2019 rima com 2009 e 1999?
Vem aí mais um ano de eleições. O governo prepara-se para gastar o que tem e o que não tem. Tal como em 1999 e 2009. Não é sina dos anos. É oportunismo sempre dos mesmos.
O que é que 2019 tem em comum com 2009 e 1999? Além, claro, do facto de passarem dez anos entre cada data? 2009 e 1999 foram anos de eleições legislativas. E 2019 será ano de legislativas novamente. Coincidência, por que é suposto só haver eleições legislativas de quatro em quatro anos. Mas a demissão de Guterres em 2001, a dissolução do Parlamento em 2005 e a demissão de Sócrates após o pedido de resgate financeiro em 2011 levaram a que se registe esta coincidência.
E nos três casos, o governo em funções é do Partido Socialista. O que não é propriamente coincidência, pois desde 1995, em 24 anos, o PS governou cerca de 17 anos (entre final de 1995 e meados de 2002 com Guterres; entre meados de 2005 e meados de 2011 com Sócrates e desde novembro de 2015 com António Costa). O PSD, sempre em coligação com o CDS, governou pouco mais de sete anos (entre meados de 2002 e 2005 com Barroso e Santana e entre meados de 2011 e novembro de 2015 com Passos Coelho). Ou seja, o PS governou, desde 1995, cerca de 70% do tempo e a coligação PSD/CDS cerca de 30% do tempo.
Por outro lado, o PS governou num período de expansão económica (96-2000) e quando a crise bateu à porta (2001) foi-se embora, deixando um défice orçamental próximo dos 5% do PIB e Portugal a ser o primeiro país a entrar no Procedimento dos Défices Excessivos, para além de ter passado a dívida externa de um valor próximo de zero para 50% do PIB (posição de investimento internacional, que mede a diferença entre ativos e passivos com o exterior).
Depois, governou entre 2005 e 2011, e foi-se embora deixando Portugal a iniciar um Programa de Assistência Financeira com a “troika”, com uma dívida externa acima dos 100% do PIB (tinha voltado a duplicar), com um défice acima dos 8% do PIB em junho de 2011 e uma dívida pública de 110% do PIB (e mais 10 p.p. do PIB de dívida pública que a reclassificação de perímetro em 2014 ditada pelas novas regras das Contas Nacionais – o SEC 2010 que substituiu o SEC 95 – obrigaram a que fosse à dívida pública. Além, claro, de mais dez pontos percentuais do PIB em PPPs, sendo que, de 21 PPPs rodoviárias, 19 foram lançadas em governos do PS – Guterres lançou nove e Sócrates não quis ficar atrás e lançou dez).
Já a coligação PSD/CDS governou entre 2002 e 2005, tentando (de forma pouco competente, diga-se) corrigir o desequilíbrio nas contas externas e nas contas públicas. Depois, pegou no país em junho de 2011, tendo de corrigir um défice que estava acima dos 8% e um programa de ajustamento que não negociou, mas que teve de aceitar e cumprir.
A propósito disso, há quem, sobretudo nas redes sociais, mas também na opinião escrita, queira convencer-nos que o programa de ajustamento com a “troika” terá sido negociado e da responsabilidade de Passos e Catroga. O problema desta mentira é que têm mesmo perna curta. Mas se fosse verdade, seria ainda mais grave. Então, o primeiro-ministro Sócrates e o ministro das Finanças Teixeira dos Santos assinaram um acordo que vinculou a República a um programa extremamente doloroso e que foi negociado por duas pessoas que à data de 3 de maio de 2011 não tinham qualquer cargo público eleito?
Não sei o que é pior. Se nos querem fazer passar por estúpidos, ou, caso isto fosse verdade, o nível de incúria e de irresponsabilidade daquele governo ser ainda maior do que aquele que já sabemos.
Mas sabemos que tudo o que de mau acontece na economia e na sociedade portuguesa são responsabilidade de quem governou 30% do tempo desde 1995. E o que vai havendo de bom é responsabilidade de quem nos colocou pela primeira vez no Procedimento dos Défices Excessivos e de quem nos colocou perante a necessidade de um resgate financeiro. Mas, dizia eu no início, que 2019, tal como 1999 e 2009, será ano de eleições legislativas, e nos três casos, sempre com o Partido Socialista no poder. Será que em 2019 vamos repetir o que se passou em 1999 e 2009?
No Orçamento do Estado para 1999, apresentado em outubro de 1998, o país vivia um clima de euforia económica. Entre 1995 e 2000, o défice reduziu-se de 5% para 3%, permitindo a Portugal integrar a moeda única. Sucede que nesse período houve três efeitos “temporários”, que permitiram a redução do défice nominal ao mesmo tempo que o governo do Eng. Guterres distribuía benesses e despesa por todos.
- O primeiro foi o efeito do crescimento económico, que rondou nesse período os 4%/ano, a que se somava um deflator dos preços de 2%, pondo o crescimento nominal acima de 6%/ano.
- O segundo efeito foi a extraordinária recuperação de dívidas fiscais via plano Mateus, na ordem de centenas de milhões de euros por ano.
- O terceiro efeito, por via da entrada de Portugal no Sistema Monetário Europeu e depois na zona Euro, foi a quebra significativa das taxas de juro. Essa quebra permitiu que a despesa de juros passasse de 5,5% em 1995 para 3% em 2000.
Dir-me-ão, que o saldo primário continuava equilibrado. É verdade, mas apenas graças ao crescimento económico e ao plano Mateus. Assim que, em 2001, estabilizou o efeito de redução dos juros, e ao mesmo tempo o plano Mateus começou a reduzir os montantes cobrados e a economia mundial entrou em recessão (efeito do fim da bolha das “dot.com” em 2000 e do 11 de setembro de 2001), o défice nominal disparou para os 5%.
Ora, em final de 1998, o que decidiu o governo de Guterres para 1999, ano de eleições? Basicamente um aumento da despesa corrente em 0.7 pontos do PIB (passando de 32.5% para 33.2% PIB). Despesa, essa, canalizada para despesas com pessoal (aumentos de vencimentos e de número de funcionários), prestações sociais e subsídios. Numa altura em que a economia já dava sinais de desaceleração, a consolidação orçamental foi totalmente esquecida (como nos três anos anteriores). A fatura, haveríamos todos de a pagar dois anos mais tarde. Mas havia que conquistar a maioria absoluta, que acabou por fugir por um deputado.
Já em 2009, a irresponsabilidade foi muito maior. O OE/2009 foi feito já na sombra da crise financeira de 2008 (a queda do Lehman Brothers deu-se a 15 de setembro). Mas, desde 2007, que se vivia já a iminência de uma crise (embora não se previsse uma magnitude tão grande). O que fez o Governo em 2008? Na ressaca da saída do Procedimento dos Défices Excessivos, baixou a taxa normal de IVA de 21% para 20%, aumentou os funcionários públicos em 2.9% para 2009 e, na resposta à crise, iniciou um programa de investimentos megalómanos.
Olhando para o OE/2009, é preciso recordar que tinha previsto para 2009 um défice de 2.2% e o défice ficou em 10.5%. O governo previa um crescimento real do PIB de 0.6% (o PIB caiu em termos reais 3%). Tinha previsto um crescimento da receita fiscal (apesar da crise) de 1.5%. A receita fiscal caiu nesse ano 12%. Caiu dois pontos percentuais do PIB (cerca de 3.5 mil M€) quando se previa um aumento de mil M€. Só no IVA perdeu-se 2 mil M€ (cerca de 15% receita) quando a previsão do OE/2009 era de um crescimento de 3.5%, cobrando-se mais uns 500 M€.
Toda esta farsa na apresentação do OE/2009 serviu para duas coisas:
- Por um lado, fazer acreditar que era possível, num contexto de recessão, ter as contas públicas equilibradas. Em 2008, o défice tinha ficado em 2.8%, mas com 1 ponto do PIB em medidas “one-off” (as concessões hídricas e rodoviárias que estamos agora a pagar), ou seja, o défice rondava os 4%. Partindo de 4%, reduzindo o IVA e aumentando a despesa com pessoal, prestações sociais e com um programa de investimento público de vários milhares de milhões de euros, no meio de uma recessão fortíssima, o défice ia passar para 2,2%?
- Por outro lado, ao maquilhar de forma irresponsável as contas, permitiu que o OE/2009 fosse eleitoralista, baixando impostos e aumentando salários.
A fatura chegou menos de um ano depois. Em junho de 2010, o IVA passou novamente para 21% (e a taxa reduzida passou de 5% para 6% e a intermédia de 12% para 13%), houve cortes nos apoios sociais (sobretudo no abono de família), aumentos no IRS e cortes nas despesas. Mas não chegou. Para o OE/2011, vinha um corte de salários na função pública (em média de 5%, variando entre 3.5% e 10% – recebeste mais 2.9%, agora tiramos-te 5% e ainda pagas mais um ponto para a CGA, aumentando o corte salarial para 6%, o dobro do aumento de 2009), um aumento do IVA de 21% para 23%, cortes nas prestações sociais e nas despesas, nomeadamente com o SNS, redução em 20% nas despesas com o Rendimento Social de Inserção e a eliminação do aumento extraordinário de 25% do abono de família nos 1.º e 2.º escalões e eliminação dos 4.º e 5.º escalão desta prestação.
Mas não chegou e foi preciso pedir um resgate financeiro e um programa de ajustamento. Com cortes de pensões acima dos 1.500€, num total de 450 M€, redução de funcionários públicos e redução de despesas com o SNS, educação e investimento público. E mais aumento de impostos: revisão das tabelas do IVA, passando parte dos bens e serviços de 6% para 23% (é daqui que vem o aumento do IVA da eletricidade), redução dos benefícios fiscais em IRS e aumento do IMI.
Também lá estava, para os mais distraídos, a célebre medida da “desvalorização fiscal”, ou seja, a redução da TSU (“Redução da taxa social única (TSU) compensada por medidas fiscais (em impostos que não prejudiquem a competitividade) e por cortes permanentes na despesa pública”). Também lá estava outra coisa, que muitos também não se lembra: “Reforma da legislação de proteção no emprego, promovendo a flexibilidade”.
E agora, em 2019, como vai ser? A economia está a crescer, embora na média Europeia e muito abaixo dos principais concorrentes de Portugal. O défice para 2018 aparenta estar controlado, e pode ficar nos 0.7% (0.3% sem a injeção capital no Novo Banco). Ora, o objetivo do défice para 2019 é apenas de 0.2%, o que significa que no Programa de Estabilidade (eu avisei na altura, aqui e aqui) optou-se por não fazer qualquer esforço de consolidação orçamental nominal em 2019. Nada, zero.
O que significa que o governo se prepara para gastar o que tem e o que não tem. Tal como em 1999 e 2009. Não é sina dos anos. É oportunismo sempre dos mesmos. E sempre com os mesmos (que não eles) a pagar a conta depois. Na próxima semana desenvolverei este último ponto.
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