Os nossos emigrantes precisam de um “puxão”?
Se queremos ter um país atractivo e viável, de onde as pessoas não queiram sair e para onde outras desejam vir viver, temos de resolver problemas.
Rentrée do Partido Socialista, Caminha, 25 de Agosto. O Primeiro-Ministro discursa. E propõe a redução do IRS para os emigrantes que queiram regressar ao país. (Que efectivamente regressem, não basta querer, suponho eu.) Bom, sabemos que não se trata de uma medida eleitoralista, porque, no mesmo discurso, António Costa havia clarificado que “Ninguém pense que por ser ano eleitoral vamos pôr em causa o rigor orçamental na proposta de OE para 2019″. Até porque ele está convencido de que houve uma quebra de estrutura no pensamento lusitano e agora “os portugueses não votam em quem ponha em causa a sustentabilidade das contas públicas”.
Além disso, avançar com uma “borla fiscal” – para usar a expressão de outro António Costa – que se aplica apenas a quem deixou o país entre 2011 e 2015, excluindo assim, por exemplo, a comunidade portuguesa na Venezuela que não quer aproveitar a fantástica qualidade de vida proporcionada pelo socialismo de Nicolás Maduro, bem como todos os que por cá ficaram a ajustar a economia portuguesa, dificilmente seria uma boa estratégia fiscal de angariação de votos.
A medida inscreve-se, conforme explicou, no âmbito da superação do desafio demográfico. E da resolução dos problemas da economia, em particular do mercado de trabalho, acrescentou Vieira da Silva.
Engraçado é que eu achava que promover a vinda de recursos humanos para Portugal não seria particularmente distinto de manter os que já cá estão. Eu sei que Richard Thaler e a sua Economia Comportamental chamaram a atenção para o papel da inércia. Nesse sentido, os nossos emigrantes precisariam de um “empurrão” (ou de um “puxão”, neste caso). Mas também sei que a distância favorece as visões benévolas. Não é apenas Coimbra que tem mais encanto na hora da despedida: para quem emigrou e cá vem apenas em férias é mais fácil cultivar uma imagem idílica de Portugal. Por isso, pensando nos emigrantes, talvez possam melhorar o funcionamento dos aeroportos, para não lhes reavivar logo à chegada e depois na partida como é que as coisas funcionam em Portugal.
Pensando em todos – nos que queremos trazer de volta e nos que não queremos que partam –, recomendo um olhar atento para os resultados de estudos como o projecto BRADRAMO, que foi tentar perceber o fenómeno da emigração qualificada, a chamada “fuga de cérebros”. É que coisas como os baixos salários (Portugal ocupa, no contexto europeu, o 20º lugar em termos de remuneração média dos trabalhadores por conta de outrem, em paridade de poder de compra) são importantes na decisão de viver em Portugal – e os impostos entram aí, na medida em que determinam o rendimento líquido –, mas não só. As perspectivas de carreira, a forma como o trabalho está organizado (e o impacto que isso tem na conciliação entre vidas profissional e pessoal) ou a possibilidade de fazer uso das suas competências são factores tão ou mais fundamentais. Isto para nos cingirmos aos aspectos laborais.
Como disse, em entrevista, João Peixoto, professor catedrático do ISEG, “Há muita gente de todas as qualificações que não vê satisfeitas as suas ambições profissionais e sociais em Portugal e por isso entende que a saída é o melhor recurso. Nós não somos um país pobre em termos absolutos, mas continuamos a ser um país pobre em termos relativos, no que se refere à média da União Europeia, portanto continua-se a pensar que há possíveis futuros melhores em países mais ricos na União Europeia.”
Por isso, se queremos ter um país atractivo e viável, de onde as pessoas não queiram sair e para onde outras desejam vir viver, temos de resolver problemas como a falta de médicos no Serviço Nacional de Saúde, a não promoção do raciocínio no sistema educativo ou a desconfiança na Justiça, que se alia à sensação de corrupção generalizada e contribui para a insatisfação com a democracia. Questões que fazem parte há anos das múltiplas e variadas análises dedicadas a Portugal, que integravam o leque de reformas a implementar no quadro do Programa de Ajustamento Económico, mas que continuam, em boa medida, por solucionar.
Mas, pronto, podem sempre apostar em medidas discriminatórias, de princípio criticável e de efeito prático duvidoso. E, claro, acabar com a crise do Sporting: pode ser que se lhe puserem ordem, o Cristiano Ronaldo contemple a ele regressar e terminar lá a sua carreira.
Nota: A autora escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.
Disclaimer: As opiniões expressas neste artigo são pessoais e vinculam apenas e somente a sua autora.
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