Orçamento (ainda) não rima com investimento

Mesmo que o orçamento de 2019 seja cumprido, o investimento público ficará ainda abaixo do nível de 2015.

Em quatro anos, passámos de um Governo que chocava com a Comissão Europeia na altura de apresentar o Orçamento e que desconfiava do mercado, para um governo e maioria que se orgulha de um défice 0% e dos comentários das agências de rating, não dando tudo a todos mesmo em ano eleitoral. No entanto, mesmo com um crescimento acima do potencial e com condições de financiamento tão favoráveis, ao longo dos mesmos quatro anos, o investimento (público e privado) teima em não arrancar para os níveis que Portugal precisa para crescer no longo prazo. Nesse capitulo, em 2019, orçamento vai continuar sem rimar com investimento.

O Orçamento de 2019 mantém a formula dos dois últimos anos

O primeiro OE ainda no inicio de 2016 foi chumbado pela Comissão, mas o plano B, com um perdão fiscal (o já esquecido PERES), com cativações e com menos investimento convenceu não só Bruxelas, Frankfurt e Washington, mas também foi convencendo as agências de rating e o mercado.

Os orçamentos de 2017 e de 2018 voltaram a ser feitos para cumprir os mínimos dos objetivos do défice nominal definidos pela comissão e incluir (faseadamente) as medidas acordadas entre o PS e os partidos mais a esquerda.

A despesa pública (que não com salários) foi sendo controlada, e o investimento público foi sendo sacrificado. A boa conjuntura externa, o petróleo e o BCE foram empurrando o crescimento económico e ajudaram a melhorar a receita fiscal e também a reduzir a despesa subsídios de desemprego (ou como dizem os economistas, os estabilizadores automáticos ajudaram). O aumento dos dividendos do Banco de Portugal e a redução dos juros no mercado fizeram o resto. Ou seja, o défice foi descendo, mas praticamente não houve ajustamento estrutural.

Chegamos pois ao orçamento de 2019 com a perspetiva de um défice de praticamente 0% do PIB (sem as famosas medidas excecionais da Banca que, sendo excecionais, têm existido praticamente todos os anos) — algo histórico mesmo tendo em conta a conjuntura favorável. Não só dado o historial das ultimas décadas mas também dadas as perspetivas apresentadas por este governo logo no primeiro orçamento em 2016.

Este orçamento tem, no entanto, duas grandes diferenças face aos outros apresentados por este Governo:

  1. A inversão do ciclo económico não é um risco, mas sim praticamente uma certeza. A dúvida para o próximo ano não é saber se a economia vai desacelerar ou não, mas sim quanto. Ora, esperar uma desaceleração de apenas uma décima (ou seja, praticamente zero) parece claramente otimista tendo em conta os riscos externos que até estão descritos no próprio relatório: subida do preço do petróleo, crises das economias emergentes, Brexit e tensões políticas na Europa. Dai que se nos Orçamentos de 2017 e 2018 as estimativas macroeconómicas não só eram credíveis como até poderiam ser consideradas, neste orçamento parecem ser otimistas.
  2. 2019 é ano de eleições, e tipicamente o controlo dos ministros das Finanças tende a ser menor. Especialmente quando estão de saída como parece ser o caso. Muito provavelmente (ate pelo que disse hoje) Mário Centeno não executara este orçamento ate ao fim, dai que tenha muito menos capacidade de controlo de despesa do que em anos anteriores, principalmente à medida que as eleições se forem aproximando, pondo em risco os 240 milhões estimados de poupança de despesa. A não ser que algum choque externo (vindo de Itália ou até de Espanha) obrigue o governo português a demonstrar ao mercado que Portugal e mesmo diferente.

Deste modo, é bem provável que mesmo excluindo as injeções de capital no Novo Banco o défice acabe por ser maior do que os 0.2% do PIB esperados, e que quando chegarmos aos primeiros meses de 2020 descubramos que afinal o orçamento foi até expansionista. Algo normal em fim de ciclo, tal como até já tinha sido em 2015 com o anterior governo.

Mas é ou não um orçamento eleitoralista?

Esta tem sido a grande pergunta politica, mas a análise económica pode dar uma ajuda. De um ponto de vista agregado, um orçamento pode ser considerado eleitoralista se for “pro cíclico”, ou seja, se aumenta o défice numa altura de crescimento acima do potencial. E desse ponto de vista, este orçamento não é eleitoralista. Aliás, o governo demonstra-o neste gráfico que consta do relatório que mostra que o saldo estrutural até melhora ligeiramente, tal como tem acontecido desde 2016:

No entanto, há um pequeno truque de 300 milhões de euros referente ao aumento de dividendos do Banco de Portugal e da CGD que, na verdade, não são estruturais. Assim, sem este valor o saldo estrutural não se expandiria 0.1% do PIB potencial como esperado pelo Governo, mas sim reduzir-se-ia em 0.1%. Ou seja, em bom rigor, este orçamento é “ligeiramente eleitoralista”.

Se ainda tivermos em conta que quem recebe mais são funcionários públicos e pensionistas (tidos com os principais alvos eleitorais desta maioria), podemos chegar à conclusão que, até a um nível mais desagregado, é eleitoralista – e seria estranho se não o fosse em ano de eleições e com um défice tão baixo.

No entanto, quando comparamos com as duas últimas legislaturas, acaba por ser menos eleitoralista quer os orçamentos de 2009/10 e também do que o ultimo orçamento do anterior governo em 2015, que teve uma expansão cíclica de 0.5% do PIB potencial. Ou seja, faz pouco sentido comparar este orçamento com o de 2009.

Avaliação: Este Orçamento tem dois pontos positivos e três negativos

  • Pela positiva

Continua a redução do défice e pelo menos a aparência de uma continuação de ajustamento estrutural, ainda que abaixo do recomendado pela Comissão (0.6% do PIB) e praticamente todo baseado no aumento de dividendos do Banco de Portugal e agora também da CGD). Parece pouco mas ainda há não muito tempo muitos discutiam se Portugal precisava e conseguia ter um défice 0%. Ainda há quem mantenha essa posição, mas claramente Mário Centeno venceu essa batalha dentro do governo e da maioria e até tem passado a mensagem de que o tempo das taxas baixas ficou para trás.

A dívida pública continua a cair em percentagem do PIB e diminuirá quase dez pontos desde o máximo de 2016 (129%), para 119% em 2019. Mesmo tendo em conta nível elevado em que se encontra, esta diminuição prova que é possível reduzir a divida sem reestruturações e está a ser feita conjugando crescimento com redução do défice.

  • Pela negativa

O ajustamento estrutural ao longo destes 4 anos foi baixo ou praticamente inexistente. Ou seja, quando vier a próxima recessão e se esta for acompanhada por uma subida de taxas de juro não só voltaremos a ter défices como nos poderemos aproximar dos 3%.

Aumenta mais uma vez a rigidez da despesa pública – com a integração dos precários e aumentos na função pública voltamos aos maus hábitos do passado (ainda que em menor escala).

Finalmente, a grande falha não só deste orçamento, mas desta legislatura é mesmo a falta de incentivos ao investimento. Neste orçamento, são mais uma vez dados demasiados incentivos ao consumo e poucos ou nenhuns à poupança e ao investimento. São dedicados quase 800 milhões de euros a medidas de aumento de rendimento das famílias, 500 milhões dos quais exclusivamente a funcionários públicos e pensionistas e apenas 140 milhões diretamente ás empresas e ao investimento. É certo que os principais obstáculos ao investimento eram até há 2 anos a fraca procura e as condições de financiamento. Mas, agora, já passamos essa fase, as empresas precisam de outros estímulos como redução dos custos energéticos (não só com a eletricidade, mas também com combustíveis).

(Fonte Ameco, cálculos do autor)

Com uma economia ainda tão endividada, só é possível aumentar o investimento de uma forma sustentada com recurso à poupança interna. A taxa de poupança das famílias portuguesas atingiu, em 2017, 5.4% do rendimento disponível, praticamente o valor mais baixo de sempre e metade da média da área do euro. Por isso, em vez de aumentos na função pública ou outras medidas indiscriminadas, seria melhor incluir medidas de estímulo à poupança das famílias. Infelizmente, não há neste documento nada de novo nesse capítulo.

Quanto ao investimento público, mesmo que o orçamento de 2019 seja cumprido, ficará ainda abaixo do nível de 2015. Portugal não precisa de regressar a grandes projetos de infraestruturas, mas um investimento público de 2.2% do PIB não só é demasiado baixo quando comparado com outros países do nosso nível de desenvolvimento como também não permite que o investimento privado recupere.

Dez anos depois da grande crise financeira e nove anos depois dos manifestos que elegiam o investimento publico como prioritário, Portugal tem neste momento o segundo menor rácio de investimento (público e privado) sobre o PIB de toda a União Europeia. Com a produtividade em níveis tão baixos, só com mais investimento é que se consegue garantir mais crescimento no futuro

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