As reformas antecipadas e a mercearia da geringonça
A geringonça prometeu tudo a todos e agora o governo tem de desdizer-se. A sustentabilidade da segurança social está em causa e por isso não pode abrir o regime das reformas antecipadas a todos.
É o que dá a mercearia orçamental, é o que dá transformar o Orçamento do Estado e o Orçamento da Segurança Social numa feira em que cada um dos partidos da Geringonça tem uma banca para dar o que mais seduz os eleitores. Um ‘dá’ reduções na eletricidade, outro ‘dá’ manuais escolares, outro ‘dá’ nas propinas, outro ainda ‘dá’ nos passes sociais, e todos querem ‘dar’ aos pensionistas. Afinal, perceberam agora, há problemas de sustentabilidade do sistema de pensões e não se pode dar tudo a todos…
Vem isto a propósito da confusão política – e risco financeiro – instalada nas mudanças do regime de acesso às reformas antecipadas sem uma dupla penalização no seu valor. O governo já o andava a discutir há mais de um ano. O ECO revelou, no dia 27 de abril de 2017, a proposta que seguiu para a Concertação Social sobre as novas condições de acesso à pensão antes da idade legal para o fazer sem a penalização do fator de sustentabilidade, que custa 14,5% da pensão por ano, e que agora já vai nos 66 anos e quatro meses. E aí, já constava o princípio de que o regime só seria aberto aos trabalhadores com 60 anos de idade e 40 de descontos. Agora, o governo propõe que já em janeiro os que têm 63 anos e 43 de descontos podem reformar-se sem as penalizações mais gravosas. E em outubro, este regime chegará aos que têm 60 anos e 40 de descontos. Mas são exatamente estas as combinações. Não apanha, por exemplo, os que têm 61 anos e 40 de descontos. Porquê? Porque não há dinheiro para isso. Do nosso dinheiro, diga-se.
O governo anda há três anos a dizer que a Segurança Social não tem um problema de sustentabilidade, disse-o António Costa nas eleições, e que o crescimento económico registado, e o que é previsível que venha a ter nas próximas décadas, chega e sobra para o equilíbrio do sistema. Nestes anos, até tem havido excedente orçamental nas contas da Segurança Social, mas…
Não chega, não chegará, e nem é preciso introduzir novas regras como esta para acelerar o que salta à vista. A demografia, por si só, a esperança média de vida, coloca pressões enormes no sistema. E por isso é que é necessário reforma-lo. O que é que isto quer dizer? É preciso mudar o modelo de financiamento, e não basta a esgotada diversificação de fontes de financiamento, porque isso corresponderá a mais impostos. É preciso mudar o equilíbrio que existe hoje entre quem paga e quem recebe. É preciso mudar o sistema que temos hoje, que põe os trabalhadores atuais a pagar os reformados atuais. E passar a ligar os descontos diretamente à pensão no futuro, num modelo de capitalização e de contas individuais, total ou parcialmente. Podemos fazer de conta que o sistema é eterno. Não é.
Agora, nesta mercearia orçamental, o governo está a provar do seu próprio veneno, pelas expectativas que criou, aos portugueses e ao PCP e BE em particular. E está de mãos atadas. Simplesmente porque não é possível permitir a reforma antecipada a todos os que têm mais de 60 anos sem penalizações pesadas. O ministro da Segurança Social deu uma medida das necessidades se isso fosse feito: As contribuições para a Segurança Social teriam de aumentar cinco pontos percentuais. Leram bem. Cinco pontos percentuais face aos 23,75% que as empresas pagam e aos 11% que os trabalhadores pagam.
Vamos por partes: Para que serve o regime da reforma antecipada? Não é para ser usado ao livre arbítrio de cada um, serve para premiar aqueles que começaram a trabalhar muito cedo, até antes dos 18 anos, a idade legal para a maioridade. Se um trabalhador quer reformar-se antes da idade legal, deve poder ter essa opção, mas tem de estar disposto a pagar por isso, com uma penalização relevante na sua pensão. Porquê? Porque estará mais anos a receber pensão, financiada, é preciso dizê-lo, por quem está a trabalhar, não pelos seus descontos. Esses já foram usados para pagar a pensão de quem estava reformado à data.
As reformas antecipadas estiveram congeladas durante o período da troika e, quando regressaram, tinham condições tão penalizadoras, com cortes que chegavam aos 50% da pensão prevista, que poucos foram os que a pediram. Agora, o governo está a libertar o acesso às reformas antecipadas para as carreiras contributivas mais longas, com pelo menos 40 anos. Mas como criou a ideia de que estava a dar muito mais do que isso, tem agora de se explicar. E explicar no último orçamento antes das eleições que, afinal, o que andou a dizer sobre a sustentabilidade da Segurança Social foi um engodo, ou uma vigarice política.
Carlos César, o presidente-do-PS-que-antecipa-as-decisões-do-governo, já veio dizer que o grupo parlamentar vai mudar estas regras. O ministro, aflito com estas ideias e o seu impacto orçamental, veio acrescentar um ponto a este conto. Haverá um regime transitório para os que se querem reformar sem penalizações, por exemplo, para aqueles que têm 61 anos e 40 de descontos (escolha o exemplo que quiser, caro leitor). É mentira, este regime transitório é definitivo, vamos ter de trabalhar mais, durante mais anos, para pagarmos o sistema social que temos hoje. E se alguém disser o contrário, estará a mentir, ou vai agravar os problemas da Segurança social. Os seus problemas, e os dos seus filhos e netos.
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