15 anos de Reforma da Tributação do Património
A tributação do património possui um efeito parcialmente confiscatório, dado que se aplica mesmo aos proprietários que não possuem rendimentos e “desfalcam” património sobre que incidem.
Passam hoje (12 de novembro), 15 anos sobre a publicação da Reforma da Tributação do Património, no Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12/11. É um bom pretexto para uma reflexão acerca dos seus resultados e das perspetivas do futuro.
O tema ganha mais interesse pelas propostas que estão sobre a mesa da discussão orçamental, de agravamento da tributação do imobiliário.
Os principais resultados da Reforma são os seguintes:
- Foi criado e implementado um regime jurídico da avaliação do valor dos prédios urbanos que se caracteriza pela sua objetividade e transparência;
- Foram avaliados todos os imóveis urbanos, de acordo com o novo regime, aproximando o seu valor fiscal dos valores reais de mercado;
- Baixaram significativamente as taxas, relativamente aos impostos antigos, de um máximo de 1,4% para 0,5% no IMI e de 10% para 6,5% no IMT;
- Deixaram de ser tributadas as transmissões gratuitas de bens entre cônjuges, descendentes e ascendentes, que são a quase totalidade;
- Criou-se um regime de administração dos novos impostos, assente na desmaterialização e automatização dos procedimentos;
- Iniciou-se a criação de um regime de incentivos fiscais à reabilitação urbana, alargado em 2008.
- O novo regime de avaliações trouxe transparência ao mercado imobiliário, eliminando, praticamente, a evasão fiscal generalizada que se verificava no tempo da Sisa. Permitiu também um controlo eficaz dos rendimentos do arrendamento e da alienação dos imóveis, aumentando fortemente as receitas do IRC e do IRS geradas pelo setor imobiliário.
A receita do IMI quase triplicou, passando de cerca de 604 milhões em 2002 para 1.461 milhões em 2017 (dados do INE e DGO). O peso dessa receita no PIB praticamente duplicou, de 0,4% para 0,8%.
A receita do IMT alcançará, no final deste ano, o seu recorde histórico, num nível próximo dos mil milhões de euros, mais do que duplicando a de 2012.
Estes resultados foram decisivos para as boas finanças dos municípios portugueses, que são os titulares destas receitas e cuja dívida está abaixo dos limites previstos, em 283 das 308 autarquias locais (dados do relatório de Setembro do CFP).
A Reforma trouxe também mais equidade, dado que o anterior sistema sobrecarregava os titulares de prédios novos, as classes mais jovens e dinâmicas da economia, a benefício dos titulares de prédios mais antigos, cujos valores fiscais se haviam tornado meramente simbólicos. O sistema antigo penalizava a renovação do parque imobiliário e premiava a sua degradação.
Apesar de ter estado envolvido nesta Reforma, entendo que o seu resultado foi globalmente positivo e que ela contribuiu para que o mercado imobiliário seja um dos mais dinâmicos da economia portuguesa.
Mas o sistema necessita de ajustamentos relevantes, nomeadamente:
- O objetivo da Reforma não era, como foi então anunciado, o aumento da receita fiscal, mas a sua redistribuição, diminuindo a carga fiscal sobre os prédios mais novos e aumentando-a sobre os antigos. O aumento verificado na receita deveria ter conduzido a uma diminuição das taxas, em especial das mais baixas e sobre os prédios de mais baixo valor;
- A eficiência do sistema de tributação do património, tornou o setor imobiliário um alvo preferencial dos governos quando necessitam de aumentar as receitas fiscais. Foi o que aconteceu em 2012 com a criação do Imposto do Selo sobre os prédios de elevado valor imobiliário, voltou a acontecer em 2016 com a criação do Adicional ao IMI (AIMI), e acontece com duas propostas em discussão na AR, a primeira de criação da Contribuição Municipal de Proteção Civil, que não é mais do que uma duplicação do IMI e a segunda, que é o agravamento das taxas do AIMI. Se estas propostas fossem aprovadas, o efeito acumulado da tributação do património imobiliário conduziria ao resultado, que pensamos ninguém pretender de, em menos de 30 anos, o Estado receber em impostos o valor integral dos imóveis, o que corresponderia a uma expropriação em cada geração;
- O sistema de avaliações não tem acompanhado, como devia, a valorização do mercado imobiliário, que se tem acelerado em Lisboa e Porto, relativamente à média nacional (dados recentes do Confidencial Imobiliário revelam que praticamente duplicou em Lisboa desde a última atualização, em 2015). A lei prevê a atualização do coeficiente de localização a cada 3 anos, mas ela só ocorreu duas vezes desde 2003, apesar de ser indispensável à equidade do sistema. Sem ele, o sistema tributa de forma mais gravosa os prédios de menor valor, em benefícios dos de maior valor;
- Os jovens, que foram as maiores vítimas da crise, estão agora a ser também vítimas da retoma, porque a valorização do imobiliário está a impedi-los de aceder à habitação. É necessário criar um regime especial de isenção do IMT na aquisição da primeira habitação permanente, como acontece noutros países, como por exemplo no Reino Unido, elevando significativamente o limite e alargando para 6 ou 10 anos o período de isenção do IMI, que foi indevidamente encurtado em 2012;
- É necessário rever o regime de tributação reduzida, em sede do IMT, de aquisição das segundas habitações, não só porque não se justifica, como também para travar a subida de preços, como sugere o FMI no recente Regional Economic Outlook para a Europa. Em contrapartida, devem alargar-se os limites de valor e de tempo, da isenção do IMI e do IMT para a habitação permanente. No IMI, a taxa aplicável à habitação permanente deveria ser sempre mais baixa que a das segundas habitações, favorecendo-se assim o aumento da oferta e a equidade;
- O agravamento da tributação das segundas habitações deve centrar-se nas zonas mais valorizadas. Em contrapartida, devem alargar-se os incentivos fiscais ao arrendamento por particulares, em especial quando destinado à primeira habitação de jovens;
- É necessária uma revisão profunda do sistema de financiamento dos municípios. A sua dependência do IMI e do IMT torna as autarquias nos principais beneficiários, e por isso promotores, da especulação imobiliária. Por outro lado, a valorização assimétrica do mercado imobiliário, está a beneficiar os municípios mais ricos (em especial Lisboa e Porto), prejudicando os restantes e agravando o desequilíbrio territorial;
Falta uma avaliação daquilo que o país ganhou e perdeu com a eliminação do imposto sobre as sucessões e doações, nomeadamente se foram conseguidos os interesses superiores aos da tributação que justificam todos os benefícios fiscais; - Ficou por fazer a reforma do património imobiliário rústico. Na prática, o país abandonou a tributação deste segmento da riqueza imobiliária, e essa é uma das causas do abandono rural, como demonstramos aqui e aqui. Segundo dados publicados pela AT, o país tem 11,5 milhões de prédios rústicos e 8,1 milhões de prédios urbanos, sendo que a receita fiscal do IMI gerada pelos primeiros é apenas de 0,5% (7,7 milhões de euros) contra 99,5% dos segundos (1.484,7 milhões). Não é sustentável que o Estado receba mais receita do IMI e do IMT de um T1 num subúrbio, que sobre uma quinta agrícola, por muito grande que seja. Voltaremos a este tema.
A tributação do património possui um efeito parcialmente confiscatório, dado que se aplica mesmo aos proprietários que não possuem rendimentos (como ensinava o Professor Teixeira Ribeiro estes impostos “desfalcam” o património sobre que incidem). Por essa razão, deve ser complementar da tributação do rendimento, como defendia Carl Shoup, e a sua função, mais que a obtenção de receitas, deve ser, fundamentalmente, a de induzir o proprietário a rentabilizar a riqueza que possui. E por essa razão, as suas taxas devem ser cuidadosamente baixas.
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