Populismo Florestal ou a inquisição dos eucaliptos
O drama dos incêndios florestais há muito que merecia uma abordagem estrutural, olhando às verdadeiras causas e soluções em vez desta falaciosa inquisição aos eucaliptos.
Os argumentos técnicos desenvolvidos no Manifesto por uma Floresta não Discriminada são suficientemente claros e sustentados para ser desnecessário estar a bater na mesma tecla. Está subscrito por pessoas com conhecimento e responsabilidade, que o assinam e estão identificadas.
Dizer que, porque são interessados na matéria, não têm direito a expressar publicamente a sua opinião ou que essa opinião não é válida e genuína, é o mesmo que excluir todos os interessados da discussão das matérias que os afetam. Excluir os médicos, os doentes, os enfermeiros, as empresas e as associações do setor da saúde de discutir, a saúde. Excluir os juízes, os advogados, os cidadãos envolvidos e os organismos do setor da justiça de discutir, a justiça. Ou excluir os refugiados, as autoridades fronteiriças, as ONGs do setor, os sindicatos e as populações dos locais de destino dos refugiados, de discutir as questões dos refugiados. Ninguém de bom senso o faria e nenhum de nós o aceitaria. Uma democracia saudável depende da liberdade de expressão das diferentes opiniões e da licita oposição de diferentes argumentos. Na verdade, se não aceitarmos que os cidadãos, na sua pluralidade, são a primeira e a última defesa da democracia, devemos deixar toda a esperança para trás.
Mas curiosamente, da leitura das várias criticas a este manifesto, a critica comum é – o manifesto não é válido porque os seus signatários são parte interessada. É curiosa esta obsessão em atacar os signatários em vez da mensagem. Claro que uma leitura mais atenta torna clara a motivação para esta opção – estando a mensagem bem sustentada, é mais fácil atacar a fonte.
Infelizmente a atitude por detrás desta posição tão redutora – ou somos contra o eucalipto ou somos uns ignorantes e perigosos lacaios do grande capital e inimigos do ambiente e dos nossos co-cidadãos – é a mesma com que o Brexit, Trump, o Movimento 5 Estrelas e mais recentemente Bolsonaro foram eleitos. É a mesma que sustenta na Polónia e na Bulgária uma violenta recusa de aceitar refugiados e de respeitar o estado de direito e o direito internacional. É o populismo na sua mais pura essência que exclui o dialogo e o debate em favor de uma redução dos problemas complexos das nossas sociedades a resposta simples e de consumo instantâneo, com um qualquer bode a expiar todas as culpas.
É o populismo que encontra na perseguição do eucalipto a resposta fácil e “politicamente correcta” ao flagelo dos incêndios florestais em Portugal. Nunca me deixa de surpreender a ironia de culpar o eucalipto pela tragédia do Pinhal de Leiria. Se não fosse trágico seria cómico. Eu sei que há eucaliptos no Pinhal de Leiria. Como um pouco por todo o nosso país. Mas sei também que o que mais ardeu em Portugal não foram eucaliptos, nem em área absoluta nem em proporção à ocupação florestal do território. E isso é um facto. Como é um facto que onde o eucalipto é gerido arde muito pouco. Tal como onde os sobreiros, os carvalhos e as azinheiras estão ao abandono, ardem e bem quando por infortúnio lá chega o fogo.
Enquanto produtor florestal – de cortiça, pinha, madeira de pinho e, sim, de eucalipto – fico muito apreensivo com as limitações irracionais que foram colocadas ao eucalipto. Não me afetam diretamente para já, mas não têm sustentação racional e prejudicam gravemente muitíssimos produtores florestais, além de condenarem ao abandono largas áreas de território*.
Mas enquanto cidadão fico verdadeiramente em pânico ao ver o governo e a pretensa elite a tapar o sol com a peneira enquanto finge que está a resolver o drama humano e social dos incêndios florestais quando na verdade está apenas a atirar gasolina para a fogueira.
É populismo na forma – atacar as pessoas e não as ideias – e é populismo no conteúdo – atacar um bode expiatório ao mesmo tempo que se alimenta o problema para manter o ciclo vicioso do medo e da ignorância.
O drama dos incêndios florestais em Portugal há muito que merecia uma abordagem séria e estrutural, envolvendo as populações locais e olhando às verdadeiras causas e soluções, em vez desta falaciosa inquisição aos eucaliptos.
* Desafio os defensores das espécies autóctones a trabalhar 40, 50 ou 80 anos para só receber a totalidade dos ordenados no final – isto se não tiverem ardido ou se algum iluminado não tiver proibido a sua exploração comercial entretanto. Os mesmos que apontam e penalizam sem pejo as externalidades negativas, nunca vieram a público defender a necessidade de compensar as muitas externalidades positivas geradas pela floresta, condição indispensável à atratividade e sustentabilidade de uma floresta diversa e resiliente em Portugal. Onde se pode e deve incluir o eucalipto.
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