Teodora Cardoso: Lehman despertou Portugal para contas públicas, mas “propensão para acumular défices não foi eliminada”

Tinha acabado de entrar para a cúpula do Banco de Portugal quando o Lehman Brothers ruiu. A presidente do CFP lembra que em 2005 já havia alertas e conta como uma frase do FMI desencadeou reações.

Onde estava quando o Lehman Brothers faliu? Teodora Cardoso tinha lugar há cerca de três meses no conselho de administração do Banco de Portugal, o órgão de cúpula do supervisor da banca. A agora presidente do Conselho das Finanças Públicas (CFP) lembra que as preocupações já existiam há um ano, mas que em 2005 já tinham sido expostas as fragilidades que aquela queda veio evidenciar. A economista considera que desde então muito trabalho foi feito, mas que “estamos longe de ter resolvido todos os problemas”. Em Portugal, por exemplo, “a propensão para retomar uma acumulação de défices externos não foi eliminada”.

“A falência do Lehman Brothers veio aprofundar as preocupações que existiam pelo menos desde agosto de 2007, quando os mercados interbancários internacionais bloquearam, tornando-se numa condicionante relevante do financiamento da economia portuguesa”, conta Teodora Cardoso. A líder de uma das instituições que acompanha as contas públicas em Portugal recorda que nessa altura o défice externo era superior a 10% do PIB e o endividamento público e privado era elevado.

Mas os avisos sobre as fragilidades que o “tsunami financeiro” evidenciou tinham começado antes. “Um dos avisos mais atempados e ponderados fora emitido em 2005 pelo então economista-chefe do FMI, Raghuram Rajan, na sua intervenção no simpósio anual organizado pelo Fed de Kansas City em Jackson Hole”, quando disse que “a evolução tecnológica, a liberalização dos mercados e as mudanças institucionais combinaram-se para expandir o acesso ao crédito e às oportunidades de partilha de risco. Embora em grande parte mais pronunciadas nos Estados Unidos, estas evoluções estão a fazer caminho noutros países. Além disso, na medida em que tanto os mercados de bens como os financeiros estão crescentemente interligados à escala mundial, nenhum país ficará imune às consequências dessas mudanças”.

“Acredito que, em geral, elas criaram significativas oportunidades […] mas as oportunidades podem ser usadas para o bem ou para o mal. Por isso é tão criticamente importante criar incentivos certos. […]”, avisou Rajan, lembrado pela economista.

Este e outros alertas foram “tratados como ‘papel de parede sonoro’: está lá, mas não o ouvimos“.

O poder da palavra do FMI

Teodora Cardoso explica que a gravidade do que se passou com a queda do Lehman excedeu “largamente” as perspetivas mais pessimistas. E recorda como foi recebida a frase com que o Fundo Monetário Internacional (FMI) abriu o importante World Economic Outlook algumas semanas depois: “A economia mundial entra agora num período de forte declínio face ao mais grave choque observado desde os anos 30 em mercados financeiros desenvolvidos“.

“A reação das políticas macroeconómicas não se fez esperar, através do expansionismo monetário e orçamental, mas não evitou a recessão nem a lentidão da retoma subsequente. Entretanto, outros instrumentos das políticas económicas e financeiras ganharam peso, sobretudo associados, por um lado, à regulação e supervisão das instituições e dos mercados financeiros e, por outro lado, à necessidade de tomar em conta as relações entre os desenvolvimentos no setor financeiro e na economia, com particular atenção aos períodos em que tudo ‘corre bem’.”

A presidente do CFP admite que foram retiradas “lições importantes” do que aconteceu há dez anos, uma delas o facto de a crise ter posto termo “à noção antes dominante que apenas via consequências positivas no aumento do peso e da complexidade do setor financeiro”. Teodora refere que houve avanços no plano macroeconómico e que a resposta regulatória passou a ser “muito mais atenta”.

Os problemas de Portugal

“A necessidade de requisitos de capital muito mais exigentes e de políticas de liquidez mais atentas à transformação de maturidades tornaram-se evidentes. Ao mesmo tempo, promoveu-se a adoção de políticas macroprudenciais contracíclicas destinadas a refrear a expansão dos tipos de crédito mais propícios à criação de bolhas e desfavoráveis à estabilidade da economia”, detalha a economista.

No entanto, Teodora Cardoso considera que “estamos longe de ter resolvido todos os problemas”: os novos instrumentos de regulação ainda não foram testados, as tecnologias estão em constante mudança e, no campo económico, as políticas expansionistas adotadas como resposta empurraram os níveis de endividamento, “alimentando os riscos associados ao retorno a uma situação normal”.

No caso concreto de Portugal, “a vulnerabilidade resultante da acumulação de défices externos reduziu-se, mas a propensão a retomá-los não foi eliminada“, alerta a economista.

“O endividamento privado baixou, sobretudo no caso das famílias, e o Banco de Portugal começou a atuar com vista a controlar a expansão dos créditos que envolvem maiores riscos macroprudenciais.”

No entanto, o endividamento do Estado e as pressões sobre as despesas públicas permanecem “muito elevados”, enquanto a “capacidade de aumentar as receitas fiscais é limitada e muito dependente de fatores conjunturais”, acrescenta Teodora Cardoso em resposta ao ECO, em linha com o que o CFP defendeu recentemente num documento sobre os riscos de médio longo prazo para as finanças públicas nacionais.

“Permanecem, por isso, riscos elevados, que pouco tiveram a ver com a falência do Lehman Brothers, embora esta tenha reforçado a exigência de reduzir a vulnerabilidade resultante do enfoque exclusivo nos resultados de curto prazo das políticas económicas”, lamentou.

A 7 de setembro de 2008 (a oito dias da queda do Lehman), era domingo. As capas dos jornais davam pouca atenção aos temas mais económicos. Só a edição que vinha de sexta-feira — e que é uma edição de fim-de-semana também — do Jornal de Negócios mostrava um pouco do clima económico e político que se vivia por aqueles dias.

Ao mesmo tempo que o então presidente do Banco Central Europeu (BCE), Jean-Claude Trichet, fazia um apelo “muito, muito forte” para que a subida de salários fosse inferior à da inflação, a rentrée do novo ano política era já marcada pela campanha eleitoral. Seguiam-se 15 meses com quatro atos eleitorais.

As ações do Lehman Brothers atingiram um pico de 86,18 dólares em fevereiro de 2007, com o banco a acumular uma capitalização bolsista na ordem dos 60 mil milhões de dólares. No entanto, os analistas, no primeiro trimestre, já apontavam para os problemas no mercado imobiliário, nomeadamente o aumento do número de créditos em incumprimento, que caminhava para máximos. Mas, na conferência com analistas após a apresentação dos resultados do primeiro trimestre fiscal, o administrador financeiro, Christopher O’Meara, desvalorizou este problema em toda a linha. Em setembro de 2007, deixou o cargo que ocupava desde 2004, para passar a ser o responsável máximo de gestão de risco no Lehman Brothers.

Foi há 10 anos que o Lehman Brothers colapsou. O dia 15 de setembro marca simbolicamente o início da maior crise financeira dos últimos 80 anos. Onde estava quando o Lehman faliu?’ é uma rubrica diária, de 1 a 15 de setembro, onde empresários, banqueiros, políticos, economistas e advogados dizem ao ECO como viveram a queda do banco e o que aprendemos com a crise.

 

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