos primários positivos? Porque temos uma dívida muitíssimo elevada.”
- “Temos que manter uma gestão orçamental de rigor e responsabilidade. Isto não é austeridade, é realismo.”
- “Nós estamos muito determinados em não voltar a cometer os mesmos erros do passado e em ter uma disciplina orçamental, financeira e económica que mantenha o país e o Estado a coberto de aumentar essa dívida.”
Esta última frase, na realidade, não foi dita este fim de semana. Nem sequer foi dita por António Costa. É uma frase de Passos Coelho, de julho de 2015. É uma provocação. Não foi dita por António Costa, mas podia ter sido. As outras não foram ditas por Pedro Passos Coelho, mas também podiam ter sido. Costa quer cumprir a promessa que fez no Congresso da Batalha: “acabar com o mito de que, em Portugal, é a direita que sabe governar a economia e as finanças públicas”.
É o PS à procura do eleitorado do centro e centro-direita, numa altura em que a comerciante de Viseu olha incrédula para aquilo que se passa com os social-democratas. Rui Rio não está a fazer oposição, nem bem, nem mal. Simplesmente não está a fazer oposição. Nos bastidores, Pedro Duarte, Luís Montenegro e Miguel Pinto Luz acotovelam-se para se sentar num lugar que ainda não está vago. Santana Lopes anda a passear pelas sedes dos partidos liberais como quem vai fazer compras num supermercado. Enquanto procura uma barriga de aluguer política, ensaia um discurso que assusta por parecer populista e por ser eurocético.
Numa altura em que a liderança da direita em Portugal mais parece um albergue espanhol, António Costa aposta num discurso mais conservador para convencer a comerciante de Viseu, uma terra antes conhecida por Cavaquistão e que há 31 anos ajudou Cavaco Silva a obter a primeira maioria absoluta monopartidária da democracia portuguesa. Para essa maioria caminha Costa, indo ele, indo ele, a caminho de Viseu.
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