A Omertá do Parlamento na trilogia da vergonha
Ninguém quer assistir a este jogo de sombras onde não há transparência e cada “questiúncula” obscura e imoral é uma pazada na solidez da nossa democracia.
Na ressaca da Web Summit ainda esperei que algum corajoso chegasse a esse evento e explicasse que servem de pouco conferências de tecnologia num país mortificado pela corrupção, onde prolifera o tratamento por “doutor” e afunilado numa espécie de oceano vivo – como no livro “Solaris” de Stanislaw Lem – de vaidades e egos que são apenas a exuberância de incultos e insignificantes seres. Já no ECO manifestei que a causa das nossas insuficiências passa por uma elite medíocre, mas também por uma Justiça forte com os fracos e rastejante perante os poderosos. Se não fosse assim, só poderia ser delirante que apenas ao fim de dez longos anos saíssem sentenças de prisão para indivíduos que causaram prejuízos de seis mil milhões de euros que todos os portugueses, sem apelo nem agravo, tiveram de pagar com uma austeridade severa e implacável. Dez anos, mas ainda vêm os recursos, para incriminar a seita do BPN, um banco que era lixo mas que serviu, nas palavras da juíza que decretou a sentença, para «brincarem com o dinheiro do cidadão cumpridor». Porém, tenho de recordar que sobre o BPP, nada; BES, nada; e sobre a maior empresa portuguesa, a PT, que foi morta a sangue-frio, «rien de rien». Se bem se lembram, num país moderno e respeitador da sua comunidade, a Islândia, quando ocorreu o caos da banca, a grande maioria desses gestores encontraram o ocaso das suas carreiras atrás das grades sem qualquer contemplação. É essa a diferença de se estar no Primeiro Mundo ou numa qualquer fogueira das vaidades sem qualquer impacto na vida das pessoas.
Por isto tudo, foi com algum gozo que assisti a Rui Rio mencionar pela enésima vez algo em que é especialista: «uma reforma profunda do regime democrático, que tem uma coisa que se chama a reforma do sistema político». Acentuando que «a maior parte dos valores pelos quais se fez o 25 de Abril estão a ser abastardados com o desgaste que o regime tem tido». Pois bem, o PSD tem o maior grupo parlamentar, mas desde a escolha de Negrão para o liderar, tem-se dedicado pouco a fazer oposição e mais a afiar as facas para ajustes de contas e golpes em qualquer esquina. A grande maioria já percebeu que com Rio a ir a votos a nau é certa candidata a naufrágio, logo, existe um enorme terror na perda do seu lugarzinho. Rio fala de limpeza e «reformas», na senda dos tais banhos de ética que é excelente a apregoar mas timorato a dar e tomar, contudo, pactua com a imoralidade das passwords de José Silvano e da padroeira contra as virgens ofendidas, Emilia Cerqueira. Aliás, quando vi as conferências de imprensa de ambas as criaturas, dos quais os portugueses que lhes pagam salário na generalidade nunca tinham ouvido falar, lembrei-me da personagem de um “Despachante” (assassino) de um dos mais brilhantes escritores de língua portuguesa, Rubem Fonseca, no seu livro “Calibre 22” que avisava: «eu tenho os meus princípios, já disse. Não mato mulher, criança e anão. E sou honesto». Ora, naturalmente, estes dois deputados não são assassinos, têm os seus princípios e são honestos, mas não podem sonegar que o que lhes convém mesmo é “o venha a nós” dos 69 eurinhos de diária por presença em sessão plenária, mesmo que lá não estejam, como era o caso do mestre da ubiquidade, José Silvano.
Portanto, a somar à mediocridade das elites e à cobardia da Justiça perante o poder, nesta trilogia da vergonha, somemos a falta de respeito da classe política com quem os elege, também a sua pequenez, mediocridade e exiguidade de cultura e leitura. Logicamente que todas as regras têm excepções e há casos de bons serviços, em todos os partidos, de eleitos para a Assembleia da República que, efectivamente, dão o máximo para melhorar a vida dos portugueses, a esses a minha vénia. No entanto, o que mais me chocou nesta ópera-bufa das passwords, foi a lei do silêncio que se impôs entre todos os partidos. A incomodidade evidente com o enorme receio que a serenata ridícula de Silvano e Emília se alargasse a outros quadrantes do hemiciclo. Notei o cinismo e o mutismo como se houvesse uma Omertá do parlamento quanto a estas questões, como se quisessem, mas não pudessem, dizer que a roupa suja se lava em casa, ninguém denuncia ninguém. Assim, é impossível Portugal fazer as pazes com a classe política. Ninguém quer assistir a este jogo de sombras, a um bailado macabro onde não há transparência e cada “questiúncula” obscura e imoral é uma pazada na solidez da nossa democracia.
O autor escreve segundo a antiga ortografia
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